
Por Claudia Caroline Nunes da Costa,
Advogada Previdenciária Associada a Cascone Advogados
Em 16 de março de 2021 o STF fixou a seguinte tese no julgamento do Tema 606 da Repercussão Geral, representativo de controvérsia RE n° 655.283. A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão.
A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/09, nos termos do que dispõe seu art. 6º.
Ainda em 2021 foram opostos dois embargos de declaração pela ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Na sexta-feira, 10 de junho de 2022, foi iniciado o julgamento virtual dos Embargos de Declaração. A sessão de julgamento virtual teve seu término à meia noite do dia 20 de junho de 2022.
O atual Ministro Relator, Dias Toffoli, proferiu voto pelo não conhecimento do primeiro embargo manejado por entendê-lo intempestivo e pela rejeição da segunda peça de embargos por ausência de prequestionamento quanto à alegação de coisa julgada e nítida intenção de reexaminar e rediscutir os temas recursais, com propósito infringente inadmissível. Tal entendimento já foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Morais, Carmem Lucia, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Edson Fachin, André Mendonça, Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques. O Ministro Luiz Fux se declarou suspeito e o Ministro Roberto Barroso se declarou impedido.
RELEMBRE O CASO DA REPERCUSSÃO GERAL E O JULGAMENTO DA TESE NO STF
Em síntese, estavam em análise duas premissas: i) a competência para processar e julgar a ação em que se discute a reintegração de empregados públicos em empresas federais dispensados em face da concessão de aposentadoria espontânea e ii) a consequente possibilidade de acumulação de proventos com vencimentos de aposentadoria junto ao Regime Geral de Previdência Social.
No julgamento do ano passado, o já aposentado Ministro Relator Marco Aurélio, entendeu pela competência da Justiça Comum Federal para o processamento e julgamento da demanda, ao afirmar que a ação “não busca discutir a relação de trabalho com a empresa pública, mas, tão somente, a possibilidade de reintegração ao emprego público na eventualidade de obter aposentadoria administrada pelo Instituto Nacional do Seguro Social.”
O Relator entendeu que “a aposentação não põe fim ao vínculo trabalhista, possibilitada a cumulação de salário e proventos decorrentes do regime geral. Quando da análise do recurso extraordinário nº 387.269.”
Após os votos do Relator, acompanhado da Ministra Rosa Weber, e do Ministro Edson Fachin, que divergiu em parte, os Ministros Alexandre de Moraes e Cármem Lúcia acompanharam a primeira divergência. O Ministro Luiz Fux se declarou impedido. Na sequência os Ministro Dias Toffoli e Roberto Barroso também apresentaram votos divergentes, com fundamento autônomo distinto da divergência inaugurada pelo Min. Fachin. No último julgamento virtual, os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques acompanharam a segunda divergência, proposta pelo Min. Toffoli.
Assim, com o voto de 4 Ministros a tese vencedora foi a proposta pelo Ministro Dias Toffoli, atual relator do caso (após a aposentadoria do Min. Marco Aurélio).
Em relação à competência não houve divergência, o Min. Dias Toffoli entendeu ser competente a Justiça Federal para processar a demanda, assim como o Min. Marco Aurélio.
Ato contínuo, “Quanto à possibilidade de acumulação de proventos com vencimentos de empregados públicos aposentados espontaneamente, considero pertinente realizar breve contextualização dos entendimentos até aqui apresentados, tendo em vista que, sob dada extensão, acompanho cada um dos votos já lançados, acrescendo-lhes, porém, pontual ressalva”, afirmou no voto vencedor.
O entendimento vitorioso assentou que deve ser observado o princípio norteador do direito previdenciário, tempus regit actum. No caso concreto os servidores e empregados públicos federais se aposentaram antes da vigência da EC n° 103/2019 (13 de novembro de 2019), por isso não há que se falar em óbice ao recebimento conjunto de salário e benefício. A seguir trechos relevantes do raciocínio do Ministro:
[…] é preciso considerar o conjunto normativo da EC nº 103/19, que em seu art. 6º determinou: Art. 6º O disposto no § 14 do art. 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.
A norma em tela eximiu, portanto, da observância ao § 14 do art. 37 da Constituição Federal as aposentadorias que já houvessem sido concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda.
O caso dos autos se refere a aposentadorias concedidas pelo RGPS antes da entrada em vigor da referida Emenda Constitucional. Sendo assim, com base no art. 6º da EC nº 103/2019, inviável a aplicação da regra contida no art. 37, § 14 da CF/88 a este caso específico. […]
Desse modo, tendo em vista a regra de transição prevista no artigo 6º da EC nº 103/2019, entendo inaplicável, ao caso concreto, a regra contida no artigo 37, § 14 da CF/88. Sendo assim, a demissão realizada com base na alegada proibição constitucional de cumulação da aposentadoria pelo RGPS com os vencimentos do emprego público se mostrou, em verdade, inconstitucional, sendo cabível a reintegração pretendida na origem.
Por essa razão, nego provimento, tal qual o Relator, aos recursos, embora o faça sob fundamento autônomo distinto, qual seja, a inaplicabilidade do artigo 37, § 14 da CF/88 por força do art. 6º da EC nº 103/2019.

DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Em apertada síntese, requereu a ECT o reconhecimento da coisa julgada em relação aos trabalhadores que manejaram ações individuais de reintegração improcedentes já transitadas em julgado.
Aduziu ainda que não se aplica aos empregados públicos o instituto da estabilidade, e consequentemente não há possibilidade da reintegração destes por força da decisão firmada no tema. Sucessivamente se reconhecido o direito a reintegração dos servidores públicos efetivos, requereu o afastamento de qualquer efeito econômico-financeiro do período não trabalhado, sob pena de enriquecimento sem causa e, pois, dano ao erário.
Em contrarrazões, a Federação dos Aposentados, Aposentáveis e Pensionistas dos Correios e Telégrafos (FAACO) alegou, em suma, que:
a) não estão presentes as hipóteses de cabimento dos Embargos de Declaração, já que o decisum expressamente declinou os fundamentos pelos quais negou provimento aos recursos, não havendo, portanto, que se falar em contradição, omissão ou obscuridade;
b) a alegação acerca da violação à coisa julgada somente veio à lume quando do manejo do apelo nobre, evidenciando-se a ocorrência de inovação recursal e ausente, portanto, o necessário prequestionamento e, além disso, o tema envolve questões ligadas a elementos fáticos e probatórios dos autos;
c) não há que se falar em coisa julgada, já que no presente feito não se busca nenhum direito trabalhista específico, mas sim a anulação de um ato administrativo vinculado, qual seja, o que declarou extintos seus contratos de trabalho;
d) em nenhum momento se discutiu acerca de recebimento de verbas rescisórias ou indenizatórias nestes autos;
e) o ato administrativo questionado neste writ é nulo em razão de vício quanto ao motivo e como o desligamento foi declarado ilegal pelo Poder Judiciário, dúvida não há que essa declaração gera efeitos ex tunc, com o consequente direito à percepção de todos os direitos e vantagens como se os substituídos estivessem em atividade.
Por unanimidade, a Corte votou pela rejeição dos Embargos de Declaração, de modo que permanecerá como lançada a tese firmada em 2021.
A manutenção da tese firmada no tema 606 da repercussão geral e a rejeição dos argumentos infringentes da ECT representa uma vitória dos empregados e servidores públicos federais que foram ou serão desligados indevidamente após a concessão de aposentadoria no RGPS com DIB (data de início do benefício) antes da EC nº 103/19 que poderão valer-se desse entendimento em ações individuais de reintegração, por exemplo.
Campinas, 22 de junho de 2022.
Claudia Caroline Nunes da Costa
Advogada Previdenciária Associada a Cascone Advogados