Para o advogado José Nicodemos de Araújo Júnior, as alterações introduzidas pela Lei nº. 14.112∕20 na legislação falimentar fazem parte de um esforço para diminuir a participação do Estado na pacificação dos conflitos entre os jurisdicionados
José Nicodemos de Araújo Júnior, Advogado
A Lei nº. 14.112∕20, de 24 de dezembro do ano passado, cujas alterações introduzidas na Lei nº. 11.101/05 começaram a viger no dia 23 de janeiro, colimando atualizar a legislação relativa às recuperações judicial e extrajudicial e às falências ante à complexidade e ao dinamismo existentes nas searas empresarias, bem como objetivando contribuir para a preservação dos meios de produção e consequentes postos de trabalho, além de valorizar a figura do administrador judicial nomeado para gerir as massas recuperanda ou falimentar, consagrou legalmente a perspectiva da resolução de conflitos por intermédio de meios alternativos à intervenção estritamente judicial.
Dessarte, é importante ressaltar que a mais importante característica da Lei nº. 14.112∕20 foi dar reconhecimento legal às boas práticas a muito reconhecidas doutrinária e jurisprudencialmente no tocante aos meios extrajudiciais de resolução de conflitos, logo, são exemplos valorosos da utilização desses institutos as recentes sessões de mediação desenvolvidas nas recuperações judiciais do Grupo Oi e da Livraria Saraiva.
No que diz respeito à conciliação e à mediação, estas fizeram por merecer seção própria, qual seja, artigos 20-A a 20-D, Seção II-A, sob o título “Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial”, passando a Lei nº. 11.101/05 a contar com as seguintes disposições sobre a matéria:
– as conciliações e mediações deverão ser estimuladas em qualquer grau de jurisdição, não tendo, entretanto, o condão de suspender a contagem de prazos processuais, a não ser por convenção entre as partes ou decisão judicial (Art. 20-A);
– as conciliações e mediações serão acatadas tanto de forma antecedente quanto incidental aos processos de recuperação judicial (Art. 20-B, caput);
– foram focalizados pela novel legislação os litígios entre sócios e acionistas da empresa em dificuldades ou da massa recuperanda, bem como aqueles com credores não submetidos ao regime da recuperação judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 da Lei nº. 11.101/05, ou com credores extraconcursais (Art. 20-B, inciso I); em conflitos que envolvam empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e os órgãos reguladores ou entes públicos federais, estaduais, distritais ou municipais (Art. 20-B, inciso II); na hipótese de haverem créditos extraconcursais em desfavor de empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, colimando, assim, a continuidade da prestação de serviços essenciais (Art. 20-B, inciso III); e em sede de negociações de dívidas entre a empresa em dificuldades financeiras e os seus respectivos credores, de forma antecedente ao ajuizamento da recuperação judicial (Art. 20-B, inciso IV);
– são vedadas conciliações ou mediações cujo desiderato seja a modificação da natureza jurídica e classificação de créditos, bem como critérios de votação nas assembleias gerais de credores (Art. 20-B, § 2º); e
– os acordos obtidos nos termos da Seção II-A penderão de homologação judicial (Art. 20-C, caput); bem como se entre o acordo pactuado em fase pré-processual e o ajuizamento de possível processo de recuperação judicial dar-se o transcurso de lapso temporal inferior a 360 dias, o credor terá os seus direitos reconstituídos ao vulto exato que tinham quando da realização da composição, ressalvando-se, naturalmente, possíveis valores já adimplidos, bem como a higidez de alguns procedimentos realizados durante a conciliação ou mediação (Art. 20-C, parágrafo único).
Quanto ao uso da arbitragem na elucidação dos conflitos que possam vir a permear os processos de recuperação judicial ou falimentares, o legislador foi mais econômico, porquanto somente estabeleceu que ao administrador judicial cabe respeitar o compromisso arbitral em sede daqueles (Art. 6º, § 9º), além de àquele competir “estimular, sempre que possível, a conciliação, a mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência” (Art. 22, inciso I, alínea “J”).
Por fim, no que diz respeito à regulação da utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos durante o processo falimentar, à exceção do pré-falado art. 6º. § 9º, foi pouquíssimo explorada, o que de certo é uma pena, haja vista ser geralmente em dito estágio da depreciação da condição empresarial em que os litígios surgem em maior quantidade, porquanto é justamente nela em que geralmente sobram dívidas e faltam os recursos.
Outrossim, o legislador também perdeu uma boa oportunidade de estimular a utilização de ditos meios alternativos como mecanismos facilitadores para a maior implementação da recuperação extrajudicial prevista no art. 161, e seguintes, porquanto apesar da sua introdução no ordenamento jurídico desde 2005 ainda hoje carece de maior popularização quanto ao seu uso.
Dessa forma, as alterações introduzidas pela Lei nº. 14.112∕20 na legislação falimentar se por acaso podem ser consideradas tímidas por outro front fazem parte de um grande esforço nacional para diminuir a participação do Estado na pacificação dos conflitos entre os jurisdicionados.
José Nicodemos de Araújo Júnior é Advogado militante há mais de 15 anos, com atuação sólida em diversos ramos do Direito Público e Privado, espraiada em diversos Estados, inclusive, com inscrição nas seguintes Seções da OAB: AM, DF, MS, MT, SE e TO, além do RN, onde concentra o seu domicílio profissional sob o nº. 6.792. É Especialista em Direito Tributário/UFRN (2010) e discente em fase de conclusão de Especialização em Direito Ambiental/UNP. Presidente da Comissão de Conciliação e Mediação da OAB/RN e Sócio da Camajus – Câmara de Mediação, Arbitragem e Justiça.