O caso do anestesista Giovanni Quintela Bezerra, preso em flagrante por estuprar uma paciente durante uma cirurgia cesárea dentro do Hospital da Mulher, em São João de Meriti, no Rio de Janeiro, no dia 11 de julho, gerou revolta e estarreceu a todos. O médico agiu durante o parto, no momento em que a vítima ainda estava inconsciente. O abuso teria durado cerca de 10 minutos e foi feito ao lado de outros colegas na sala, separados apenas por uma divisória de tecido. Ele tentou disfarçar o estupro limitando os movimentos do corpo. O crime foi flagrado por uma câmera de celular instalada por uma equipe que já desconfiava dos crimes.
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Toda essa história gerou repercussão e discussão sobre a violência contra a mulher e praticada dentro de um ambiente hospitalar. E no âmbito do direito, por que apesar de protagonizar cenas tanto abuso, o médico tem o direito de ter uma defesa? Para esclarecer essas questões, o portal Juristec entrevistou Itamar Regis, acadêmico em Direito pela Universidade Anhanguera Educacional, Assistente Jurídico no escritório MSA – Advogados e Partners.
Confira:
Por que apesar de protagonizar cenas de tanta violência, o anestesista tem o direito de ter um advogado?
Independente do que crime que esta pessoa supostamente tenha cometido, o dever do advogado é para com os Autos. Tal dever do advogado é fazer com que a Lei seja cumprida dentro de seus limites legais, sendo assim, o compromisso da defesa é com o jogo do processo penal, sendo ele, a figura garantidora dos direitos do acusado. E, para garantir tais direitos, não existem causas indignas de defesa.
Devemos nos ater, ao fato de que o advogado exerce função essencial à Justiça, conforme preconiza nossa Constituição Federal, sem a figura do advogado não existe processo, e sem processo, à acusação não poderá vingar.
A defesa para o acusado, nada mais é, do que uma barreira entre a civilização e a barbárie, um exército de uma única pessoa contra a brutalidade e o costumeiro fetiche acusatório, pela carência de liberdade, pelo castigo, pela vingança.
Na lei brasileira, de acordo com o código penal em vigência quais são os trâmites, os passos a partir da prisão em flagrante?
Primeiramente, temos a prisão-captura, o que já é consignado que está fase em grande maioria é cumprida pela polícia, tratando-se da prisão do acusado, tal fase tem como objetivo proteger o bem jurídico que em tese, está sendo lesado com a conduta supostamente criminosa, impedindo, assim, a consumação da infração, assegurando então, a identificação da autoria, bem como as fontes iniciais de prova.
Necessário destacar que, nesta fase, é imprescindível que o autuado seja informado de seus direitos, entre eles, o direito de permanecer calado, conforme Art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.
Posteriormente, temos a condução coercitiva, sendo por sua vez, desdobramento natural da prisão em flagrante. Ou seja, sempre que o acusado for detido, ele será conduzido até a Delegacia de Polícia, onde a autoridade policial (Delegado), analisará a legalidade da aludida prisão. Neste momento temos a lavratura da Prisão em flagrante, sendo essa, única e exclusivamente responsabilidade do Delegado de Polícia, logo após, o acusado é recolhido ao cárcere e a autoridade policial irá comunicar ao juízo em questão a prisão do conduzido.
Posteriormente, temos a audiência preliminar, ou como é conhecida, audiência de custódia, tal etapa é a concretização da determinação do Pacto de São José da Costa Rica, em direção de que toda pessoa presa deve ser conduzida, sem demora, à presença do Juiz. Tratando-se, sem dúvida, de uma garantia para o acusado, representando um avanço do sistema pátrio se comparado aos demais países, onde o preso chega a ser apresentado ao juiz até 48 horas após a sua captura.
Necessário destacar, que o Código de Processo Penal, prevê que, após a determinação da prisão do acusado, deverá ser avisado o Ministério Público, à família do acusado, ou qualquer pessoa que por ele fora indicado (art. 306 do CPP). Por derradeiro, em observância ao princípio da ampla defesa e do contraditório, princípios estes, constitucionais, a lei determina a entrega de nota de culpa ao acusado dentro do prazo legal de 24 (vinte e quatro) horas.
Nesse caso tem chance dele sair da prisão e responder em liberdade?
Todos se questionam se a prisão do médico aconteceu em momento de flagrância, pelo que vemos até o momento, logo após a gravação do vídeo, levaram-no imediatamente as autoridades policiais, sendo que esta, por sua vez, se deslocou até o local, para efetuar a prisão do acusado, a prisão em flagrante, por outras linhas, servirá para levar o acusado tão somente a presença do Juiz, que por sua vez decidirá em mantê-lo preso ou não. Nesta audiência, o Juiz poderá acatar o pedido do Ministério Público em manter a decisão de deixar o acusado preso, mesmo, sem entender que não existiu o caso de flagrância, decretando então a prisão preventiva.
Contudo, não deverá o magistrado vendar-se tão somente pela comoção pública dada a gravidade delituosa, ou até mesmo pelo clamor público constituindo como base fundamentação idônea a configurar a prisão preventiva. Torna-se incontestável a irresignação com o ocorrido, contudo, deve-se estudar a complexidade da situação, devendo-se indagar o quanto o acusado pode estar doente. Observando então, o caso sob a ótica da criminologia, e seus quatro objetos: crime, delinquente, vítima e controle social.
E a paciente agredida, o que pode fazer para a punição?
Como há o vídeo, que por sua vez, mostra claramente o ocorrido, temos um crime onde já se há a certeza quanto a sua ocorrência e sua autoria. Caberá a polícia investigar a existência de outras vítimas e as circunstâncias em que o crime fora cometido, contudo, com o auxílio de um advogado, poderá a vítima requerer a punição do acusado de forma administrativamente (cassação de sua licença), bem como civilmente (dever de indenizar), na esfera criminal, poderá a vítima constituir advogado, para que este, por sua vez, acompanhe a investigação criminal e atue, em momento especifico, como assistente à acusação.
Ele deve ser indiciado por quais crimes?
Primeiramente, temos que o crime até então comedido pelo acusado, enquadra-se no estupro de vulnerável (Art. 217-A do Código Penal), tendo como pena a reclusão, de 08 (oito) a 15 (quinze) anos, tendo em vista que o ato ocorreu na sala de parto, caracterizando à mesma violência sexual e obstetrícia. Ainda sobre, devemos considerar que o acusado é médico, sendo justificativa válida para u aumento da pena, conforme STJ REsp 1263108, ato contínuo a vítima se encontrava em estado de sono, conforme narrado em diversas matérias, temos então clara a vulnerabilidade desta. (STJ AgRg no HC 489684)