A profissional integrava o grupo de risco da Covid-19 e, por determinação da instituição financeira, estava em regime de trabalho remoto

A Justiça do Trabalho atendeu pedido de reintegração de uma bancária da região de Alfenas, no Sul de Minas Gerais, após provada dispensa discriminatória. A profissional integrava o grupo de risco da Covid-19 e, por determinação da instituição financeira, estava em regime de trabalho remoto, quando foi surpreendida com a dispensa, em outubro de 2020.

A ex-empregada contou que, em maio de 2020, informou aos gestores e ao departamento de recursos humanos que era portadora de lúpus eritematoso sistêmico. “Isso porque os empregados que tivessem algum tipo de doença enquadrada no grupo de risco da Covid-19 deveriam, na medida do possível, ser direcionados para o home office”.

Acrescentou que, como era a única gerente de contas da agência, o trabalho remoto “não foi bem-visto pelos gestores”, já que a atuação presencial era fundamental para atingir os objetivos da empresa. Contou que, como estava impedida de estar na linha de frente e entregar os resultados exigidos, o tratamento mudou drasticamente até ser dispensada, em outubro de 2020, “em evidente discriminação”.

A bancária disse também que desenvolveu doença ligada ao trabalho (transtorno ansioso não especificado e transtorno de pânico), diante da necessidade do alcance de metas. Alegou que foi vítima de assédio moral pelas cobranças abusivas e ameaças. Segundo ela, “a situação corrobora a inaptidão e inviabiliza a ruptura contratual”.

Após ter os pedidos julgados improcedentes pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Alfenas, a trabalhadora interpôs recurso ordinário, pretendendo a reforma da sentença quanto à nulidade da dispensa, com a consequente reintegração e garantia de emprego, além do pagamento das parcelas devidas.

Nexo de concausalidade
O recurso foi julgado pelos integrantes da Primeira Turma do TRT-MG, que deram razão à trabalhadora. Perícia médica realizada confirmou o diagnóstico de distúrbio de ansiedade. Segundo o laudo, o transtorno pós-traumático foi desencadeado após o sequestro de uma colega de trabalho. “O quadro de ansiedade teve contribuição do evento ocorrido no ambiente de trabalho. Há fatores de personalidade envolvidos. Configura-se nexo de concausalidade”, concluiu o laudo.

Quanto ao diagnóstico de lúpus, a perícia apontou que a profissional está em tratamento clínico desde 2018. “Que é uma doença autoimune, que se manifesta por condições pessoais – como fatores genéticos e não guarda relação com o trabalho realizado na empresa”.

Para o desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, relator no processo, não se pode falar, propriamente, em estabilidade ou garantia de emprego de pessoas acometidas por doenças graves. No entanto, segundo ele, a ordem jurídica traz um arcabouço normativo que veda a dispensa puramente arbitrária desses trabalhadores, buscando assegurar o mínimo de dignidade nessa situação especial.

“Toda a sistemática trabalhista assenta-se em um conjunto principiológico que tem a finalidade de garantir proteção ao trabalhador, prezando pela continuidade da relação de trabalho e zelando pela manutenção de um patamar civilizatório mínimo, vedando práticas discriminatórias no ambiente laboral”, ressaltou.

Por essas razões, segundo o julgador, a jurisprudência trabalhista vem assegurando ao empregado portador de doenças graves uma proteção contra a dispensa imotivada maior do que a concedida ao empregado comum. No entendimento do julgador, o caso da bancária guarda uma particularidade. “Embora o lúpus não cause estigma por si só, na situação dos autos, é admissível o enquadramento, uma vez que se trata de doença apta a afastar o empregado do trabalho presencial enquanto durar a pandemia”.

Discriminação
Segundo o relator, se é certo que, em uma situação cotidiana, a doença não interfere no sistema produtivo, não há dúvida de que o cenário é bem diferente nos tempos atuais. “O portador de doença autoimune tem comorbidade, sendo grupo de risco durante a pandemia da Covid-19”.

Nesse compasso, embora a situação dos autos não esteja prevista expressamente na Lei 9.029/1995, o magistrado reconheceu que a discriminação se revela igualmente profunda em inúmeros casos limítrofes. “A jurisprudência tem evoluído no sentido de ceifar, pela raiz, as dispensas fundadas no fato de a empregada ser portadora de doença grave que possa causar estigma, caso dos autos”.

O magistrado ainda reforçou que competia ainda ao empregador provar os motivos que levaram à rescisão contratual, não podendo ser validada, pura e simplesmente, a dispensa imotivada da empregada portadora de comorbidade em tempos de disseminação da Covid-19. E ressaltou que, no depoimento do preposto da empresa, ficou demonstrado que o banco não tinha prévia ciência da doença da bancária, o que somente ocorreu em razão da pandemia, “reforçando a conclusão de que houve mesmo dispensa discriminatória”.

Segundo o julgador, essa conduta caracteriza abuso do poder diretivo e viola os preceitos da Lei nº 9.029/1995, bem como os princípios constitucionais da dignidade do ser humano e do valor social do trabalho, bem como um dos objetivos fundamentais da República. “Prevalecendo a ocorrência de dispensa discriminatória, é nula a rescisão contratual, devendo a profissional ser reintegrada aos quadros do banco”, concluiu o julgador.

Garantia de emprego
O magistrado ainda entendeu que merece ser acolhido o pleito de garantia de emprego, nos termos da Súmula nº 378, II, do TST, já que foi apurado pela perícia médica que ela tem “ansiedade generalizada”, que “teve contribuição […] no ambiente de trabalho”.

Dessa forma, seja porque restou caracterizada a dispensa discriminatória ou porque foi constatado que a bancária desenvolveu doença que teve como concausa o trabalho, os julgadores deram provimento parcial ao recurso para declarar a nulidade da rescisão contratual e determinar a reintegração da profissional no emprego. O banco foi condenado ainda ao pagamento dos salários vencidos a partir do primeiro dia após o término do aviso-prévio indenizado até a efetiva reintegração. O magistrado declarou ainda a garantia de emprego de 12 meses a contar da readmissão nos termos da Súmula nº 378, II, do TST. O processo foi enviado ao TST para análise do recurso de revista.

FONTE: TRT 3 | FOTO: EBC