Procurador Enrico Rodrigues de Freitas, da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, entende que há indícios de afronta à Constituição

O Ministério Público Federal (MPF) abriu um procedimento para apurar a distribuição de livros com recomendação de leitura da Bíblia na Polícia Rodoviária Federal (PRF).

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De acordo com queixas de servidores da PRF, o governo determinou, por meio do Ministério da Justiça, a distribuição do texto aos funcionários da corporação.

No livro, a pasta recomenda leituras diárias da Bíblia Sagrada, livro que é referência para os evangélicos e católicos.

Ao abrir a apuração sobre o caso, o procurador Enrico Rodrigues de Freitas, da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, entendeu que há indícios de afronta à Constituição.

A decisão é baseada no Artigo 19 da Constituição, que diz: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; recusar fé aos documentos públicos; criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

Entenda o caso
Intitulado como “Pão Diário – Segurança Pública”, o livro visa “estimular a espiritualidade, contribuindo para o bem estar e qualidade de vida do servidor PRF”, segundo um dos trechos. Fazendo menção a Deus e à Bíblia, o livro não menciona outros credos.

Além do estímulo de fazer uso do devocional em “ambiente de trabalho”, para “melhor o desempenho nas atividades diárias”, nas primeiras páginas, há uma “palavra” do diretor-geral da corporação Marco Antonio Territo.

Além disso, os agentes também mencionaram que a distribuição gerou certo “constrangimento” porque, apesar de não ser obrigatório, o projeto “estimula o exercício da fé no ambiente de trabalho, duas coisas que não deveriam se misturar”.

Contrato
A parceria entre o Ministério da Justiça e os autores do devocional foi antecipada pela coluna Guilherme Amado. O acordo foi assinado em agosto de 2021, na gestão do atual ministro, Anderson Torres, e durará dois anos. Um dos produtos da organização, o aplicativo “Pão Diário — Segurança Pública” oferece cursos como “Tornando Deus e Sua Palavra uma prioridade” e “Aprendendo a orar”.

O Ministério Pão Diário, responsável pela autoria da publicação, informou à Receita Federal ser uma organização religiosa sediada em Curitiba. No ano passado, foi contratado por R$ 11,2 mil pelo Exército, sem licitação, para distribuir 2 mil livros intitulados “Pão Diário Edição Militar”.

A obra tratava de “valores cristãos encontrados na sabedoria da Bíblia”. Em outro contrato, de valor não informado, o Exército também intermediou a entrega de materiais da entidade na Operação Acolhida, que lida com imigrantes venezuelanos em Roraima.

Posição da PRF e Ministério da Justiça
Quando questionada pela reportagem, a PRF informou que se houver servidores interessados em atividades de outras religiões, precisam entrar com solicitação justo à corporação.

“As atividades de religiões não representadas formalmente – não só as de matriz africana, mas também budistas, hinduístas, muçulmanos, entre outras – poderão ser realizadas no âmbito da instituição, mediante solicitação dos servidores interessados e demanda que as justifique, cabendo ao servidor responsável pela gestão da Capelania PRF viabilizar o contato com os ministros religiosos dos credos solicitantes”, respondeu o órgão.

A PRF complementou dizendo não ter identificado denúncias contrárias ao programa na ouvidoria. Disse também que não “houve gasto de dinheiro público” com o material.

FONTE: Metrópoles | FOTO: Reprodução