Quando a pessoa que está em débito pode ter seu passaporte ou CNH retidos no Brasil? O questionamento sobre o assunto abre um importante debate sobre essa situação na área jurídica no país. Atualmente não existe uma lei específica que trate sobre essas possibilidades, mas o novo Código de Processo Civil permite à Justiça a adoção de medidas como essas para assegurar o cumprimento do pagamento por parte do devedor no processo. Para esclarecer esses questionamentos, o portal Juristec traz entrevista com o advogado Gilberto Badaró, do escritório Badaró Almeida & Advogados Associados.
Como é essa legislação? É legal reter passaporte e CNH de devedor no Brasil?
Não existe legislação específica no Brasil que trate sobre possibilidade de retenção da CNH ou do passaporte. Todavia o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 2016, no artigo 139, IV, faculta ao Juiz a adoção de medidas atípicas com a finalidade de assegurar a efetividade de decisões judiciais nos casos em que o perdedor de um processo não paga voluntariamente uma dívida ou não são localizados bens do mesmo que possibilitem a satisfação do crédito da parte adversa. Trata-se de uma maneira de possibilitar que a decisão judicial não fique apenas na teoria, mas que seja cumprida de fato.
Quais os casos onde é possível fazer isso? Quais casos são consideradas dívidas em que é possível aplicar essa lei?
Importantíssimo esse questionamento, porque essa decisão deve ser tomada pelo Juiz somente em casos excepcionais, respeitando todas as formalidades do processo civil. Essa decisão pode ser adotada em diversas hipóteses. Por exemplo, nos casos em que o devedor não possui bens ou não são localizados bens que assegurem o comando judicial, o Juiz poderá, após intimado o devedor para se manifestar, adotar alguma dessas medidas. Se a decisão judicial for tomada antes de se tentar outros meios de satisfação do crédito e, ainda, sem antes de ouvir o próprio devedor sobre a possibilidade de retenção de documento, essa decisão será ilegal e deverá ser combatida através de recurso ao respectivo Tribunal.
É bom observar que existe grande discussão sobre este tema nos nossos Tribunais, inclusive no STJ, que embora admita decisões como esta, deixa claro a excepcionalidade da mesma, em razão de somente poder ser adotada após a observância de todos os trâmites processuais.
O que o cidadão precisa saber para não sofrer essa sanção? Quais atitudes para negociar os débitos antes de ocorrer essa medida?
Não é qualquer pessoa que está passível de sofrer esta punição, salientando que a referida sanção somente poderá ser aplicada quando o Juiz entender que o devedor tem capacidade financeira para pagar, mas não quer colaborar com a Justiça para quitar o crédito da parte vencedora. Vou dar o exemplo de um cidadão que viaja anualmente para a Europa, posta fotos em redes sociais em restaurante e demais lugares badalados e caros, porém não paga voluntariamente uma dívida que possui e que foi confirmada pelo Judiciário, bem como não possui em seu nome bens que possam assegurar o pagamento da referida dívida. Muitas vezes esses maus pagadores colocam seus bens em nome de “laranjas” , parentes ou não , para ludibriarem a Justiça . Dessa forma, o Juiz poderá, com a aplicação de algum desses atos coercitivos, compelir o devedor a honrar com suas obrigações.
Sobre qual atitude adotar para negociar débitos antes da ocorrência de um fato desagradável como retenção de CNH ou passaporte, existe a possibilidade prevista no próprio CPC , no artigo 916, sobre o parcelamento em até seis vezes, após o pagamento de uma entrada de 30% sobre o valor atualizado da dívida, nos processos que já tenham iniciado a fase de execução.
Sobre a atitude para negociar débitos antes da ocorrência de um fato desagradável como retenção de CNH ou passaporte: existe a possibilidade prevista no próprio CPC , no artigo 916, sobre o parcelamento em até seis vezes, após entrada de 30% sobre o valor atualizado da dívida.
Orientações: O que o devedor precisa fazer para negociar a dívida e recuperar seus documentos?
O ideal é que o cidadão que se encontre como devedor busque uma boa orientação jurídica, a fim de adotar a estratégia correta em cada caso concreto, evitando ou minimizando a ocorrência de problemas pessoais e patrimoniais, sendo que a renegociação de dívidas é uma das estratégias legais e adequadas, dentre outras possibilidades. O devedor poderá recuperar seus documentos, após a aplicação de uma medida judicial excepcional, logo após cumprir sua obrigação financeira ou, ainda, provando de forma clara e robusta ao Juiz e/ou Tribunal acerca de sua falta de capacidade de cumprir com tal obrigação pecuniária.
Por fim, é importante ressaltar que a finalidade maior desse artigo do CPC, sobre medidas coercitivas, é compelir o devedor, que tenha como pagar suas dívidas e por vontade própria não quer pagá-las, a honrar seus compromissos financeiros. Assim, desse modo, conseguiremos que a Justiça prevaleça de fato e não apenas na teoria, porque de nada adiantará ao credor “ganhar e não levar”, como muitas vezes acontece, infelizmente, em nosso país.
Em quais casos há prisão de devedor no país?
No Brasil, a única possibilidade de prisão de devedor ocorre nos casos de não pagamento de pensão alimentícia.
Havia antes uma outra possibilidade que era a prisão do depositário infiel, muito comum nos casos de alienação fiduciária de veículos, porém essa espécie de prisão foi automaticamente revogada após o Brasil ser um dos signatários do Tratado Internacional de San José da Costa Rica, que admite uma única possibilidade de prisão civil, justamente a prisão por inadimplência no pagamento de pensão alimentícia.