Para advogados Rodrigo Escóssia de Melo e Erick Carvalho de Medeiros, prisão do deputado federal Daniel Silveira pelo STF feriu a autonomia dos três poderes

Rodrigo Escóssia de Melo e Erick Carvalho de Medeiros, Advogados

Em 16 de fevereiro de 2021, o Ministro Alexandre de Moraes, do Egrégio Supremo Tribunal Federal, determinou a prisão em flagrante do Deputado Federal Daniel Silveira, após este ter publicado, em suas redes sociais, um vídeo com ofensas diretas aos ministros da corte, ter defendido o fechamento do STF, bem como o Ato Institucional nº 5 (AI-5).

Como um dos fundamentos, o eminente Ministro destacou que, no dia dos fatos, teria chegado ao seu conhecimento a existência de um vídeo onde o Deputado Federal Daniel Silveira teria atacado os ministros do Supremo Tribunal Federal e defendido o AI-5, motivos que levaram o magistrado a expedir “mandado de prisão a ser cumprido imediatamente e independentemente de horário por tratar-se de prisão em flagrante”.

Antes de tudo, cumpre esclarecer que o objetivo do presente artigo é realizar uma breve consideração técnica acerca da legalidade ou não, da ordem de prisão em desfavor do parlamentar.

Nos termos do art. 53 da Constituição Federal, os parlamentares são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, prevendo, ainda, o §2º do mesmo artigo, a impossibilidade de prisão dos parlamentares diplomados, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável, com o devido envio dos autos ao congresso, no prazo de vinte e quatro horas, nos seguintes termos:

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Neste sentido, o dispositivo constitucional deixa claro a necessidade de dois elementos para a prisão dos parlamentares, quais sejam, a ocorrência de um crime inafiançável e que o mesmo seja preso em flagrante.

A inafiançabilidade do suposto crime, ao nosso modo de ver, é inquestionável, porém, a constituição do flagrante é o que deve ser debatido no presente caso.

O Código de Processo Penal prevê em seu art. 302 e parágrafos o conceito de flagrante, contemplando tal temática com a seguinte disposição legal.

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal;
II – acaba de cometê-la;
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

No caso em estudo, a analogia a ser realizada é se, realmente, o Ministro agiu de forma acertada em determinar, de ofício, a prisão em flagrante do Deputado. Em restrita interpretação literal, ao nosso ver, não existiam elementos suficientes para a configuração de uma prisão em flagrante, muito menos para uma ordem de prisão sem a devida solicitação pela autoridade competente.

Ademais, estamos falando de um ambiente virtual, onde, literalmente, não ficou devidamente claro o exato momento do cometimento do crime, restando impossível adotar a teoria adotada pelo Ministro Alexandre de Moraes no sentido de que, enquanto o vídeo permanecesse disponível, não haveria o exaurimento do crime.

Adotar tal medida, em uma visão processual, foge de todos os princípios norteadores vigentes no nosso ordenamento jurídico, até mesmo pelo fato de que um dos pontos mais debatidos nos últimos tempos tem sido a liberdade de expressão, nesta feita, realizada por um Deputado Federal com a sua devida imunidade parlamentar.

Portanto, ao nosso sentir, não existiu qualquer motivo idôneo, fundamento legal ou constitucional para que se reconheça a legalidade do mandado de prisão em flagrante, realizado, de ofício, em desfavor do Deputado Federal Daniel Silveira.

Em verdade, soa, por demais estranho, a existência de um “mandado de prisão em flagrante”, que, pelo que aparenta, transmuda-se em mandado de prisão preventiva, no bojo de um inquérito que foi instaurado por ordem do Presidente do Supremo Tribunal, onde a Suprema Corte configura como vítima, estado acusador e estado julgador. Ainda mais estranho que o ministro Alexandre de Moraes tenha sido “escolhido” como o relator, quando, em regra, os processos que tramitam no âmbito do STF são distribuídos por sorteio.

Com o máximo respeito merecido pelo Supremo Tribunal Federal e seus ministros, a prisão em questão fere a autonomia dos 3 poderes, ao “censurar” a fala de um Deputado Federal, que goza de imunidade parlamentar, bem como por não observar o que preceitua o art. 302 do código de processo penal, em relação aos fundamentos da prisão em flagrante.

No mais, caso reste configurado ato ilegal do Parlamentar em questão, este deverá ser julgado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados do Brasil, órgão responsável por apurar, julgar e punir os seus membros, quando de infrações cometidas durante o seu mandato e que firam o acatamento das normas morais.

Tem-se, ainda, que, se demonstrado o cometimento de ilícito penal, cabe ao Procurador-Geral da República a obrigação de denunciar o referido crime, para que, aí sim, o Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pelo julgamento de crimes cometidos por parlamentares no exercício da função, possa atuar como estado julgador e, se comprovado o crime, exerça juízo de valor, com eventual condenação penal.

Rodrigo Escóssia de Melo, advogado em Natal/RN

RODRIGO ESCÓSSIA DE MELO – OAB/RN – 13.709

ERICK CARVALHO DE MEDEIROS – OAB/RN – 16.466