
Por João Paulo Morello, Luiz Coelho e Thiago Macedo Cleyton, advogados
O Agronegócio é um dos setores mais importantes da economia brasileira, em crescimento constante e sempre gerando inovações e riquezas ao país com seus números impressionantes de produtividade e recordes a cada safra. Abrangendo diversas regiões e distintas realidades, a cadeia do Agro se estende desde o produtor rural individual, passando por empresas nacionais
e transnacionais de todos os modelos, culminando num volume colossal de alimentos e insumos, que termina abastecendo mercados em escala global.
Pesquisas sérias desenvolvidas por instituições tradicionais como a Embrapa colocam a atividade agrícola na dianteira mundial do cultivo, indústria e comércio. Em virtude dessa inserção total na economia, o Agro se depara também com as obrigações que derivam da Lei Geral de Proteção de Dados.
O que é a LGPD?
Como se sabe, dados pessoais vêm se tornando, ao longo dos anos, um ativo valioso e quase indispensável para a evolução dos negócios. Afinal, informação é dinheiro. Mas não é segredo para ninguém que a utilização desses dados nem sempre ocorre de forma ética e razoável; ao contrário, os abusos de direitos dos seus titulares são flagrantes e acontecem a todo instante.
É por esses motivos que a maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento propõe legislações específicas, com vistas a frear a utilização indevida, não consentida e descontrolada de dados pessoais. A União Europeia publicou seu Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (GDPR) em 2018. Nesse mesmo ano, o Brasil aprovou a sua LGPD.
O objetivo primordial da Lei, que está em pleno vigor, é a preservação de dados pessoais de terceiros que se encontrem sob domínio de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, proibindo que sejam compartilhados sem autorização dos seus titulares.
Não se trata apenas de um emaranhado de comandos aleatórios: a lei impõe um verdadeiro sistema multidisciplinar com princípios, direitos e obrigações inovadores de proteção aos indivíduos.
A LGPD tem um caráter revolucionário, pois normatiza como todos devem, a partir de agora, manejar dados pessoais durante o seu ciclo de vida. Fixa regras que vão desde o consentimento para a coleta de informações, passando pelo armazenamento, divulgação e até mesmo o descarte de dados.
A importância do seu cumprimento pode ser mensurada pela criação da ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados – órgão responsável por zelar, fiscalizar e julgar o cumprimento da legislação. A LGPD ainda instituiu a figura do “encarregado”, comumente chamado de DPO (Data Protection Officer), gestor indicado pela própria empresa para atuar como elo de comunicação com os titulares e, eventualmente, com a própria ANPD.
E se alguém porventura não sabe, a LGPD contempla penas que variam de simples advertências a multas milionárias, calculadas sobre o faturamento das empresas. E qual a relação da LGPD com o Agro?
A LGPD tem efeitos multidisciplinares e alcança quaisquer pessoas físicas e jurídicas. Logo, inclui também todos os atores da cadeia do Agro, do produtor ao consumidor final. É inevitável, então, que haja um movimento interno para a implantação de normas e boas práticas de governança, com o objetivo de colocar essas empresas em conformidade com as regras da LGPD, e envolvendo todos os seus setores: TI, RH, Compliance etc.
O produtor também precisa resguardar os dados pessoais de seus fornecedores e de seus compradores. Por sua vez, compradores e intermediários deverão proteger os dados fornecidos pelos produtores e pela indústria. E à indústria cabe zelar pelos dados pessoais de todos os envolvidos, incluindo consumidores diretos e indiretos e quaisquer outras pessoas físicas que participem da sua estrutura de negócios.
Em um primeiro momento, o tema pode parecer pouco importante, ou complicado e distante da realidade do Agro, mas tudo é uma questão de adaptação e de mudança de cultura. Além do mais, a conformidade das empresas e países com as diversas legislações de proteção de dados (incluindo a LGPD) já é um requisito para celebração de contratos de muitas empresas: em certas situações, a não adesão condiciona e até inviabiliza o comércio com o exterior e, portanto, as exportações.
Citamos o caso da JBS: recentemente, sua base de dados foi sequestrada nos EUA e na Austrália por hackers, que cobraram um resgate de 11 milhões de dólares em bitcoins. O resgate foi pago e, segundo declarações da JBS, foi realizado para proteger as plantas do frigorífico de novas interrupções e para amenizar o impacto a restaurantes, lojas e fazendeiros que dependem da companhia.
O vazamento ou a utilização indevida dos dados pessoais pode trazer repercussões muito negativas ao setor do Agro, incluindo aplicação de multas, interrupção de negócios, danos à imagem do setor, e, até, como visto, a necessidade de pagamento de resgates.
Por esse motivo, a criação e aplicação de planos de LGPD nas empresas é fundamental, permitindo que estejam em conformidade com as normas de proteção de dados. Será, acredite, um esforço bem pequeno se comparado à segurança que a adequação proporciona para seu negócio e para quem transaciona com sua empresa. Com o tempo, todos, sem exceção, precisarão se adaptar. Não dá para fugir!
Considere, ainda, que a nova lei trará benefícios para a modernização das relações, uma vez que a proteção de dados imprimirá transparência e sedimentará boas práticas comerciais e de compliance entre as partes. A LGPD, em resumo, veio para ficar. E abre uma porta para um futuro de maior confiabilidade, inclusive jurídica, nas relações entre as empresas e entre elas e os
indivíduos.
Não será agora, certamente, que o Agro, sempre na liderança de modernas iniciativas, ficará para trás. Quem ficou parado, trate, pois, de se mexer para não perder oportunidades.
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