Já tratamos, na primeira postagem da série ‘Princípios do Direito Ambiental’, que lançamos aqui na nossa coluna, sobre o princípio da prevenção. Agora, iremos tratar de princípio diverso, mas de certa forma relacionado àquele. Trata-se do princípio da precaução, sem dúvidas um dos mais importantes e destacados princípios do direito ambiental.

Como destacam Sidney Guerra e Sérgio Guerra (1), o princípio da precaução é aquele que determina que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de ter a certeza de que estas não serão adversas para o meio ambiente, ao passo que o da prevenção aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e que tenham uma história de informações sobre eles. Isto é, enquanto o primeiro se aplica a impactos que são desconhecidos, o segundo corresponde à aplicabilidade de impactos que já são conhecidos.

A ideia central é que não se deve admitir o desenvolvimento de atividades no ambiente sem que antes se tenha clareza de sua nocividade para a comunidade da vida em geral (fauna, flora e demais recursos ambientais). Tal princípio pauta-se pela máxima ‘in dubio pro ambiente’, ou seja, caso haja alguma incerteza científica quanto à segurança ambiental da atividade, esta não deve ser autorizada pelos órgãos responsáveis pela regulação e fiscalização do ambiente.

Segundo informa o Ministério do Meio Ambiente do Brasil (2), o princípio da precaução foi primeiramente desenvolvido e consolidado na Alemanha, nos anos 70, conhecido como Vorsorge Prinzip. Pouco mais de 20 anos depois, o Princípio da Precaução estava estabelecido em todos os países europeus. Embora inicialmente tenha sido a resposta à poluição industrial, que causava a chuva ácida e dermatites entre outros problemas, o referido princípio vem sendo aplicado em todos os setores da economia que podem, de alguma forma, causar efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente.

A essência do referido princípio advém de debates que se acentuaram na 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, no ano de 1992. Como fruto do amadurecimento desses debates foi cunhado o Princípio 15 da Declaração do Rio/92 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, cujo teor aduz o seguinte:

Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental (3).

Percebe-se, portanto, que o princípio da precaução é estratégico ao desenvolvimento econômico sustentável, isto porque irá destacar a segurança ambiental das intervenções humanas nos espaços territoriais (urbanos, rurais ou naturais em geral), tomando-se como ponto de partida as ciências ambientais e toda a legislação ambiental aplicável.

Sua compreensão pelos tribunais superiores resta-se cada vez mais consolidada, como se percebe através dos seguintes julgados, oriundos do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INVERSÃO ÔNUS DA PROVA EM AÇÕES DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO PARA DEFERIR DENUNCIAÇÃO À LIDE. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 07/STJ. INCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. CONSONÂNCIA COM ORIENTAÇÃO DESTA CORTE. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. (…) III – O acórdão recorrido está em consonância com orientação desta Corte, segundo a qual, em homenagem ao princípio da precaução, impõe-se a inversão do ônus da prova nas ações civis ambientais, de modo a atribuir ao empreendedor a prova de que o meio ambiente permanece hígido, mesmo com o desenvolvimento de sua atividade. (…) (AgInt no REsp n. 2.052.112/MS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 14/9/2023.)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO MATERIAL E MORAL. DANO AMBIENTAL. VAZAMENTO DE ÓLEO. NEXO CAUSAL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CABIMENTO. 1. O princípio da precaução, aplicável à hipótese, pressupõe a inversão do ônus probatório, transferindo para a concessionária o encargo de provar que sua conduta não ensejou riscos para o meio ambiente e, em consequência, aos moradores da região. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.220.938/ES, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 4/9/2023, DJe de 12/9/2023.)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. DUPLACONDUÇÃO EM TRENS COM CARGA PERIGOSA. DOIS ACIDENTES DE TREM ATRIBUÍDOS À MONOCONDUÇÃO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO E PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM NÃO ATACADOS. SÚMULA 284/STF. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. (…) Sabe-se que a atuação do Administrador contemporâneo rege-se pelo princípio da prevenção e, cada vez mais, pelo princípio da precaução, até porque seria um absurdo defender que o Estado “corra atrás do prejuízo”, sobretudo se confrontado com ameaça ou ofensa de efeitos coletivos, algo que descaracterizaria a missão estatal e as expectativas sociais às quais deve estrita obediência. A segurança dos negócios jurídicos e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato não se prestam para tolher a ação preventiva e precautória da Administração, terminantemente imprescritível, na expedição de exigências específicas de retificação ou melhoria de práticas e procedimentos. Pensar de maneira diversa seria convertê-la em espectador cego e passivo ou fantoche de mãos acorrentadas. Posição agravada quando está em jogo a salvaguarda da vida e da segurança humanas diante, é bom lembrar, de riscos – em alguns casos, advindos de conduta temerária a pretexto de corte de custos – ínsitos à atividade perigosa ou criados pelo próprio empreendedor, senhor dos lucros auferidos. Entre a segurança jurídica dos contratos e a segurança das pessoas e do meio ambiente, só daria preferência àquela em prejuízo desta um legislador (ou juiz) insensível ao princípio da supremacia do interesse público, alienado da centralidade da comunidade da vida como valor de regência primordial no consenso normativo das sociedades democráticas do mundo todo. (…) (AgInt no AREsp n. 2.067.641/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 5/6/2023.)

 

Vejamos ainda os seguintes julgados, oriundos do STF:

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. (…) 2. O princípio da precaução é um critério de gestão de risco a ser aplicado sempre que existirem incertezas científicas sobre a possibilidade de um produto, evento ou serviço desequilibrar o meio ambiente ou atingir a saúde dos cidadãos, o que exige que o estado analise os riscos, avalie os custos das medidas de prevenção e, ao final, execute as ações necessárias, as quais serão decorrentes de decisões universais, não discriminatórias, motivadas, coerentes e proporcionais. 3. Não há vedação para o controle jurisdicional das políticas públicas sobre a aplicação do princípio da precaução, desde que a decisão judicial não se afaste da análise formal dos limites desses parâmetros e que privilegie a opção democrática das escolhas discricionárias feitas pelo legislador e pela Administração Pública. (…) (RE 627189, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08-06-2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-066  DIVULG 31-03-2017  PUBLIC 03-04-2017)

Ementa: AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. MEDIDA CAUTELAR. DIREITO AMBIENTAL. DIREITO À SAÚDE. PORTARIA 43/2020 DA SECRETARIA DE DEFESA AGROPECUÁRIA DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO – MAPA. REGULAMENTAÇÃO DA LEI 13.874/2019, A QUAL DISPÕE SOBRE LIBERDADE ECONÔMICA. PRAZOS PARA APROVAÇÃO TÁCITA DE USO DE AGROTÓXICOS, FERTILIZANTES E OUTROS QUÍMICOS. CONHECIMENTO. ENTRADA, REGISTRO E LIBERAÇÃO DE NOVOS AGROTÓXICOS NO BRASIL, SEM EXAME DA POSSÍVEL NOCIVIDADE DOS PRODUTOS. INADMISSIBILIDADE. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIOAMBIENTAL. OFENSA, ADEMAIS, AO DIREITO À SAÚDE. PRESENTES O FUMUS BONI IURIS E O PERICULUM IN MORA. CAUTELAR DEFERIDA. (…) IX – Permitir a entrada e registro de novos agrotóxicos, de modo tácito, sem a devida análise por parte das autoridades responsáveis, com o fim de proteger o meio ambiente e a saúde de todos, ofende o princípio da precaução, ínsito no art. 225 da Carta de 1988. (…) (ADPF 656 MC, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 22-06-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-216  DIVULG 28-08-2020  PUBLIC 31-08-2020)

 

Diante do exposto, percebe-se que o princípio da precaução é estratégico ao desenvolvimento sustentável, isto porque lança as bases da segurança ambiental, ínsita ao sucesso das políticas públicas de proteção do ambiente. Sabe-se que em se tratando de questões ambientais, é muito mais eficaz a precaução e a prevenção do ambiente do que a sua reparação, até porque em muitos casos, talvez a sua maioria, os danos ambientais são irreversíveis ou ao menos de difícil reparação, o que reforça a lógica do ditado popular: “é melhor prevenir do que remediar”.

Referências

(1) GUERRA, Sidney; GUERRA, Sérgio. Curso de direito ambiental. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 121.

(2) BRASIL – MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Princípio da Precaução. Disponível em: <https://antigo.mma.gov.br/component/k2/item/7512-principiodaprecaucao>. Acesso em 06 de novembro de 2023.

(3) CETESB. Declaração do rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. Disponível em: <https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/declaracao_rio_ma.pdf>. Acesso em 06 de novembro de 2023.

OBS: Imagem extraída do site: <https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/indicacao-de-presenca-de-agrotoxicos-em-rotulo-de-alimentos-avanca-em-sao-paulo/>. Acesso em  06 de novembro de 2023.