Ainda cabe recurso contra a decisão colegiada.

Segundo colegiado, ações ajuizadas nas comarcas de Ipubi/PE e de Araripina/PE possuíam fortes indícios de captação ilegal de clientes, irregularidades nas procurações, apropriação indébita dos valores recebidos e uso de teses jurídicas fabricadas.

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A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) realizou o julgamento de uma apelação que tentava reformar a extinção de uma ação judicial com forte indício da prática de advocacia predatória na Vara Única da Comarca de Exu. De forma unânime, o órgão colegiado considerou o recurso improcedente e manteve integralmente a sentença prolatada pelo juiz de Direito Caio Souza Pitta Lima. O relator do processo na Câmara é o desembargador Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima. O acórdão foi publicado no Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) no dia 16 de junho. O julgamento ocorreu no dia anterior, 15 de junho. Ainda cabe recurso contra a decisão colegiada. A mesma Câmara também incluiu nas próximas pautas de julgamento cerca de 177 apelações do mesmo advogado sobre advocacia predatória.

Foi o segundo julgamento abordando esse tema no Judiciário Pernambuco. No mesmo mês, a 4ª Câmara Cível julgou improcedentes as apelações referentes à extinção de 72 processos ajuizados em massa e com vícios nas comarcas de Ipubi e Araripina, mantendo as sentenças que tiveram o objetivo de coibir essa prática.

No voto, o desembargador Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima afirma que o juiz não deve ignorar a realidade das lides agressoras à prestação jurisdicional justa, eficiente e prestada em tempo razoável. “Em outras palavras, é lícito ao juiz atuar na repressão à chamada lide temerária. Na hipótese específica dos autos, a ação decorre da captação em massa de clientes e é apresentada valendo-se de petição inicial padronizada contendo teses genéricas, em que se altera apenas as partes. Mais do que isso, a ação é ajuizada, ao mesmo tempo e no mesmo espaço, junto a milhares de outras ações idênticas, sem, em muitas das vezes, qualquer correlação com a realidade fática e sem que a parte autora tenha, minimamente, ciência ou consciência de que litiga ou qual o direito leva à apreciação judicial. O processo civil moderno, baseado em valores éticos (lealdade, boa-fé, cooperação) não pode tolerar ou conviver com ações padronizadas, em que não se observa as peculiaridades de cada parte e as especificidades da relação em conflito. Essas demandas – de novo, ajuizadas aos milhares, no mesmo espaço de tempo, contra uma única parte, com petições iniciais padronizadas contendo teses genéricas – acabam comprometendo a justa composição dos litígios, por dar especial protagonismo a institutos meramente formais, como a revelia, a impugnação específica e a inversão do ônus da prova. Em outras palavras, compromete ao exercício do direito de defesa e pode induzir o juiz a erro in judicando”, destacou em seu voto. O entendimento do magistrado foi seguido pelos demais integrantes da 1ª Câmara Cível, os desembargadores Fernando Ferreira e Frederico Neves.

O relator ressalta que o fenômeno da advocacia predatória tem sido identificado nacionalmente, sendo objeto de avaliação em vários tribunais e também no TJPE que elaborou a Nota Técnica nº. 02/2021, do Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Pernambuco – Cijuspe. “O Judiciário, de tempos em tempos, se depara com ações que são verdadeiros “tiro no escuro”, um “lance de sorte” ou como se diz na expressão popular “se colar, colou”. Dois clássicos exemplos retratam essa afirmação: (a) em sede de ação revisional de contrato, advoga-se a abusividade de cláusulas contratuais, formulando pedido demasiadamente genérico de modo que o juízo não tem como inferir quais são as cláusulas específicas do pacto firmado entre as partes que se pretende discutir, as razões da suposta abusividade, sem apresentar o contrato com a inicial, o que dificulta a compreensão da lide pelo Juízo e a defesa do réu; e (b) o consumidor a despeito de assinar contrato bancário com a instituição financeira, afirma na petição inicial desconhecer a origem do débito, sendo certo que, em muitos casos, a contestação traz o contrato assinado validamente. Litiga-se, por assim dizer, firme na esperança de uma defesa ineficiente, premida pela circunstância de múltiplas ações, com petições iniciais padronizadas contendo teses genéricas, ajuizadas no mesmo espaço de tempo, contra uma única parte. Esse fenômeno, que indiscutivelmente compromete o bom funcionamento do Judiciário, vem sendo identificado nacionalmente, conforme se pode ver pela Nota técnica 01/2020 emitida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte; pela adesão à referida Nota Técnica pelo Poder Judiciário do Distrito Federal; pelos estudos realizados em setembro de 2021 pelo Centro de Inteligência de Minas Gerais em parceria com a Escola Judicial local sobre o abuso do direito de ação e ainda, pelo Projeto de Lei n. 4.023/21 da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – Alerj”, descreveu no voto.

O desembargador Fábio Eugênio ressalta que o ajuizamento em massa por si só não configura a advocacia predatória. “Não se advogue que estar-se-ia inibindo, em última instância, demandas de massa. Como curial, as demandas de massa quando aforadas levando em conta as peculiaridades do caso concreto são legítimas. O que se afirma é que o atual estágio do processo civil não tolera o abuso de direito processual, no qual se enquadra toda e qualquer forma temerária (imprudente, negligente, açodada ou descuidada) de lide, que põe em risco valores e regras fundamentais, a exemplo de exercício do direito de defesa. (…) Demandas temerárias, universo no qual se insere – de novo – as postulações apresentadas de forma imprudente, negligente, açodada ou descuidada, devem ser impedidas como decorrência da função inibidora da boa-fé objetiva”, concluiu o magistrado no voto.

FONTE: TJPE | FOTO: Freepik