Thiago Glucksmann, advogado especialista em Direito Tributário e Sócio da Bismara & Glucksmann Advogados

As contribuições previdenciárias são reconhecidamente classificadas como tributos e quando o tema é esse já se sabe o impacto financeiro às empresas. Arrecadação em patamares estratosféricos e autuações no mesmo sentido, mas os contribuintes ainda tardam em avaliar oportunidades acerca da redução de tributação principalmente sobre algo tão relevante como a “folha de pagamento” (salário contribuição), mesmo diante de decisões extremantes relevantes e concretas do Judiciário.

Pois bem, apenas para delinear o tema importante mencionar que as contribuições previdenciárias são encargos fiscais compulsórios aos contribuintes, cuja delimitação constitucional está escampada no artigo195, inciso I, alíneas “a” e “b” e inciso II da Constituição Federal1.

Diante desse contexto, as empresas se sujeitam ao recolhimento da Contribuição Previdenciária incidente sobre os pagamentos feitos aos seus empregados (patronal), bem como, todos os demais adicionais existentes na folha de salários, tais como RAT/FAP e as contribuições destinadas aos terceiros (comumente denominadas de Sistema “S”).

Nesse exato ponto surge o objeto da análise e eventual recuperação de créditos tributários, vez que a incidência de contribuições previdenciárias deve se submeter a duas características concomitantes e indispensáveis: (a) deverão ser feitos a pessoas físicas (empregados, avulsos ou contribuintes individuais) e (b) deverão ser destinados a retribuir trabalho. O mesmo entendimento se aplica às contribuições de terceiros, por possuírem mesma base de cálculo.

O artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91 estabelece que a base de cálculo para o pagamento da contribuição previdenciária devida pela empresa será “o total de remunerações pagas ou creditada a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinados a retribuir o trabalho”. O mesmo se aplica no caso de contratação de contribuinte individual, conforme disposto no artigo 22, inciso III, da Lei nº 8.212/91.

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1 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, podendo ser adotadas alíquotas progressivas de acordo com o valor do salário de contribuição, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social; 

Ainda, o artigo 22, inciso II, da Lei nº 8.212/91 também estabelece que a contribuição SAT/RAT será incidente “sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos”.

Em outras palavras, tudo aquilo que não decorrer de retribuição de trabalho (serviços prestados) não integra o conceito de remuneração, logo, eventuais verbas indenizatórias, as quais são objeto de ressarcimento aos funcionários em razão de situações especificas não devem compor a base de cálculo das contribuições acima mencionadas.

Nesse sentido, não há que se falar na incidência de contribuições previdenciárias, SAT e de terceiros sobre verbas que notadamente tem o caráter indenizatório, tais como o salário-maternidade e auxílio-doença, por exemplo.

Sob esse aspecto, necessário mencionar o posicionamento do judiciário acerca das referidas verbas indenizatórias, sendo certo e uníssono que tais pagamentos aos trabalhadores tem o condão de ressarcir situações excepcionais, não havendo, por sua vez, qualquer condão remuneratório.

Vejamos, nesse sentido, o entendimento levado à efeito pelo Judiciário referente ao salário-maternidade, o qual se refere ao benefício previdenciário concedido à gestante referente a licença de 120 (cento e vinte) dias do seu posto de trabalho2, em atenção ao disposto na Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XVIII, que assim
prevê:

                                     Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:                                        (…)
                                   XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

Resta claro, portanto, que se trata de período no qual a mãe (beneficiária) se afasta do trabalho, justamente para se dedicar ao momento da gestação e cuidados posterior ao nascimento do filho(a), de forma que não há como exercer qualquer atividade laboral. Ademais, a remuneração percebida pela beneficiária é paga pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), ou seja, o empregador não é o sujeito passivo de tal obrigação tributária, tornando-se evidente o caráter não-remuneratório da verba em questão.

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2 Guardadas as proporções das exceções.

Diante desse sentido, o Supremo Tribunal Federal avaliou o tema e concluiu no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 576.967/PR, leading case do Tema 72 da repercussão geral, para declarar, a inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade, prevista no artigo 28, parágrafos segundo e nono, alínea “a”, da Lei nº 8.212/91, com redação dada pela Lei nº 9.528/973, o qual decidiu ser “inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade”

O tema detém posição incontroversa no judiciário, inclusive da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, visto que ocorreu a publicação do Parecer SEI nº 18361/2020/ME, a qual reconhece a não incidência das contribuições previdenciárias parte patronal, contribuições ao SAT/RAT e destinadas aos terceiros sobre o saláriomaternidade. Vejamos em sua literalidade:

                                 Recurso Extraordinário no 576.967/PR. Tema no 72 de repercussão geral. É inconstitucional a incidência de   contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade.

                               Tese definida em sentido desfavorável à Fazenda Nacional. Autorização para dispensa de contestar e recorrer com   fulcro  no art. 19, VI, “a”, da Lei n° 10.522, de 2002, e art. 2o, V, da Portaria PGFN n° 502, de 2016.

                               Possibilidade de estender os fundamentos determinantes do precedente às contribuições de terceiros, cuja base de cálculo seja a folha de salários, com amparo no art. 19, § 9o, da Lei no 10.522, de 2002, e no art. 2o-A, da Portaria PGFN no 502,   de 2016. Inviabilidade de aplicá-los à contribuição previdenciária a cargo da empregada.

                              Manifestação Explicativa de que trata o art. 3o da Portaria Conjunta PGFN/RFB no 01, de 2014, e art. 19, VI, a c/c art.   19- A, III, da Lei no 10.522, de 2002.

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3 Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
§ 2º O salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição.
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade;

Entendimento análogo se aplica ao avaliar o caráter indenizatório do auxílio-doença pelo que, se nos primeiros 15 (quinze) dias que compete ao empregador o seu pagamento, o empregado, em razão da enfermidade, não presta serviços ao empregador e assim, por óbvio, não há que se falar em salário.

Ora, a não inclusão do auxílio-doença no salário-contribuição está pacificada perante o Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica do julgado abaixo, vejamos:
                         “TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. TESE DOS CINCO MAIS   CINCO. PRECEDENTE DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO N. 1002932/SP. OBEDIÊNCIA AO ART. 97 DA CR/88.    CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. BASE DE CÁLCULO. AUXÍLIO-DOENÇA. PRIMEIROS 15 DIAS DE AFASTAMENTO.  ADICIONAL DE 1/3 DE FÉRIAS. NÃO INCIDÊNCIA. (…) 3.  Os valores pagos a título de auxílio-doença e de auxílio-acidente, nos primeiros quinze dias de afastamento, não têm natureza remuneratória e sim indenizatória, não sendo considerados contraprestação pelo serviço realizado pelo segurado. Não se enquadram, portanto, na hipótese de incidência  prevista para a contribuição previdenciária. Precedentes. 4. Não incide contribuição previdenciária sobre o adicional de 1/3  relativo às férias (terço constitucional). Precedentes. 5. Recurso especial não provido.” (g.n.)    (RESP  201001853176 RESP –RECURSO ESPECIAL – 1217686 – Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES – STJ – Segunda Turma – DJE DATA:03/02/2011)

Semelhante ao indicado referente ao salário maternidade, também se verifica no auxílio-doença, visto que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional se manifesta por meio do Parecer SEI nº 16120/2020 anuindo com o entendimento levado à efeito pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ainda em relação ao entendimento atual e aplicação prática, cabe mencionar que as decisões judiciais vão ao encontro (e não poderia ser diferente) do que fora mencionado acima. Nesse sentido, importante mencionar o recentíssimo entendimento levado à efeito pelo respeitável juízo da 2ª Vara Federal de Sorocaba/SP acerca do tema4, a saber:

                           Em relação aos valores pagos pelo empregador nos 15 (quinze) primeiros dias de afastamento do segurado empregado, em  razão de (2) auxílio-doença, a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem decidido reiteradamente que, à medida  que não se constata, nos quinze primeiros dias de afastamento de empregado por motivo de doença, a prestação de efetivo serviço, não se pode considerar salário o valor recebido nesse interregno.

                         Já o (1) salário maternidade, em recente decisão proferida em 05/08/2020, o E. Supremo Tribunal Federal, no Recurso  Extraordinário nº 576.967/PR, com repercussão geral reconhecida (Tema 72), por maioria de votos, declarou a  inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário maternidade, prevista no artigo 28,   parágrafo 2º, da Lei nº 8.212/1991, e a parte final do seu parágrafo 9º, alínea ‘a’, em que se lê “salvo o salário-maternidade”.

                        Assim, foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “É inconstitucional a incidência de contribuição  previdenciária a cargo  do empregador sobre o salário-maternidade”. (g.n.)

A conclusão com base em todo o exposto é inequívoca acerca dos argumentos referente a não tributação sobre as verbas indenizatórias (salário maternidade, auxílio-doença, aviso prévio indenizado, entre outros) e a importância destas aos contribuintes, visto que o recolhimento condizente com o posicionamento do judiciário tem o condão de trazer maior competividade e efetuar a recuperação tributária do indébito tributário (últimos cinco anos), ou seja, fatores de extrema e elevada importância para “saúde” tributária das empresa.

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4 Decisão proferida em 16/11/2021

FOTO PRINCIPAL: Getty Images

Thiago Glucksmann

Advogado. Especialista em Direito Tributário e MBA/USP-FIPE em Economia de Empresas.
Professor em cursos de graduação, pós-graduação e extensão.
Membro da Comissão de Contencioso Tributário da OAB/SP
Membro do IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário), ABDF (Associação Brasileira de Direito Financeiro), IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças) e IBATT (Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transações Tributárias)
Experiência profissional em escritórios de grande relevância, empresa de auditoria, bem como em empresas multinacionais. Ambos com atuação no contencioso, consultoria, planejamento tributário e previdenciário.
Sócio da Bismara & Glucksmann Advogados