Para professora da UFRN e Doutora em Direito, cidadão precisa conhecer o que são dados pessoais, as razões que motivam essa proteção legal e por que nem sempre será vantajoso, interessante ou seguro entregar seus dados em troca de aparentes benefícios

Mariana de Siqueira, Professora da UFRN e Doutora em Direito

Há aproximadamente quatro anos, venho pesquisando o tema da proteção de dados pessoais no Brasil. Ao longo desse período, ministrei algumas aulas, dei entrevistas, palestras, fiz lives e ofereci cursos ao redor do assunto. Em cada um desses diferentes momentos, uma pergunta comum apareceu insistentemente: – “Professora, a LGPD vai pegar mesmo no Brasil?”

Em um olhar inicial, responder uma questão dessa ordem parece uma atividade pertencente exclusivamente à “futurologia”. Porém, observando a história, os precedentes judiciais, a dogmática jurídica brasileira, a conformação institucional e a cultura do país, é possível aferir através de dados a importância de empreender determinados esforços específicos para que algo tão inovador, como é o caso do conteúdo da LGPD, efetivamente se desdobre em ações concretas.

Pela lei, qualquer sujeito que trate dados pessoais precisa se adequar ao seu texto. As exceções a isso são poucas! Tratar dados pessoais, por sua vez, é realizar qualquer operação com esses dados.

Considerando que dados pessoais são informações ligadas a pessoas identificadas ou identificáveis (nome, CPF, RG, telefone, cor da pele etc.) e que todo aquele que trata dado pessoal deve respeitar à LGPD, é possível concluir sobre como essa legislação se aplica a um enorme grupo de sujeitos públicos e privados, de pequeno, médio e grande porte.

Sabe quando você vai a um condomínio e pedem sua identificação? O que fazem com os seus dados? Você sabe? Pois é, a LGPD se aplica a esse tipo de situação.

Sabe quando você vai à farmácia e pedem o seu CPF em troca de um desconto? Pois é, a LGPD também se aplica a esse caso.

Sabe as lojas que fazem cadastros seus antes de efetuar a compra que você deseja? Então, a LGPD também está ali.

Quando você entra em um site e ele rapidamente pede acesso a determinados dados seus para que você possa continuar navegando na página, ali a LGPD também incide.

As situações são inúmeras, os exemplos cotidianos são diversos e isso tudo nos revela o enorme potencial de abrangência dessa legislação.

Eu peço que você que lê agora esse texto faça um exercício de reflexão sobre tudo o que foi dito até aqui. Pense sobre os lugares que você frequenta e conhece, sobre como lidam com os dados que tratam, se as pessoas que ali trabalham conhecem a LGPD e sabem de seu papel e responsabilidade junto ao tema e concluam se esses lugares estão próximos ou distantes da aproximação plena ao conteúdo da LGPD.

Ressalto, que é engano pensar que o respeito à LGPD envolve apenas a elaboração de um bom termo de consentimento. Para que a LGPD se revele cumprida em sua máxima potência protetiva, são necessárias medidas diversas e multidirecionais.

A contratação de uma equipe multidisciplinar, por exemplo, habilitada a inventariar cuidadosamente os procedimentos e ações ligados aos dados pessoais que circulam naquele determinado ambiente estudado é fundamental.

Saber os dados que transitam ali, em que categoria legal se enquadram, quem os acessa e como, de que modo são armazenados e protegidos são apenas exemplos de medidas basilares a serem tomadas por lugares que tratam dados pessoais e que desejam agir tecnicamente e com método no sentido de sua adequação ao conteúdo legal da LGPD.

É muita mudança procedimental, comportamental e cultural, não é mesmo? Mudanças assim, demandam planejamento e investimento. Não à toa, desde a sua origem a LGPD trazia prazo de vacatio legis. Passado esse prazo, diante da efetiva vigência da lei, pensar sobre o compliance digital dos espaços públicos e privados que tratam dados é urgente. Na verdade, mais do que pensar sobre isso, é preciso agir nesse sentido!

Convém ressaltar, ainda, a importância de a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) ser estruturada com independência, respeito ao pluralismo de ideias e diversidade, incremento à habilidade técnica e olhar interdisciplinar. O papel designado à ANPD pela legislação é absolutamente relevante e indispensável para que essa lei cresça e se fortaleça no país.

Por fim, é imprescindível expor que o cidadão é peça chave no processo de sucesso da LGPD. Ele precisa conhecer o que são dados pessoais, as razões que motivam essa proteção legal e por que nem sempre será vantajoso, interessante ou seguro entregar seus dados em troca de aparentes benefícios. Educar para a cidadania digital é fundamental!

O Brasil é um país enorme, marcado pela diversidade e pela geografia do desigual acesso digital. A LGPD já está repercutindo, com intensidade e formato diverso, em inúmeros espaços públicos e privados. Ela já está “pegando”, como dizem. A sua expansão e incremento, ao que tudo indica, é questão de tempo.

E, para isso, para que ela seja um caso de sucesso em sua efetividade, é preciso agir, planejar, educar, capacitar equipes e fiscalizar o seu cumprimento. O que você está fazendo para auxiliar a efetividade da LGPD?

MARIANA DE SIQUEIRA é Doutora em Direito, Professora da UFRN e Coordenadora do Gedi.