Para advogado e pesquisador em Direito e Inovação, a ciência de dados, aliada às novas tecnologias disponíveis, pode vir a ser um divisor de águas no que diz respeito à mudança de concepção e manuseio das jurisprudências na argumentação jurídica e no convencimento do julgador

Pedro Lima Gondim de Farias, advogado e pesquisador em Direito e Inovação pelo Cascudo Jurilab

O avanço científico sempre protagonizou profundas modificações na vida em sociedade e nas formas de trabalho. O Direito, intimamente ligado ao fenômeno social, não poderia deixar de sentir os reflexos dessas mudanças, e os profissionais do meio jurídico tampouco escapariam a isto também.

Acontece que, hoje, as transformações têm se dado em uma velocidade exponencial, característica, especialmente, da 4º revolução que vivemos: a era digital.

Um forte traço desse novo quadro vivido é a produção imensa de dados. Inclusive, para se ter um dimensionamento do fenômeno, num artigo publicado pela BBC estúdios viu-se que, a cada minuto, a Google recebe 4 milhões de buscas; os usuários do Facebook publicam por volta de 4 milhões de postagens; 300.000 (trezentos mil) fotos são compartilhadas pelo Whatsapp. Significa dizer que, se você levou 30 segundos para ler esse parágrafo, metade desses eventos já aconteceram e todo esse conteúdo foi gerado, revelando a intensidade informacional.

Tal realidade impulsionou o surgimento de uma nova seara da ciência, que busca dar finalidade útil aos dados gerados nas mais variadas esferas. À esse campo de estudo dá-se o nome de ciência de dados. Interessa-nos que tal ciência se aproximou do Direito, sob título de “legal analytics”, ou mesmo “Jurimetria”, e objetiva analisar os dados diariamente produzidos no mundo jurídico, de tal modo a orientar as condutas; tomada de decisões; entre outras funções, com base em análises objetivas da ciência jurídica e da vivência diária do profissional.

Sabe-se, então, que a aplicação dessas novas tecnologias têm adentrado a própria esfera da prática jurídica, seja nas peças, nas teses, nas análises de perfis de julgadores, entre outras inúmeras possibilidades. Diante disso, ampliando o leque dos impactos jurídicos, questiona-se: a ciência de dados pode mudar, por exemplo, a forma como o advogado enxerga, utiliza, e apresenta a jurisprudência em seus serviços?

No campo processual, é comum que a argumentação jurídica passe por uma tríade: lei, doutrina e jurisprudência. Esta última é uma ferramenta importante no convencimento do interlocutor da informação, usualmente, o juiz. Trata-se, em verdade, da utilização de decisões ou julgamentos já proferidos e que, em maior ou menor grau, servem como orientação da tese jurídica mais razoável ou predominante no direito diário.

Ocorre que, muitas vezes, o advogado tende a usar uma ou duas jurisprudências adequadas, por não conseguir reuni-las de maneira melhor.

Do mesmo modo, não é ideal que se ponha na peça uma quantidade alta de ementas, mesmo que favoráveis, sob pena de ter uma peça extensa, não atrativa à leitura, e sabemos, enquanto advogados, que isso é perigoso e desvantajoso.

Ademais, não raro, é possível ver peças jurídicas que utilizam jurisprudências isoladas, cujo teor é um entendimento não dominante, mas que dentro da argumentação são travestidas de orientação adequada.

Levando em consideração o contingente altíssimo de demandas jurídicas no Brasil, não é difícil que falte ao magistrado tempo de “filtrar” a veracidade daquela suposta predominância, e deixe-se levar pelo entorno feito na peça.

São as ementas isoladas que, apesar de lograrem êxito por vezes, não expressam senão um entendimento casuístico que não coaduna com o direito predominante.

É nesse ponto que, diante dos problemas mencionados, a ciência de dados, aliada às novas tecnologias disponíveis, pode vir a ser um divisor de águas no que diz respeito à mudança de concepção e manuseio das jurisprudências na argumentação jurídica e no convencimento do julgador.

Considerando a disponibilidade das jurisprudências no meio virtual, a vantagem da ciência de dados, aplicada ao Direito, é a de reuni-las em conjunto, de maneira sistematizada, formando dados estatísticos, específicos e sólidos. Isso porque, apenas o fato de ter ferramentas de busca de jurisprudências não muda efetivamente o modo com as empregamos em peças. Em geral, não há relatórios claros, não há uma transformação objetiva na forma de apresentá-las, o que muito provavelmente não é um ponto positivo.

É por isso que, com ciências como a jurimetria ou mesmo outras metodologias que estruturam qualitativamente os dados, novas alternativas se apresentam. Se antes o advogado anexava esparsos julgados para sustentar determinado ponto de vista, como é a praxe que nos é ensinada nos bancos universitários, agora, com a cada vez mais acentuada disseminação de tecnologias como a análise de dados, poderiam acostar estatísticas massificadas de determinado entendimento jurídico, evidenciando, com objetividade, a predominância favorável de uma tese.

Seria, por exemplo, como trazer centenas de decisões judiciais, visual e objetivamente mais agradáveis e úteis, em seu favor ao invés de uma, duas ou três.

O chamado advogado 4.0/5.0, ou seja, aquele que busca adequação a esse novo cenário, pode enxergar na análise de dados jurisprudenciais uma forma mais eficiente, objetiva e útil de persuadir seus interlocutores acerca de determinado entendimento jurídico. A visão do leitor, seja juiz ou outro ator processual, relativamente ao tema, passa de uma visão casuística do julgado para um visão mais ampla, uma visão de contexto do cenário jurídico.

Vale mencionar, ainda, que existem diversas lawtechs, (startups do mundo jurídico) que se dedicam a estruturar e lapidar os dados jurídicos disponíveis, com objetivo de fornecer ao operador do direito, o advogado nesse caso, a essência útil das informações que lhe rodeiam. É interessante que elas se tornem aliadas dos advogados, visto que isso dribla barreiras e terceiriza, momentaneamente, a necessidade de ter conhecimento técnico na seara tecnológica. (Para encontrar lawtechs fica a sugestão de acessar o radar da AB2L.org.br)

Ademais, a aplicação dessas novas metodologias não contribuiria apenas para o êxito individual do advogado. Pelo contrário, levando-se em conta que a segurança jurídica, a isonomia relativa das decisões judiciais, e a uniformidade do Direito são elementos caros ao ordenamento pátrio, haveria também uma contribuição à comunidade jurídica, porquanto favorece uma visão de contexto jurídico mais uníssona e ameniza sobremaneira a vitória das ementas isoladas.

Por fim, é provável que a ciência de dados ofereça alternativas inovadoras à apresentação de teses jurídicas, modificando a forma atual de manusear as ementas jurisprudenciais.

Evidente, todavia, que não se pretende esgotar, nem aprofundar, a temática. Sem dúvida, esse texto é mero instigador da questão e restam ainda inúmeras perguntas que, por hora, não possuem resposta: A aplicação da análise de dados seria dar privilégio ao volume? Trata-se de uma valorização do commom law ? Os relatórios vem com a descrição específica do julgado? A disponibilidade desses serviços é acessível?

Apesar disso, fica o convite ao tema, um convite ao pensamento a respeito das novas perspectivas que nos aguardam. Nessa jornada da advocacia, em tempos tão curiosos e inovadores, é necessário explorar.

Pedro Lima Gondim de Farias é Advogado, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisador em Direito e Inovação pelo Cascudo Jurilab