A juíza Patrícia Vialli Nicolini, da 1ª Vara Cível da comarca de Cambuí (sul de Minas), decidiu recorrer a versos rimados para proferir sentença em um caso em que um consumidor, sentindo-se enganado ao comprar uma carne, decidiu entrar na justiça pedindo danos morais.

A magistrada explicou que decidiu fazer a sentença em forma de poema para chamar a atenção das pessoas sobre a decisão e, assim, levar um recado para a população sobre a banalização do dano moral.

Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o consumidor entrou com o pedido de indenização por danos morais afirmando que comprou a peça de carne como se fosse picanha, só descobrindo que havia sido enganado pelo supermercado onde fez a compra depois de assar o produto, durante um churrasco.

Ele afirma ter tentado devolver o produto, sem sucesso, por isso registrou boletim de ocorrência e decidiu entrar na Justiça, pedindo que o estabelecimento comercial fosse condenado a indenizá-lo em R$ 15 mil por danos morais, já que se sentiu humilhado com o ocorrido. O pedido foi julgado improcedente.

“Nós entendemos que houve desproporcionalidade entre o valor gasto e o pedido de danos morais”, avaliou a juíza, ressaltando que, para requerer os direitos, o consumidor poderia ter procurado outros caminhos.

“Ninguém pode se enriquecer às custas de uma situação que poderia ser resolvida com uma conversa ou com o Procon, por exemplo”, lembra a juíza, explicando que o uso de poema diante de situações peculiares alerta as partes e os advogados para a importância de buscarem soluções que não necessariamente passem pelo Poder Judiciário.

Der acordo com a magistrada, recorrer a versos para sentenciar também é uma forma de ser mais leve, diante do atropelo do dia a dia. “O Judiciário é bastante assoberbado, com inúmeros processos e situações dramáticas de vida, de morte, de valores. Quando você se depara com uma situação como essa, é uma forma de descontrair”, acrescenta.

A magistrada ressalta que o dano moral é aquele que atinge a personalidade, o íntimo do ser humano. “Trata-se de um direito garantido pela Constituição Federal e pelo Código Civil. Ele precisa causar um abalo psíquico e uma situação que vai além da rotina”, afirmou.

No caso em tela, ela avaliou que o ocorrido havia gerado mero aborrecimento. “Nossa personalidade, nossa cidadania e nossa dignidade vão muito além de um desacordo comercial”, acrescentou.

A sentença

“Vou lhe contar um fato, que é de arrepiar! O homem foi ao supermercado, para picanha comprar. Iria de um churrasco participar. Comprou picanha fatiada, quis economizar! Na festa foi advertido, o tira-gosto estava duro, comentou após ter comido. Seu amigo atestou, não era picanha não! Bora reclamar, para não ficar na mão. A requerida recusou, não quis a carne trocar. Por tal desaforo, resolveu demandar. Queria danos morais, como forma de enricar e picanha verdadeira comprar”, iniciou a magistrada, por meio de versos.

A juíza prossegue, negando o pedido. “Este fato tenho que decidir, com bom senso agir. Dar o desate à lide e o processo concluir. O pedido é improcedente. Se a carne não era de qualidade, era bem verdade. Mas para tanto não presta. A gerar danos morais, compelir indenização, pelo mau gosto da peça. Troque de fornecedor ou sem muita dor, compre a carne correta! Para encerrar esta demanda, nem indenização nem valor gasto. Finde-se o processo e volte-se com o boi ao pasto”.

Após julgar improcedente o pedido, a magistrada afirmou restar “A todos censurar. E o presente feito encerrar”. Após mais alguns versos concluiu: “Publique-se, pois findo o julgamento. Registre-se para não cair no esquecimento. Intime-se para conhecimento.” Abaixo, o poema-sentença na íntegra:

Vou lhe contar um fato,

que é de arrepiar!

O homem foi ao supermercado,

para picanha comprar.

 

Iria de um churrasco participar.

Comprou picanha fatiada,

quis economizar!

 

Na festa foi advertido,

o tira-gosto estava duro,

comentou após ter comido.

 

Seu amigo atestou,

não era picanha não!

Bora reclamar,

para não ficar na mão.

 

A requerida recusou,

não quis a carne trocar.

Por tal desaforo,

resolveu demandar.

 

Queria danos morais,

como forma de enricar

e picanha verdadeira comprar.

 

Este fato tenho que decidir,

com bom senso agir.

Dar o desate à lide

e o processo concluir.

 

O pedido é improcedente.

Se a carne não era de qualidade,

era bem verdade.

 

Mas para tanto não presta.

A gerar danos morais,

compelir indenização,

pelo mau gosto da peça.

 

Troque de fornecedor

ou sem muita dor,

compre a carne correta!

 

Para encerrar esta demanda,

nem indenização nem valor gasto.

Finde-se o processo

e volte-se com o boi ao pasto.

 

Posto isto e algo mais a considerar!

A lide é improcedente, nada há a indenizar.

Resta a todos censurar.

E o presente feito encerrar.

 

Ao pagamento das custas condeno o autor.

Dos honorários também.

Amparado pela Justiça Gratuita, estes ficam suspensos.

Que nada se cobre de ninguém.

 

Publique-se, pois findo o julgamento.

Registre-se para não cair no esquecimento.

Intime-se para conhecimento.

P. R. I.

Cambuí, 15 de outubro de 2018.

Patrícia Vialli Nicolini

Juíza de Direito

 

FONTE: TJMG

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