Resistência da própria área do Direito a startups está sendo superada com necessidade de escritórios continuarem funcionando durante pandemia

À sombra do sucesso de setores como fintechs, de serviços financeiros, e edtechs, de educação, as lawtechs (ou legaltechs) passaram quase despercebidas nos últimos anos. Voltadas para serviços jurídicos, essa categoria de startups enfrentava resistência da própria área do Direito. Em meio à pandemia, porém, elas ganharam um novo gás: com escritórios e órgãos públicos fechados, os serviços dessas startups tiveram aceitação. “Foram 5 anos de avanço em 5 meses”, diz Daniel Marques, diretor executivo da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs, a AB2L. A reportagem está no portal Link, no site do Estadão.

O que antes parecia uma tentativa curiosa de transformar a área, tornou-se a principal opção para manter as atividades. É o caso, por exemplo, da digitalização de documentos, frente onde atua a Docket. “O processo de busca e obtenção de documentos era artesanal. Era preciso ir presencialmente até um órgão público pegar um processo. A quarentena escancarou que era preciso mudar”, afirma Pedro Roso, presidente executivo da Docket, que é dona de uma plataforma digital que ajuda empresas a solicitarem e gerirem seus documentos, desde controles fiscais até liberação de crédito — para fazer essa ponte, a startup mantém conversas com mais de 10 mil órgãos públicos por mês, em média.

Fundada em 2016, a Docket, que atende clientes como Itaú, CPFL e Loft, viu a demanda pela sua plataforma aumentar nos últimos meses e projeta um crescimento de 100% no segundo semestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. Suporte financeiro existe: no início do ano, a Docket recebeu um aporte de aproximadamente R$ 35 milhões, com a participação dos fundos de investimentos KaszeK, Valor Capital, ONEVC, Canary e Wayra. “Ainda estamos entendendo as transformações do mercado, mas a ideia é focarmos em desenvolvimento de tecnologia”, diz Roso.

Daniel Marques, da AB2L, explica que a aceleração do setor aconteceu principalmente no segundo trimestre. “Em um primeiro momento, houve diminuição pela busca de novos produtos e serviços. Mas depois rapidamente vimos uma aceleração na adoção de tecnologias jurídicas”, observa. E há áreas do Direito com potencial especial: “Além da digitalização de documentos, estamos vendo crescimento de startups de conciliação e mediação online, devido à suspensão dos prazos.”

Na área de conciliação, um nome que tem se destacado é a startup carioca Sem Processo, que levantou investimento no início deste mês – o aporte não teve valor revelado, mas foi feito pelo fundo Primatec, que tem R$ 100 milhões em administração na carteira. A startup, que está há quatro anos no mercado, tem uma plataforma que conecta advogados a departamentos jurídicos de empresas para que eles possam negociar acordos legais e evitar que uma ação tenha de ir à Justiça – advogados podem se cadastrar gratuitamente na plataforma, enquanto empresas pagam a cada acordo fechado.

“Com o Judiciário parado e as pessoas dependendo financeiramente dos acordos, a conciliação ganhou força”, diz o advogado Bruno Feigelson, fundador da startup. A empresa, que processa 20 mil casos na plataforma por mês, planeja crescer 200% até o fim do ano. Para isso, pretende fechar 2020 com 100 funcionários – hoje são 50.

Recepção
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a aproximação dos advogados com a tecnologia era inevitável por conta do trabalho remoto. “Sempre houve muito protecionismo no Direito para que a tecnologia não ocupe a função do advogado. Agora ficou evidente que os advogados que usarem ferramentas vão sair na frente”, afirma Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups).

É nisso que acredita a advogada Karla Capela Morais, fundadora da startup Koy, que usa inteligência artificial para acelerar e automatizar processos – os clientes pagam a assinatura da plataforma com base na quantidade de processos. “Criei a Koy para resolver um problema que eu mesma tinha no meu escritório. Estamos falando de visões tecnológicas que resolvem burocracias na nossa rotina”, diz ela. A Koy, sediada no Recife, já gerenciou cerca de 35 mil processos desde sua fundação em 2018. Segundo a empresa, o serviço, que usa a tecnologia de inteligência artificial Watson, da IBM, faz em seis segundos o que um advogado leva duas horas pra fazer.

O afrouxamento de regulamentações durante a pandemia também foi um ponto a favor das lawtechs. “O setor é muito regulamentado, já que é preciso tomar todas as precauções para que não haja fraudes. Mas, nos últimos meses, a flexibilização de regras deu espaço para soluções tecnológicas”, diz Gustavo Gierun, cofundador da empresa de inovação Distrito.

Quem sentiu na pele essa transformação foi a startup Contraktor, que tem um serviço gratuito de assinatura digital e também uma plataforma paga que ajuda na gestão de contratos digitais de empresas e escritórios. “Estamos há três anos no mercado e agora vimos a chave virar. Durante a pandemia nossa base de usuários cresceu de 15,8 mil para quase 122 mil e, quanto ao faturamento crescemos 180% de julho de 2019 até julho deste ano”, afirma Bruno Doneda, fundador da startup.

Para Pinho, da ABSturtups, o boom de lawtechs não é fogo de palha. Ele faz parte de um movimento maior na inovação: “Todos os setores que não eram ainda ‘startupeiros’ agora estão vindo como uma onda forte. Isso inclui a parte de agronegócio, saúde e também do Direito.”, diz ele. “Esses mercados internos são muito fortes e há uma população carente de serviços”. Vitória das lawtechs.

Lei Geral de Proteção de Dados também impulsiona lawtechs
As startups de Direito também ganharam um novo espaço com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), cuja sanção presidencial completou dois anos em 14 de agosto. Apesar do imbróglio da definição da vigência da legislação, startups já estão nascendo com o objetivo de ajudar empresas a se adequarem às novas regras.

Foi dessa ideia que nasceu a startup carioca Dados Legais em maio de 2019. A empresa oferece uma plataforma que conecta empresas aos consumidores que pretendem fazer a solicitação de seus dados pessoais. “Observamos que na Europa, que tem uma lei de proteção de dados, houve uma dificuldade de as empresas garantirem que os titulares de dados exerçam seus direitos. Pensamos, então, em uma forma de automatizar esse processo”, conta Luiza Leite fundadora da Dados Legais, que tem 23 anos e é formada na área de Direito.

A startup atende hoje 50 empresas de diversos setores como varejo e seguros – no início do ano eram apenas 20. O pedido de revisão de dados pelos consumidores é gratuito, e as empresas pagam mensalidades de até R$ 600.

FONTE: Link, Estadão | FOTO: Pixabay