“Estando em liberdade a pessoa, o juízo de conhecimento não deve mais expedir mandado de prisão para que ela inicie o cumprimento de pena em regime aberto ou semiaberto. E sim o contrário”, disse o relator no TJ/SP.
A 13ª câmara de Direito Criminal do TJ/SP concedeu ordem de habeas corpus para determinar que guia de recolhimento em nome de paciente seja expedida independentemente do cumprimento do mandado de prisão. O relator do caso foi o desembargador Luís Geraldo Lanfredi.
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No caso em tela, o paciente, em conjunto com outros cinco corréus, teria subtraído, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, dois pares de tênis, um boné, três telefones celulares e uma bolsa contendo bens pessoais.
Após o regular processamento da ação penal, o homem foi absolvido, por insuficiência probatória, razão pela qual foi colocado em liberdade, expedindo-se alvará de soltura em seu favor.
Inconformado, o MP interpôs recurso de apelação, ao qual foi dado provimento para condenar o paciente, pela prática do roubo, agravado, a cumprir pena privativa de liberdade de seis anos e cinco meses de reclusão, em regime inicial fechado.
O acórdão transitou em julgado para a acusação em 11 de março de 2019. E para o réu e sua defesa, em 6 de março de 2019.
Interposto recurso especial pelo corréu, o STJ deu provimento parcial ao recurso para reduzir a sanção penal para seis anos, dois meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, reconhecendo-se o efeito extensivo dessa decisão ao paciente.
Referida decisão transitou em julgado aos 23 de fevereiro de 2021, determinando-se, incontinente, a expedição de mandado de prisão.
A defesa veio aos autos, então, requerer a expedição de guia de recolhimento. Afirmam os advogados que o condicionamento do início do processo de execução ao cumprimento do mandado de prisão configura evidente constrangimento ilegal.
Chamam atenção, ademais, para o entendimento segundo o qual seria possível a expedição da guia de recolhimento, em casos em que esteja evidente contexto apto a tornar a execução da pena corporal mais branda.
Nesse particular, destacam que o paciente permaneceu preso, provisoriamente, durante lapso considerável de tempo, pelo que teria direito à detração penal. Concluem, portanto, estar sendo o paciente privado de considerar essa vantagem, o que lhe estaria a acarretar imenso prejuízo.
Atual cenário-fático brasileiro
Em extenso voto, o relator deu razão à defesa e analisou o cenário prisional brasileiro.
Segundo o magistrado, no Brasil, o sistema progressivo de cumprimento de penas, na prática, não tem funcionado tal como idealizado.
“A realidade prisional brasileira evidencia a opção e predileção dos gestores prisionais por unidades penais de regime fechado, essas sim, visíveis e abundantes a toda a população, muito embora também insuficientes para acomodar a todo o contingente carcerário brasileiro. Não há dúvidas que um contexto é repleto de perplexidades e traz disparates. Isto porque inviabiliza o regular funcionamento do sistema progressivo, tornando-o inócuo ou simplesmente o fazendo inefetivo.”
De acordo com o desembargador, todo apenado tem o direito a um regime de cumprimento de pena compatível com o determinado no título condenatório e a progredir desse regime para outro que lhe seja mais favorável, de acordo com os seus méritos.
“Via de consequência, a manutenção do condenado em regime diverso daquele que lhe foi cometido ou naquele para o qual deveria progredir importa, respectivamente, em excesso ou desvio de execução, o que viola, frontalmente, o direito ao cumprimento da pena em condições de dignidade e de justiça, é dizer, o devido processo legal de execução penal.”
Disse, ainda, que se confere ao Estado o poder de executar a pena corporal imposta a uma pessoa, mas não se lhe autoriza fazê-lo do jeito que bem entenda, de qualquer forma ou de modo deliberadamente excessivo, o que seria negar o cumprimento da legalidade penal, e sobretudo, deixar de reconhecer a dignidade que os condenados preservam.
Guia de recolhimento
Mais adiante, Luís Geraldo Lanfredi explicou que os artigos 105 da lei de execução penal e 647 do Código de Processo Penal estabelecem que, transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição e guia de recolhimento para a execução.
“Aqui, o ponto central da questão debatida nestes autos: estando em liberdade a pessoa, o juízo de conhecimento não deve mais expedir mandado de prisão para que ela inicie o cumprimento de pena em regime aberto ou semiaberto. E sim o contrário. Isto é, deve limitar-se a expedir a guia de recolhimento no sistema processual cabível e remetê-la ao juízo da execução competente para processá-la.”
O relator destacou que somente após o juízo da execução intimar a pessoa para iniciar o cumprimento da pena e, caso haja disponibilidade de vaga no regime semiaberto ou aberto, deve ser avaliada a necessidade/pertinência da expedição de mandado de prisão.
“Caso contrário, isto é, em não havendo vaga em regime compatível, o juízo da execução deverá apreciar a possibilidade de substituição da privação da liberdade por outro forma alternativa de cumprimento, a exemplo de monitoração eletrônica e prisão domiciliar.”
Com efeito, comprovado o constrangimento ilegal, o colegiado concedeu a ordem de HC para determinar que a autoridade apontada como coatora expeça imediatamente guia de recolhimento em nome do paciente independentemente do cumprimento do mandado de prisão anteriormente expedido, a fim de que se promova a autuação da execução da pena e cadastramento no SIVEC, daí prosseguindo-se perante o juízo de execução penal competente.
Processo: 2138472-78.2022.8.26.0000
FONTE: Portal Migalhas | FOTO: Freepik