6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça absolveu um homem de 27 anos que foi condenado pelo crime de estupro de vulnerável por beijar publicamente, em duas oportunidades, uma menina que ele acreditava ser mais velha do realmente era

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a ocorrência do erro de tipo para absolver um homem de 27 anos que foi condenado pelo crime de estupro de vulnerável por beijar publicamente, em duas oportunidades, uma menina que ele acreditava ser mais velha do realmente era.

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A tese suscitada pela defesa foi acolhida por maioria de votos, em caso de alta complexidade e grande sensibilidade, exemplificativo da dificuldade que o Judiciário tem encontrado ao abordar o tema do crime previsto no artigo 217-A do Código Penal.

A vítima tinha 12 anos na época dos fatos. Ela conheceu o réu por meio de um aplicativo de mensagens e eles se beijaram na porta de uma escola e dentro de um ônibus. Segundo o acusado, ela aparentava ser mais velha, alegação confirmada por uma das testemunhas, conforme consta nos autos.

A existência da dúvida razoável sobre se o réu sabia, de fato, que poderia estar cometendo o crime de estupro de vulnerável foi o que pesou para a 6ª Turma acolher a ocorrência do erro de tipo, figura prevista no artigo 20 do Código Penal.

Em artigo recente publicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o criminalista Felipe Leite explicou que, em suma, o erro de tipo ocorre quando a pessoa entende que, ao praticar uma conduta, estaria protegida pelo ordenamento jurídico, embora o cenário real seja outro.

A denúncia considerou os beijos como a conduta tipificada no artigo 217-A do Código Penal, que fala sobre ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. A penal imposta ao réu foi de 11 anos e oito meses de prisão, em regime fechado.

Relator do Habeas Corpus, o ministro Saldanha Palheiro afirmou que esse montante causa um constrangimento. Ele argumentou que, em casos de estupro de vulnerável, a palavra da vítima ganha peso relevante porque os atos são cometidos na obscuridade e sem testemunhas. Não é o caso da situação relatada nos autos.

O magistrado apontou que a tese do erro de tipo foi suscitada pela defesa perante as instâncias ordinárias e que o Ministério Público de São Paulo, na apelação, opinou pela absolvição do réu. Ainda assim, o Tribunal de Justiça paulista confirmou a condenação.

E o ministro levantou a discussão: a conduta reprovável de se envolver com uma pessoa tão mais jovem, sem verificar sua idade, é proporcional à pena de 11 anos e oito meses em regime fechado? O beijo na boca seria um ato constitutivo do tipo pretendido pelo artigo 217-A do Código Penal?

A solução de absolvição foi confirmada pela maioria formada com o ministro Sebastião Reis Júnior e o desembargador convocado Olindo Menezes. Eles apontaram que a saída é a mais aceitável e temperada, de modo a evitar injustiça e falta de razoabilidade.

Exagero ou não?
O exagero da pena imposta ao crime de estupro de vulnerável — de oito a 15 anos — tem sido suscitado por ministros do Superior Tribunal de Justiça em diversos outros casos. O principal problema, como se reconhece na corte, é a falta de gradação na lei.

Isso faz com que quem beije uma pessoa menor de 14 anos, até mesmo de forma consentida, seja submetido à mesma pena de quem tem conjunção carnal forçada, na forma teoricamente mais grave do conceito de estupro. Situações como essa levam sempre a discussões.

Foi por esse motivo que a jurisprudência do STJ já afastou, de forma excepcionalíssima, a presunção de crime em caso de estupro de vulnerável. E agora vai discutir se é possível desclassificar o crime de estupro de vulnerável para o delito de importunação sexual, previsto no artigo 215-A do Código Penal.

Ao acompanhar o relator, o ministro Sebastião Reis Júnior ponderou que o legislador brasileiro, muitas vezes, age mais por emoção do que por razão. “Ele esquece a técnica jurídica e tem uma sede de punir e apenar. Para ele, o combate à criminalidade se limita a criminalizar atos”, avaliou. “E quando vai fazendo modificações, acaba criando situações desproporcionais.”

A situação é tão desproporcional que esse réu condenado a 11 anos e oito meses de prisão dificilmente teria uma pena tão alta se matasse uma pessoa sem a incidência de agravantes ou majorantes. A pena mínima do homicídio simples, determinada no artigo 121 do Código Penal, é de seis anos.

Soluções diversas
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Rogerio Schietti, para quem os aspectos e as circunstâncias fáticas apontados pelo relator são contestáveis e não podem ser analisados em sede de Habeas Corpus.

O relato da acusação é de que, no ônibus, o réu teria passado a mão nas costas da vítima para tentar desabotoar sua roupa íntima. Há ainda uma avaliação psicossocial que mostra o impacto negativo na vida da adolescente, graças ao trauma causado e ao medo de reencontrar o réu.

“Fato é que o tribunal de origem e o juiz de primeiro grau condenaram dizendo que ele efetivamente praticou esses atos”, afirmou. “São atos que, ainda que praticados à luz do dia e em local que possa ser visto por outras pessoas, configuram pelo tipo penal de estupro de vulnerável”, complementou o magistrado.

A ministra Laurita Vaz propôs uma outra solução. Ela entendeu que, embora a defesa tenha suscitado a tese do erro de fato na apelação, o TJ-SP não fez considerações sobre ela. Assim, opinou por conceder a ordem reconhecendo a ilegalidade do acórdão por falta de fundamentação, com devolução do caso para novo julgamento.

FONTE: Conjur| FOTO: STJ