Um dos princípios mais relevantes na doutrina do direito ambiental brasileiro é o princípio do usuário-pagador. Tal princípio, em síntese, sinaliza que aqueles que usam recursos ambientais em algum processo produtivo, extrativo ou em quaisquer utilizações que consistam na apropriação privada do ambiente ou de algum de seus elementos, deve pagar um preço que possa ser revertido aos órgãos públicos responsáveis pelo controle e fiscalização de atividades econômicas consideradas efetivas ou potencialmente causadoras de degradação ambiental, de modo que esses façam valer o cumprimento da legislação ambiental pátria. A lógica favorece a ideia de que os recursos ambientais são de todos e que o uso privado só pode ocorrer dentro de padrões especiais que assegurem um mínimo de segurança e de qualidade ambiental (equilíbrio ecológico).

Segundo destacam Leonardo de Medeiros Garcia e Romeu Thomé, o princípio do usuário-pagador traduz-se em uma evolução do princípio do poluidor-pagador. Para esses autores, embora apresentem traços distintos, são, na verdade, complementares. Recordam ainda que tal princípio estabelece que o usuário de recursos naturais deve pagar pela sua utilização, isso porque os recursos naturais são patrimônio de todos, e, portanto, devem estar sujeitos à aplicação de instrumentos econômicos para que o seu uso e aproveitamento se processem em benefício da coletividade. A ideia é de definição de valor econômico ao bem natural com o intuito de racionalizar o seu uso e evitar seu desperdício. Neste sentido, finalizam asseverando que a apropriação desses recursos por parte de um ou de vários indivíduos, públicos ou privados, deve proporcionar à coletividade o direito a uma compensação financeira pela utilização de recursos naturais, bens de uso comum (1).

Acerca deste princípio tem se pronunciado os tribunais pátrios (2). Vejamos:

EMENTA – APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO AMBIENTAL – FECHAMENTO DE POÇO ARTESIANO – CONDOMÍNIO APART HOTEL. INÉPCIA DA INICIAL – PLENA COMPREENSÃO DOS FATOS COM POSSIBILIDADE DE EFETIVO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – INOCORRÊNCIA. (…) COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS DO SUBSOLO PELO CONDOMÍNIO APART HOTEL – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DO USUÁRIO-PAGADOR – LEGISLAÇÃO CORRELATA – NECESSIDADE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. Por força do princípio do usuário-pagador estabelecido em lei (sentido amplo), é devida a contraprestação pelo uso de recursos hídricos extraídos de poço artesiano, observada o necessário processamento de liquidação de sentença, com oportunidade de contraditório e ampla defesa, para determinação do quantum debeatur. MULTA DIÁRIA IMPOSTA AOS ENTES PÚBLICOS COMO MEDIDA DE APOIO – DESNECESSIDADE – RECONHECIMENTO INCIDENTAL DO EXERCÍCIO DIREITO AO USO DO POÇO ARTESIANO. Diante do reconhecimento incidental do regular exercício de direito do uso de recursos hídricos pelo particular, desaparece o interesse de agir (necessidade) da condenação imposta aos entes públicos e da correlata multa cominatória, sobretudo porque já estão constitucionalmente encarregados de fiscalizar a adequada utilização dos recursos ambientais e das autorizações e licenças que expedem. (…) (TJMS. Apelação Cível n. 0835299-41.2013.8.12.0001, Campo Grande, 3ª Câmara Cível, Relator (a):  Des. Paulo Alberto de Oliveira, j: 24/10/2019, p:  29/10/2019)” (destaque nosso).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório – EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão ‘não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento’, no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente” (STF – ADI nº 3378, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 20/06/2008) (destaque nosso).

Como se observa nas linhas acima, o princípio do usuário-pagador tem uma importância singular para a política ambiental pátria na medida em que alerta o usuário de recursos ambientais sobre a finitude destes e, também, sobre a titularidade do ambiente, o que se materializa através da taxação de seu uso e/ou exploração, como forma de compensar a utilização particular de um bem que é considerado ‘de uso comum do povo’. Como alguns exemplos de aplicação podemos citar: a) exploração de minérios; b) exploração agrícola; c) exploração e uso de recursos hídricos; d) exploração de petróleo e gás natural; e) geração de energia; além de inúmeros outros.

Sabe-se que os recursos ambientais, em sua perspectiva ecológica, não possuem valor de mercado. No entanto, também é sabido que não há preço que mensure a realização humana. Sendo assim, convém ao Estado estipular um valor a ser pago como medida compensatória pela(o): a) apropriação do espaço natural; b) uso de algum bem ambiental; c) utilização de determinada matéria-prima ou, enfim; d) exploração econômica de algum recurso natural.

Eis, em apertada síntese, a proposta e os objetivos a serem alcançados com a aplicação do princípio do usuário-pagador, certamente um dos alicerces do direito ambiental brasileiro.

Referências bibliográficas

(1) GARCIA, Leonardo de Medeiros; THOMÉ, Romeu. Direito ambiental: leis nº 4.771/1965, 6.938/1981, 9.606/1998 e 9.985/2000. 2. ed. Salvador: Editora Podivm, 2010.

(2) MODELO INICIAL. Consulta a Jurisprudência. Disponível em: <https://modeloinicial.com.br/buscar-jurisprudencia>. Acesso em 04 de novembro de 2022.

OBS: Imagem extraída do site: <https://br.depositphotos.com/stock-photos/recursos-h%C3%ADdricos.html>. Acesso em 04 de novembro de 2022.