
A tecnologia blockchain, que nasceu junto com a criptomoeda, está cada vez mais presente no mundo digital e já é considerada fundamental no Direito
Não há dúvidas de que blockchain é um termo da moda. Qualquer um que queira parecer inovador e entendido de tecnologia pode, entre uma ideia e outra, dizer que o blockchain resolve esse ou aquele desafio. O problema é definir, de fato, como funciona essa tecnologia, que existe há mais de 10 anos.
A tecnologia foi usada pela primeira vez como base para o bitcoin, a primeira criptomoeda criada no mundo. Seu funcionamento é descrito no famoso paper de Satoshi Nakamoto, um pseudônimo que esconde o inventor ou os inventores da moeda virtual.
Para o bitcoin, o blockchain serve como um grande livro-caixa que registra todas as transações já feitas. Imagine que você transferiu um bitcoin para um amigo. Isso será registrado no blockchain. Ou que você usou a criptomoeda para comprar um café na padaria. Será outra transação registrada no gigantesco livro-caixa do blockchain.
O importante é que esse livro-caixa é descentralizado. Não há uma única pessoa ou um único grupo responsável por inserir as transações e guardá-las, como um contador ou um banco.
O registro é distribuído em toda a rede de computadores que participa do sistema do bitcoin. Todas as transferências são processadas e verificadas por milhares de computadores espalhados pelo planeta. Resolvendo complicados cálculos, os computadores que processam o sistema verificam a veracidade das transações: a pessoa que transferiu aquele bitcoin tem a posse do ativo? Ela já gastou esse dinheiro antes?
Cada um desses computadores tem sua própria versão atualizada de todas as transações. Como recompensa pelo processamento, os donos dessas máquinas recebem uma recompensa em moedas virtuais. Eles são chamados de mineradores.
As transações não são registradas uma a uma, mas sim em blocos. No bitcoin, um bloco é formado a cada dez minutos, e contém todas as informações de transações feitas durante aqueles dez minutos.
Cada bloco é interligado ao bloco seguinte e ao anterior. Isso garante que não seja possível alterar as informações que foram registradas em um bloco passado. Se um computador fizer uma alteração, os demais entendem que aquela alteração não deveria ter sido feita e a descartam.
E, apesar de estarem registradas, as transações são criptografadas. Por isso, elas não estão inteiramente públicas. É possível verificar que um bitcoin foi enviado de uma pessoa para outra em determinado horário, mas para saber quem foram as pessoas envolvidas na transação, é preciso ter uma chave criptográfica.
A mesma tecnologia é usada para outras criptimoedas, como litecoin e ethereum.
O que torna, pelo menos na teoria, esse sistema seguro é a descentralização. Para hackear uma operação, seria necessário alterar todas as transações naquele bloco, não apenas em um computador, mas em milhões de computadores simultaneamente, usando criptografia. A questão é que fazer isso é muito difícil.
Há um ataque que vem sendo cada vez mais discutido, conhecido como “ataque dos 51%”. Para colocá-lo em prática, é preciso controlar mais da metade da rede de mineradores.
Com isso, os invasores conseguiriam criar uma “versão alternativa” da cadeia original de blocos, revertendo transações que já foram feitas e “regastando” valores que já haviam sido usados (prática conhecida como double spend).
Para fazer isso, os invasores precisam de uma grande infraestrutura de computadores. Algumas bolsas de criptomoedas já reportaram tentativas de ataques assim. Um deles derrubou as cotações da criptomoeda ethereum classic.
Outros usos
O blockchain foi criado para servir de base para uma moeda virtual, mas suas aplicações não se restringem a isso. Os entusiastas defendem que a tecnologia pode ser usada em qualquer situação que envolva um intermediário ou várias partes que não confiam umas nas outras.
A empresa Ripple, por exemplo, faz isso com transferências internacionais de dinheiro entre instituições financeiras, um processo que tradicionalmente é demorado e envolve vários intermediários. Já em Belo Horizonte a prefeitura usa o blockchain para registrar o estacionamento rotativo na cidade.
Há ainda experiências de uso do blockchain para rastrear a produção de um alimento. O cliente poderia, por exemplo, escanear um QR Code na embalagem e acessar informações como local e data de produção, embalagem e transporte. Outro uso seria registrar documentos sem a necessidade de um cartório, ou até mesmo contabilizar os votos dos cidadãos em um blockchain.
BLOCKCHAIN NO DIREITO
As primeiras e mais conhecidas aparições de blockchain, já sabemos, foram no setor econômico, com as célebres criptomoedas. Entretanto, essa tecnologia já está sendo testada por países como Japão e Suíça para ser o futuro das eleições com um sistema mais seguro e flexível.
Na área jurídica, já é possível notar que algumas funções têm obtido bons resultados. Afinal, a relação entre Direito e tecnologia é cada vez mais forte. Por isso, vou compartilhar a seguir quatro exemplos de como aplicar blockchain no Direito:
- Registro de Provas de Autoria
O Blockchain tem o potencial de revolucionar como são realizadas as provas de autoria de obras, marcas e patentes, delineando limites temporais e produtivos.
Hoje, a concessão de registros de marca ou patente demora anos para acontecer. No entanto, a tecnologia blockchain tem a capacidade de agilizar o processo e oportunizar maior segurança para esses registros.
Além do registro da propriedade intelectual, o blockchain tem especial capacidade de aplicação em grandes repositórios de informações.
- Registro de dados para escritórios e empresas
Outra forma de aplicar blockchain é no direito empresarial. A tecnologia pode ser usada para criar uma infraestrutura de pagamento, por exemplo.
A vantagem seria permitir a transferência de fundos em tempo real e a um custo menor do que já existe hoje. Além disso, é possível realizar o registro de contratos de empréstimos em blockchain.
Há ainda um protótipo desenvolvido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para compartilhar informações sobre segurança. Neste modelo, o cadastro de clientes é feito de forma centralizada e registrados no blockchain.
O cliente precisa, então, autorizar o compartilhamento de dados. Depois disso, o registro é disponibilizado para o banco que ele deseja manter uma relação comercial, como uma conta corrente, por exemplo. Assim, quaisquer atualizações feitas nos cadastros de clientes são automaticamente atualizadas nos bancos para os quais ele liberou o acesso.
Inclusive, com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) em vigor, o sistema blockchain pode ser um grande aliado. Principalmente na hora de preservar os dados e evitar problemas com a invasão de hackers e sanções por descumprimento da Lei.
- Autenticação de Documentos
Outra aplicação interessante de blockchain no Direito é a utilização da tecnologia para autenticação de documentos, substituindo parte dos trabalhos realizados pelos atuais cartórios extrajudiciais ou judiciais.
Um cartório com 130 anos de história em João Pessoa foi o primeiro do país a adotar autenticação digital por blockchain. Por meio de uma parceria com a startup OriginalMy, mais de 200 documentos já foram autenticados desta maneira.
Segundo Alexandre Garcia, da Mosaico University, o programa não exclui a necessidade de cartórios. A tecnologia blockchain faz apenas uma pequena função, equivalente a bater o carimbo. Ele diz que “o ato normativo prevê a evolução digital dos cartórios, mas essa integração ainda não ocorreu”.
A OriginalMy, que surgiu em 2015, se posiciona como uma empresa que pretende mudar a forma como a autenticidade é tratada no Brasil e no mundo. Com uma plataforma automatizada, possibilitam registrar em blockchain e verificar a autenticidade de documentos digitais, contratos e identidades de pessoas.
São empresas inovadoras como essa que devem ter total atenção no atual cenário de renovação tecnológica. É preciso saber conciliar o modo clássico com as ideias do ecossistema de inovação para se manter atualizado no mercado. Um bom exemplo é o caso citado acima, que soube aplicar bem blockchain no Direito.
- Contratos Eletrônicos (Smart Contracts)
Ainda não é possível visualizar um limite para a atuação da tecnologia de blockchain no Direito. Os Smart Contracts, também chamados Contratos Inteligentes, são um bom exemplo.
Eles fazem o processamento de dados e o contrato pode se auto-executar de acordo com a vontade das partes do negócio. O modelo já é utilizado por advogados no Brasil.
Um contrato de locação pode ser firmado por um software de automação baseado em blockchain, por exemplo. Se assim for, os dados das partes e da locação são preenchidos automaticamente.
Os contratos são assinados de maneira digital e os envolvidos podem acessar documentos online, por uma senha única, sem alterá-los. Em caso de mudanças, ele é desabilitado.
Blockchain no Direito: incontáveis atribuições
Por fim, percebe-se que são incontáveis as atribuições que podem ser atreladas ao blockchain no Direito. Desta forma, não é possível tentar mensurar até onde esta tecnologia poderá nos auxiliar nas relações diárias, seja no comércio, eleições ou em relações jurídicas.
A televisão, a internet, os exames especializados na área médica, e outras tecnologias contribuíram muito para o desenvolvimento da sociedade.
Hoje, não se deve desviar o foco das inovações trazidas pelo blockchain ou, mais afundo ainda, da inteligência artificial como um todo. Afinal, elas estão aí para transformar as relações e auxiliar, cada vez mais, todos os setores da nossa sociedade.
FONTES: Época Negócios e Aurum | IMAGEM: Imagem de xresch por Pixabay