Além das demandas geradas pela pandemia da Covid-19, o Observatório de Causas Complexas atua em casos de grande repercussão
As estatísticas relativas à pandemia do novo coronavírus revelam dados crescentes desde o início de 2020, quando a doença se espalhou pelo planeta. O mesmo ocorre no Brasil, onde o problema alcançou todas as atividades. A questão sanitária e de saúde pública refletiu também no Poder Judiciário que, até o momento, registra mais de 230 mil ações envolvendo o tema. A informação é do CNJ.
Para responder às demandas com a urgência exigida pelo momento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) centralizou as ações relativas à pandemia no Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade, Grande Impacto e Repercussão. Iniciativa criada em parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Observatório recorre ao diálogo interinstitucional e ao uso de tecnologia para identificação e gestão de informações processuais para solução – com transparência e rapidez – de casos de grande repercussão social e alta complexidade.
Além das demandas geradas pela pandemia da Covid-19, o Observatório de Causas Complexas atua em casos de grande repercussão como os rompimentos das barragens em Mariana e em Brumadinho, o incêndio da Boate Kiss, a chacina de Unaí, o caso Pinheiro, na proteção dos povos indígenas e nas questões de segurança pública, de migrantes e refugiados e da preservação da Amazônia.
De acordo com o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, o Observatório de Causas Complexas cuida das grandes tragédias do Brasil e, por isso, gravita em torno da defesa dos direitos humanos. “Nesse particular, nós temos a oportunidade de mediarmos grandes conciliações que minimizem um pouco a dor dessas grandes tragédias, como ocorreu em Mariana e Brumadinho. Acho que é um papel que o Poder Judiciário deve exercer, porque, além da atividade de julgamento, é preciso saber que o Poder Judiciário também tem um segmento que realiza a denominada justiça social”.
A coordenadora do Observatório, conselheira do CNJ Maria Tereza Uille Gomes, reforça que o trabalho desenvolvido pelo Observatório tem o objetivo de estimular a celeridade no Sistema de Justiça para se obter a resolução de grandes casos. “Também trabalhamos na promoção de acordos extrajudiciais que atendam as partes para alcançar soluções de forma mais rápida”.
Outra conselheira envolvida nos trabalhos desde que o Observatório foi instituído, Ivana Farina enfatiza que a celeridade e a efetividade para o andamento das causas, bem como a abertura do Sistema de Justiça para a participação social das famílias de vítimas e partes atingidas são fatores que revelam a importância da iniciativa. “A principal contribuição do Observatório pode ser medida pelo conjunto de ações que ele tem conseguido intermediar de maneira eficaz e alcançar soluções consensuadas”.
A maior efetividade na solução de grandes conflitos, segundo Ivana Farina, ocorre a partir do impulso obtido pelo uso de tecnologia com instalação de painéis de informação de dados. “O estabelecimento de parcerias e a abertura para o diálogo direto entre as partes e com a sociedade civil também são elementos que contribuem para o sucesso do Observatório na condução dos casos”.
A conselheira do CNJ Flávia Pessoa, por sua vez, avalia que o Observatório consagra a união de esforços em benefício comum. “Essa é sua grande contribuição. Não apenas para o Poder Judiciário, mas para todo o Sistema de Justiça, na medida em que estabelece a integração necessária, tanto do ponto de vista dos ramos de justiça, como também, e principalmente, de todo o sistema”. Segundo ela, essa atuação conjunta possibilita não apenas acesso a dados para produção de diagnósticos mais efetivos, mas, principalmente, uma atuação ampla e preventiva.
No momento, a conselheira acompanha demandas que abordem temáticas de condenação do Brasil por Cortes Internacionais, a proteção aos povos indígenas e questões raciais. “É muito importante que o Poder Judiciário, para além de julgar as ações individuais que lhes sejam submetidas, seja também capaz de atender às grandes demandas e atuar em conjunto com outros atores para a prevenção e resolução de demandas de grande repercussão”.
Pandemia
A pandemia da Covid-19 provocou uma avalanche de processos nos diversos tribunais brasileiros e o caso mostrou a necessidade de uma ação mais efetiva do Poder Judiciário para responder às demandas. Com a integração do tema ao Observatório de Causas Complexas por meio da Portaria nº 57/2020, editada de forma conjunta pelo CNJ e CNMP, foi criado um Comitê de Crise para gerenciamento de dados e informações. “Estabelecemos diálogos com os diversos atores envolvidos na questão: Ministério Publico, Defensoria Pública e órgãos governamentais”, elenca Maria Tereza.
Ela explica que o primeiro passo foi detectar o número de processos relacionados à Covid-19, o que foi possível com criação de uma categoria especial com a utilização do termo “Covid-19” nas Tabelas Processuais Unificadas (TPUs). Com a verificação da existência de 232 mil ações no país, foi criado um painel de Business Inteligence (BI) com recorte para identificação dos casos. “Constatamos que o auxílio emergencial respondia por 171 mil processos distribuídos nos cinco tribunais regionais federais. Então, buscamos o Ministério da Cidadania para solucionar os problemas”.
A conselheira revela que, em busca de respostas rápidas, a estratégia do Poder Judiciário foi realizar reuniões semanais com os atores envolvidos e adotar um mecanismo de integração de dados. “Criamos um painel interinstitucional de dados. Repassávamos as informações para o Ministério da Cidadania e o Dataprev, que reprocessavam as demandas para certificar que não era problema do sistema, que foi reprogramado e passou a emitir dados corretos”. O uso da tecnologia aliada ao diálogo permanente, observa Maria Tereza, possibilitou uma resposta rápida a uma demanda da população carente, mesmo nesse momento de pandemia.
Além da concessão do auxílio emergencial, o Observatório de Causas Complexas identificou outros problemas gerados pela pandemia: a paralisação das perícias do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e a dificuldade de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) em função do isolamento social. “Identificamos 219 mil perícias paralisadas. Para superar o problema, em 30 de março do ano passado, o Plenário do CNJ aprovou a Resolução nº 317/2020, que autoriza teleperícias, ou seja, o uso de meios eletrônicos ou virtuais para exames em ações que discutem concessão de benefícios previdenciários ou assistenciais”.
A pandemia também levou o Observatório a atuar na proteção das comunidades indígenas isoladas e de contato recente da Região Amazônica. Maria Tereza destaca que, com a designação da tarefa, o Observatório concentrou as ações em questões como segurança alimentar, saúde e isolamento dos povos indígenas. “Essa temática passou a ser acompanhada coincidindo com o período da pandemia, até porque os indígenas têm uma vulnerabilidade maior, em especial aqueles índios isolados ou de recente contato, cuja imunidade é mais baixa e os mais suscetíveis às consequências da doença”.
Rompimento de barragens
As duas tragédias provocadas pelas atividades de mineradoras lançaram os holofotes sobre Minas Gerais. O rompimento de barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019) provocaram também uma corrida ao Poder Judiciário. O primeiro caso implicou na abertura de 88,6 mil processos em tribunais estaduais, trabalhistas e federais. O segundo acumula mais de 5,2 mil ações nos mesmos ramos da Justiça.
Em 2015, ocorreu o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, que deixou 19 mortos e desalojou várias famílias. Foi o maior desastre ecológico do país, com mais de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro extraídos pela Samarco Mineração S/A – joint-venture da Vale S/A e BHP Billinton – se espalhando por mais de 700 km do Rio Doce, que percorre Minas Gerais e Espírito Santo, onde deságua no Oceano Atlântico.
Na tragédia de Brumadinho, o maior acidente de trabalho da história do Brasil, o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, da Vale S/A, provocou a morte de 272 pessoas, das quais 11 permanecem desaparecidas. Foi este desastre que motivou a criação do Observatório de Causas Complexas. “Começamos com quatro casos emblemáticos: Brumadinho, Mariana, Chacina de Unaí e Boate Kiss. Organizando informações sobre processos, ouvindo familiares das vítimas, buscando o diálogo e os mecanismos para acelerar a tramitação processual”, explica Maria Tereza.
Ela destaca que, recentemente, sentença do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Minas Gerais, envolvendo o caso de Mariana, garantiu indenizações para mais de cinco mil trabalhadores que dependiam do Rio Doce para exercer atividades. Já no caso de Brumadinho, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) homologou, recentemente, acordo que garantiu o pagamento de R$ 37,7 bi pela Vale a título de reparação socioambiental.
Por meio do Observatório, ressalta a conselheira, pela primeira vez o CNJ sistematizou e publicou as informações processuais desses casos em painéis de BI na internet e tornou possível que as pessoas tenham maior conhecimento e acesso ao que aconteceu em cada processo. “Trata-se de uma medida que garante ainda mais transparência ao Poder Judiciário e permite que a sociedade, a comunidade acadêmica e não apenas os interessados, acompanhem o andamento das ações”.
Pinheiro
Os acordos firmados no “Caso Pinheiro” se inserem entre as ações mais exitosas conduzidas pelo Observatório de Causas Complexas. “Desenvolvemos um trabalho preventivo e conseguimos evitar um desastre que poderia alcançar grandes proporções”. A questão envolveu negociações para retirada e indenização de, aproximadamente, 42 mil pessoas moradoras de cerca de 20 mil imóveis nos bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto, localizados em Maceió, capital do Alagoas. Na região, foram registrados afundamentos do solo, abalos sísmicos, rachaduras nas ruas e residências, com ameaças de desabamento atribuías à extração de sal-gema pela petroquímica Braskem.
“O caso de Maceió é importante, porque houve prevenção de um desastre e o tempo de resposta para os atingidos foi muito rápido”, destaca Uille. A conselheira enfatiza que o Observatório não interfere na atividade jurisdicional e não interfere na atividade do Ministério Público. “Cada um resolve os seus processos, define os valores, faz os acordos ou julga os processos. Nisso, o Observatório, de maneira alguma, interfere”. O que ocorre, explica, é que o Observatório dá apoio, identifica onde estão os gargalos que, por ventura, existam no sistema e estimula o diálogo entre as instituições para viabilizar uma solução que beneficie às pessoas.
O risco envolvendo os bairros de Maceió foi identificado numa reunião do Observatório, conforme recorda Maria Tereza. Ela conta que a pauta tratava das tragédias de Mariana e Brumadinho com participação de representantes da Agência Nacional de Mineração (ANM). Questionados sobre a existência de outros casos que representavam riscos iminentes, eles apontaram a situação de Maceió. “Confesso que, até então, eu não tinha nenhum contato com essa questão. Essa reunião foi em setembro de 2019 e, logo em seguida, o tema foi incorporado ao Observatório”. Em janeiro de 2020, os acordos para remoção das famílias já estavam concluídos.
Outros temas
Maria Tereza avalia que os resultados foram positivos também nos outros temas que integram a pauta do Observatório. Na Chacina de Unaí, ela destaca que os processos, que estavam em meio físico, foram digitalizados, o que torna a tramitação mais célere. Oito pessoas foram denunciadas, sendo que três pistoleiros já cumprem pena e cinco mandantes, também condenados, aguardam em liberdade julgamentos dos recursos.
Em relação à tragédia da Boate Kiss, atualmente tramitam 752 processos no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) relativos ao caso. A conselheira ressalta que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou decisões relativas a questões atinentes ao Júri, que pode ser marcado em breve.
O Observatório também trabalhou, em conjunto com as Forças Armadas, na Operação Acolhida, desenvolvida para receber o grande número de imigrantes venezuelanos que chegaram ao Brasil por Roraima. Coube ao Poder Judiciário, por meio do Observatório, atuar na identificação, fornecimento de documentação e regularização dos imigrantes para posterior interiorização para outros estados.
FONTE: CNJ | FOTO: Arte CNJ