A repórter Juliana Gragnani, da BBC News Brasil em Londres, passou sete dias acompanhando 272 grupos políticos no WhatsApp. Notou, entre tantos detalhes, muita desinformação e ataques à imprensa tradicional e imagens que fomentam ódios. Abaixo, o relato da jornalista. Para ler na íntegra o original, link ao final da matéria:

Juliana Gragnani/BBC News Brasil

Acompanhar dezenas de grupos políticos no WhatsApp é uma experiência um tanto surreal. Links, vídeos, imagens e áudios são compartilhados caoticamente por diversas pessoas ao mesmo tempo, quase impossibilitando a leitura de quem recebe na outra ponta.

Com ajuda de um sistema desenvolvido por pesquisadores brasileiros, passei sete dias acompanhando 272 grupos no aplicativo.

Meu objetivo era entender a lógica de distribuição do conteúdo político que chega a milhões de pessoas diariamente pelo WhatsApp, principalmente no período eleitoral.

Em uma semana, vi:

  • Muita desinformação, como imagens no contexto errado, áudios com teorias conspiratórias, fotos manipuladas, pesquisas falsas
  • Ataques à imprensa tradicional, como capas falsas de revistas e falsa “checagem” de notícias que, de fato, eram verdadeiras
  • Imagens que fomentam o ódio a LGBTs e ao feminismo
  • Uma “guerra cultural” organizada, com ataques sistematizados a artistas em redes sociais
  • Áudios e vídeos de gente comum ou de gente que se passa por gente comum, mas com identidade desconhecida, dando motivos para votar em um candidato

Mas qual é o peso dessa desinformação circulando no WhatsApp durante as eleições?

A rede é a mais difundida entre eleitores brasileiros, utilizada por 66% deles, ou 97 milhões de pessoas, segundo a pesquisa Datafolha divulgada nesta semana. Chega a ser maior do que o Facebook, usado por 58% dos brasileiros que votam.

Segundo o próprio WhatsApp, 120 milhões de brasileiros usam o aplicativo. E muitos, principalmente das classes C, D e E, aderem a planos de celular com pacote restrito de dados, mas com WhatsApp gratuito graças a um acordo com as operadoras. Isso significa que acabam tendo acesso à internet somente por meio do aplicativo, ou seja, sem possibilidade de clicar em links ou verificar na rede a origem da informação.

Ao menos no Brasil, o WhatsApp deixou de ser apenas um aplicativo de mensagens instantâneas. É uma rede social também, com grupos públicos, desordenados e extremamente dinâmicos de até 256 integrantes nos quais se entra por meio de links divulgados em sites ou em redes sociais. Pessoas do Brasil inteiro que não se conhecem conversam pelos grupos. É bem diferente, portanto, dos grupos privados de famílias, amigos, colegas.

Por isso, reitero: acompanhar dezenas de grupos no WhatsApp é uma experiência surreal.

Ao ligar o celular pela manhã, às 10h, contabilizo 13.698 novas mensagens. Eu havia desligado o celular na noite anterior. Em 12 horas, mais de treze mil mensagens foram enviadas em 28 grupos públicos.

O grupo que bate o recorde é o “Debate Político”: 1.793 mensagens enviadas durante a noite e madrugada. O grupo tem 166 participantes com DDDs que vão do 11 ao 99. Tem gente de São Paulo, Minas, Rio, Paraná, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Brasília, Bahia, Pará, Maranhão, Alagoas, Ceará e Pernambuco. Tem até alguns usuários nos Estados Unidos.

Mas a dinâmica do grupo é o oposto do que seu nome propagandeia (“de debate só tem o título!”, me disse um dos integrantes do grupo, o estudante potiguar Renan Bezerra dos Santos, 17). Não há debate, senão usuários bombardeando o grupo com um sem número de textos, links, imagens e vídeos, sem descanso, sem troca de ideias.

Ao menos é um grupo democrático, apesar de focado nos dois extremos da disputa: apoiadores de Bolsonaro publicam conteúdo a seu favor ao mesmo tempo em que recebem material pró-Lula e Haddad.

Para facilitar meu experimento, utilizo o “Monitor de WhatsApp”, um sistema criado pelo professor Fabrício Benevenuto, do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e mantido por ele e seus alunos.

O sistema acompanha 272 grupos públicos de WhatsApp por meio de celulares destacados só para isso e mostra as imagens, links, vídeos e textos compartilhados nos grupos. O pesquisador decidiu compartilhar o sistema com a imprensa, que passou a ter um canal para monitorar o que até então era um desconhecido universo de desinformação na rede. Não há coleta de dados pessoais dos participantes.

Alguns dos grupos monitorados: “Jair Bolsonaro 2018”, “Lula Presidente”, “O Brasil com Ciro”. Tem até um “Cabo Daciolo Presidente”. A maioria dos grupos reúne apoiadores de um só lado, formando uma rede de bolha que pouco se comunica no nível dos grupos, mas que permeia diferente setores conforme o conteúdo se espalha pelos milhões de grupos conhecidos e parentes.

Há mais grupos sobre Bolsonaro (são 33) do que o restante. Isso gera, no pesquisador, uma preocupação com o desequilíbrio do estudo. No entanto, pode indicar que, de fato, haja mais grupos políticos sobre o candidato no WhatsApp. É impossível saber ao certo por que o aplicativo não divulga o total de grupos existentes.

Dados do Datafolha, no entanto, jogam luz sobre essa dúvida: respondendo à pesquisa nesta semana, eleitores de Bolsonaro foram os que mais declararam usar alguma rede social – 81% -, ante 59% dos eleitores de Haddad. Também foram os que mais disseram ler notícias sobre política no WhatsApp. São 57% dos eleitores de Bolsonaro, enquanto só 38% dos eleitores de Haddad disseram se informar no aplicativo sobre política.

Por isso, o resultado do meu experimento mostra mais notícias falsas publicadas por um polo, o do lado de Bolsonaro. Mas sabemos que há notícias falsas produzidas pela esquerda que circularam também, como as de quando Bolsonaro foi esfaqueado.

Na ocasião, há um mês, foram difundidas em grupos, por exemplo, áudios e imagens dizendo que o ataque tinha sido armado – porque não havia sangue, porque os médicos que lhe atenderam estavam sem luvas ou ainda porque o presidenciável havia sido registrado sorrindo e entrando de pé no hospital, muito embora essa última cena tivesse acontecido no mesmo dia, mas antes do ataque. Como bem sabemos, Bolsonaro foi vítima, sim, de um esfaqueamento.

Para chegar aos grupos que monitora, Benevenuto automatizou uma busca por links de grupos de WhatsApp com palavras-chave ligadas a política. Ou seja, a entrada em grupos políticos é tão imparcial e abrangente quanto possível.

FONTE: BBC News Brasil (AQUI)

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