
O caso de violação de intimidade sofrido pela atriz Klara Castanho, 21 anos, abriu espaço para uma discussão sobre a importância do respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e até à própria Constituição Federal. No sábado (25), a atriz de 21 anos, publicou um relato em suas redes sociais, após um vazamento criminoso do caso, e revelou que foi estuprada, engravidou e decidiu entregar o bebê diretamente para adoção.
Klara contou na carta aberta, no dia em que o bebê nasceu, foi abordada e ameaçada por uma enfermeira na sala de cirurgia com as seguintes palavras: “Imagine se tal colunista descobre essa história”. E quando Klara voltou para o quarto, já havia mensagens do colunista com todas as informações.
A história de Klara veio à tona no fim de semana e causou comoção pela forma em que a atriz teve a vida invadida. Para esclarecer os pontos de violação sofridos por Klara , o portal Juristec traz entrevista exclusiva com a advogada e professora Andréa de Souza Gonçalves, sócia do escritório Gimenes e Gonçalves, especialista em LGPD e pós Graduada em Proteção de Dados, Privacidade e Ciberseguranca na União Europeia pela UAL Academy! Confira abaixo:

1 – O caso da atriz Klara Castanho abriu espaço para a polêmica da violação da intimidade. Em que sentido viola a LGPD?
Sem sombra de dúvida esse é mais um daqueles casos que nos choca e nos sensibiliza como pessoas e nos indigna como profissionais. A violação a intimidade e a privacidade foi latente. Compartilhar fatos privados em ambiente hospitalar sobre a vida e a saúde dos pacientes, agravado pela ausência de autorização e ciência dos mesmo, é no mínimo uma infração civil. E foi o que ocorreu e deve ser punido.
Ao que tudo indica, uma profissional de saúde do hospital em que a atriz estava internada, teria compartilhado sua situação de saúde e sua vida para fora do ambiente Hospitalar, o que é inadmissível.
A Constituição Federal em seu artigo 5º. Inciso, afirma que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Assim nesse contexto, a violação a vida privada e a intimidade da atriz já são passíveis de indenização. O Código Civil também assim se manifesta no artigo 21.
Porém, não só os dispositivos acima elencados foram infringidos mas também a Lei Geral de Proteção de Dados, especificamente em seu artigo 7º. Parágrafo 5º. bem como artigo 11 caput e parágrafo 1º e 4º. , principalmente porque não cuidou e protegeu os dados sensíveis da paciente.
Ao transferir e compartilhar a vida e os dados de saúde da atriz, a profissional violou veementemente a válvula motriz da Lei Geral de Proteção de Dados. Compartilhou sem qualquer anuência e ciência da paciente seus dados de saúde e sua vida privada, na contramão do que espera a legislação. A Proteção a dados pessoais e sensíveis. Não é à toa que chamamos os dados de saúde de sensíveis, senão porque esses dados devem ser mais protegidos e cuidados.
Os serviços de saúde precisam entender que os dados pessoais e sensíveis dos dos pacientes devem ser protegidos, exatamente igual se protege a saúde. Banalizar fatos e publica-los no intuito de ganhar curtidas e Ibope não nos cabe mais. Estamos discutindo o avanço tecnológico, inteligência artificial, robôs, metaverso e estamos esquecendo o básico: Treinamento e Governança.
Não adianta incluir tecnologia no ambiente, se o básico não é passado. Mínimas orientações sobre sigilo e implicações sobre as violações acima apontadas já seriam de grande valia.
2 – Qual a relação com a LGPD?
Total relação. Conforme falamos acima, o ponto focal aqui foi o compartilhamento indevido dos dados pessoais e sensíveis da atriz, que não é excluída dessa condição, já que é uma figura pública, principalmente porque, trata-se aqui de fatos de sua vida privada e não publica e nem mesmo de interesse publico.
Nesse contexto, inclusive o hospital pode ser responsabilizado por, ao que tudo indica, ter sido o controlador que não cuidou em proteger esses dados culminando nesse vazamento fatídico.
Com a LGPD e superada as investigações que já se avançam nos órgãos de classe ( Cofen, CRM, dentre outros) o hospital pode inclusive sofrer sanções, destinadas aos cofres públicos, bem como ou outras sanções dispostas na lei no artigo 52 , assim como, a profissional que violou o sigilo, em virtude a repercussão ao caso, sem prejuízo das indenizações que podem ser buscadas pela atriz, usando como fundamentação a constituição e o Código Civil , acima mencionados.
Aos divulgadores do caso, a esses precisaremos de uma avaliação própria, mas sem sombra de dúvida, também poderão ser responsabilizados na esfera do Código Civil e da Constituição, sem contar os cancelamentos que já vem sendo proposto nas mídias sociais.
3 – Quais lições podemos tirar desse caso?
Algumas lições são possíveis de serem tiradas. A primeira delas é que, em ambientes de saúde especialmente, precisamos manter o maior nível de cautela possível. O menos é mais. Não podemos tratar com descaso nenhum acontecimento. Ausência de estrutura, de treinamento na condução do paciente, ausência de empatia e humanidade, pode levar a dores e a prejuízos muito grandes. Financeiros é claro, mas de ordem psicológicos principalmente.
Também, incentivar e investir no desenvolvimento de pessoas. Consciência daquilo que é ético e legal é melhor do que entendimento de que um ato pode gerar multa ou outra sanção.
Mesmo sendo uma figura pública, jamais podemos interferir, violar e compartilhar sua intimidade e privacidade. Esses direitos não possuem exceções.
O que não fazer diante de uma situação como essa. Gestão de risco vale muito a pena nessas condições.
4 – Porque violação da intimidade e crime e como era a legitimação da criminalidade de casos assim antes da LGPD?
No caso em debate, houve crime contra a honra da atriz. A violação da intimidade superou as fronteiras das relações civis, e adentrou sim na matéria criminal. Aqui, a violação da intimidade não guardava relação com nenhum interesse público que justificasse a publicação e o debate que se formou em torno da questão.
Os crimes contra a honra, no Código Penal ofendem em sua base, bens imateriais da pessoa, qual seja, a honra. São eles, a calunia ( Artigo 138 do Código Penal) a difamação( Artigo 139 do Código Penal) e a injuria.( Artigo 140 Código Penal).
No presente caso, o youtuber e o meio de publicação que ele utilizou, ambos podem ter cometido difamação que nada mais é do que expor os fatos privados da atriz sem qualquer interesse público envolvido. Aqui não se leva em consideração se o fato é verdadeiro ou falso, bastando que a consequência seja a macula da reputação.
A legitimação desses crimes antes e depois da LGPD ocorre mediante queixa do ofendido, ou seja, faz-se necessário abertura de queixa crime pela atriz do fato em questão, não sendo possível representação pelo Ministério Público.