José Nicodemos de Araújo Júnior, Advogado
Uma leitura pouco atenta por parte do intérprete das Medidas Provisórias nºs. 1.063 e 1.069, respectivamente, de 11 de agosto e 13 de setembro do corrente ano, e, principalmente, dos textos jornalísticos nos quais em regra a matéria recebe profundo tratamento superficial, poderá conduzi-lo a equívocos, logo, não existe naqueles instrumentos legais qualquer autorização de quebra unilateral dos contratos firmados entre distribuidoras de combustíveis e postos revendedores nem tampouco existe uma condição hoje mercadológica que privilegie a compra de parte da produção de álcool hidratado das usinas pelo pequeno revendedor varejista, notadamente.
Dessarte, os vulgarmente denominados contratos de bandeira nada mais são do que a exteriorização da fidelidade de compra do posto revendedor varejista aos produtos de determinada distribuidora, assim, aquele em troca de investimentos em identificação visual do seu equipamento, estrutura física (pista de abastecimento, cobertura, conveniência, etc.) e empréstimo de capital de giro, sujeita-se a comprar exclusivamente produtos deste, em quantidade mínima mensal (galonagem) e, em regra, a preços superiores do que aqueles praticados para os postos desbandeirados (bandeira branca).
Nessa senda, é inegável as rescisões dos contratos de fidelidade entre distribuidoras e postos de combustíveis a muito são objeto de discussão judicial, contudo, por motivos outros que não o simples desejo de não mais ficar adstrito aos produtos de uma determinada marca, ou seja, ensejadas por inadimplementos contratuais; cláusulas pactuadas de forma abusiva no bojo de contratos adesivos; a total falta de competitividade de determinado posto bandeirado em decorrência da política de preços praticada pela distribuidora de combustíveis a qual está atrelada em decorrência de antecedente contratação; entre tantos outros motivos; dessa forma, no nosso sentir as malsinadas medidas provisórias em nada contribuíram para o ambiente conflituoso postos revendedores-distribuidoras de combustíveis.
Noutro flanco, parece-nos ingênua ou mesmo mal intencionada a discussão na qual é posta a assertiva que as indigitadas iniciativas legislativas terão o condão de imediatamente proporcionar a compra de álcool hidratado pelo posto revendedor diretamente da usina produtora, porquanto como sabido todo aquele combustível em linhas gerais é vendido para as distribuidoras de combustíveis, em regra para as grandes, inclusive, em grande parte das vezes de forma antecipada e com adiantamento de receitas, oportunizando para estes produtores o investimento em suas respectivas lavouras ou naquelas de terceirizados.
Desta feita, num mercado dominado por grandes, quais sejam, grandes usinas e distribuidoras, nos parece utópico achar que os pequenos postos revendedores terão num espaço parco de tempo condições de acessá-lo.
Outrossim, não menos importante é elucidar que toda essa discussão permeia exclusivamente o álcool hidratado, logo, o etanol como é mais conhecido no bomba de abastecimento, e não o anidro que é adicionado à gasolina como forma de controle de preços pelo Governo Federal, hodiernamente numa proporção de 27%.
A Medida Provisória nº. 1.063∕21, ao alterar o artigo 68-B da Lei nº. 9.478∕97 (Lei do Petróleo), estatuiu que o “agente produtor” e o “importador” além de poder comercializar a sua produção de álcool hidratado com o “agente distribuidor” e com o “mercado externo”, como ocorria até então, poderá, a partir do início da sua vigência, também comercializá-la com o “revendedor varejista de combustíveis” e com o “transportador-revendedor-retalhista”, ora em respeito estrito às classificações descritas naquele comando legislativo.
Por sua vez, a Medida Provisória nº. 1.069∕21, cujo desiderato primário era lançar luz onde somente por enquanto existe escuridão, também impôs alterações ao retro mencionado artigo 68-B agora para ampliar o rol de fornecedores de etanol, logo, além do “agente produtor” e do melhor especificado “importador de etanol hidratado combustível” foram introduzidas à discussão as figuras das “cooperativa de produção de etanol”, “cooperativa de comercialização de etanol” e a “empresa comercializadora de etanol”.
Ainda, para a primeira Medida Provisória se classificam como revendedores (artigo 68-C da Lei nº. 9.478∕97), logo, aquele que pode vender o etanol para o posto revendedor varejista, o “agente produtor”, o “importador”, o “agente distribuidor” e o “transportador-revendedor-retalhista”.
Por sua vez, ao acrescer o artigo 68-D à Lei nº. 9.478∕97, e é aqui que começa a grande confusão provocada pela indigitada alteração legislativa, pretensamente na cabeça (caput) daquele foi permitida a rescisão dos contratos de bandeira naquilo que toca ao fornecimento exclusivo do álcool hidratado pelos distribuidores de combustível para os ditos postos “bandeirados”, o que de certo não condiz com a verdade haja vista o seu parágrafo único vaticinar que “o disposto no caput não prejudicará cláusulas contratuais em sentido contrário, inclusive dos contratos vigentes na data de publicação da Medida Provisória nº 1.063, de 11 de agosto de 2021”. Destarte, é quase pueril achar que pré-falada exclusividade não está, em regra, garantida contratualmente em favor das Distribuidoras de Combustível.
A alteração inserida pelo artigo 68-D, segundo o 3º da Medida Provisória nº. 1.063∕21, deverá ser regulamentada num prazo de 90 dias pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, lapso temporal este computado a partir da publicação da aludida alteração legislativa.
Ainda, a Medida Provisória nº. 1.069∕21 introduziu um parágrafo único naquele artigo 3º descrito acima, colimando prever a edição de Decreto cujo objetivo seria regular o regramento previsto no decantado artigo 68-D enquanto não advier a prometida regulamentação pela ANP, o que de fato ocorreu por intermédio do Decreto nº. 10.792∕21.
Também é importante mencionar que a Medida Provisória nº. 1.063∕21, no seu artigo 5º, inciso II, ao prever prazo de vacatio legis de 90 dias para a aplicação das alterações introduzidas se consubstanciou em ato de responsabilidade, porquanto em face da perspectiva de comercialização do álcool hidratado diretamente pelo agente produtor em favor do posto varejista, sem a intervenção do distribuidor, houve naquele o depósito da responsabilidade tributária quanto ao recolhimento do ICMS, o que de certo exigirá alguma adequação legislativa e operacional por parte das Fazendas Estaduais.
Entretanto, dito período necessário para a acomodação das relações tributárias foi posto de lado pelo artigo 4º da Medida Provisória nº. 1.069∕21, logo, a comercialização do álcool hidratado sem a obrigatória intervenção das distribuidoras de combustíveis poderá dar-se de modo imediato, exigindo, assim, uma maior celeridade das Fazendas Estaduais ao se adequarem às alterações introduzidas por ambas as Medidas Provisórias!
A par do contexto acima, o Estado do Rio Grande do Norte foi pioneiro ao sancionar o Decreto nº. 30.929∕21 regulamentando, dessa forma, a vergastada matéria.
Destarte, apesar das críticas que possam ser feitas em desfavor das dissecadas alterações legislativas, e são muitas, parece-nos inevitável que as Medidas Provisórias objeto deste singelo arrazoado poderão vir a contribuir para o surgimento de uma vertente do atual mercado de compra e venda do álcool hidratado, qual seja, aquele no qual pequenos produtores virão a comercializar a sua produção diretamente para os postos varejistas.
FOTO PRINCIPAL: Marcelo Camargo (Agência Brasil)
José Nicodemos de Araújo Júnior é Advogado militante há mais de 15 anos, com atuação sólida em diversos ramos do Direito Público e Privado, espraiada em diversos Estados, inclusive, com inscrição nas seguintes Seções da OAB: AM, DF, MS, MT, SE e TO, além do RN, onde concentra o seu domicílio profissional sob o nº. 6.792. É Especialista em Direito Tributário/UFRN (2010) e discente em fase de conclusão de Especialização em Direito Ambiental/UNP. Presidente da Comissão de Conciliação e Mediação da OAB/RN e Sócio da Camajus – Câmara de Mediação, Arbitragem e Justiça.