A troca de acusações entre os advogados da mulher que acusou o atacante Neymar de estupro levantou uma velha discussão sobre os limites do sigilo entre advogados e clientes. A revista Época produziu reportagem especial sobre o tema e, segundo juristas ouvidos pela revista, informações obtidas com clientes não podem ser divulgadas mesmo que o contrato entre ambos seja rescindido. A exceção são casos que atinjam a honra do advogado.

Como todos os processos disciplinares e seus resultados na OAB ocorrem sob sigilo, os especialistas comentaram o sigilo de forma abstrata, sem fazer juízo sobre o caso de Neymar.

Nesta segunda-feira (03), o Jornal Nacional revelou a carta de rescisão do contrato dos antigos advogados da suposta vítima de Neymar. O documento, confirmado por ÉPOCA, indica que a mulher teria afirmado inicialmente a seus advogados que sofrera agressões do atleta, mas não um estupro.

Ainda segundo a carta, assinada pelo ex-advogado da suposta vítima, José Edgard Bueno, e encaminhada a sua cliente, o grupo de advogados diz que deixará sua defesa após a mulher ter mudado a estratégia: inicialmente, teria buscado reparações do atacante na esfera civil. Posteriormente, decidiu acusá-lo criminalmente de estupro.

De acordo com a Época, o documento foi revelado após a atual advogada da suposta vítima, Yasmin Pastore Abdalla, divulgar uma conversa entre sua cliente e seu antigo advogado dela. Nela, a cliente pede para “jogar na mídia” a acusação de estupro, enquanto o advogado pede calma.

A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) publicou um comunicado afirmando que, embora os advogados tenham absoluta independência para rescindir contratos quando entender haver quebra de confiança, também possuem o dever de resguardar o sigilo e as comunicações feitas pelo cliente. “São absolutamente confidenciais, ressalvada a hipótese de grave ameaça à honra, entre outras”, diz o comunicado.

A entidade não se pronuncia sobre infrações disciplinares: todos os casos tramitam no Tribunal de Ética e Disciplina (TED) sob sigilo. Mesmo em caso de punição, os casos não são públicos. O segredo é protegido pelo Estatuto da Advocacia, uma lei federal.

“O advogado deve sempre observar o Código de Ética: deve preservar o sigilo do que ele sabe em razão da profissão e sigilo das comunicações com o cliente. Mas o sigilo pode ser quebrado em caso de justa causa, quando houver ofensa à honra, ameaça à vida ou outra situação que justifique essa quebra”, diz Carlos Kauffmann, presidente do TED, que não quis comentar sobre o caso concreto dos advogados do caso Neymar.

Especialista em ética da advocacia, o ex-presidente do TED Eduardo Calza afirma que, mesmo em casos de investigação sobre advogados, pode-se alegar o sigilo para não divulgar as conversas com clientes.

Segundo ele, atual conselheiro federal da OAB, a relação de sigilo entre advogado e cliente se assemelha à de um padre e um fiel, isto é, o que é dito em conversas entre ambos não pode ser revelado pelo sacerdote. Calza afirma, todavia, que existe uma discussão na área sobre um prazo para que o advogado, em alguns casos, possa usar as informações.

“Um advogado que trabalha para uma empresa que comete infrações trabalhistas pode advogar para pessoas contra a empresa? Existe um debate sobre isso, é mais comum de ocorrer. Mas há algumas informações que, se forem sigilosas, o advogado deve guardar até o final da vida. Eu acredito que aqueles que recebem informações em segredo do cliente nunca poderão dizer e, se fizerem, publicamente ou não, estão rompendo com o sigilo e estão praticando uma infração disciplinar”, afirma Calza.

A punição em casos de quebra de sigilo, diz a reportagem de Época, pode ser de advertência ou censura. No primeiro caso, o advogado é avisado individualmente sobre a infração. Em caso de censura, fica mantido no Tribunal de Ética um registro da infração.

“Dentro do Tribunal existe o registro de todas as passagens, de todos os processos, o que foi feito por cada advogado. Isso é controlado pelo Tribunal e, numa segunda oportunidade em que pratique uma intenção disciplinar, isso pode ser considerado reincidência”, diz Kauffmann.

FONTE: Época | Foto: Reprodução Internet

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