
A palavra das vítimas de estupro e outros crimes sexuais é fundamental para a elucidação dos casos. Porém, a condenação deve ser afastada quando existem incoerências nos fatos relatados e a acusação não produz outras provas.
Assim entendeu a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná ao inocentar um homem que havia sido condenado a 13 anos e seis meses de reclusão em regime fechado por estupro de vulnerável. A decisão atendeu aos pedidos de sua defesa em uma revisão criminal, tipo de ação que busca reverter uma sentença que transitou em julgado.
O réu foi condenado pela prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra uma de suas netas. As crianças moravam com ele e a esposa.
O crime teria ocorrido em 1º de janeiro de 2010, dentro de um ônibus que, segundo a acusação, pertenceria ao réu. Em juízo, ele negou o crime. Também negou ser dono de um ônibus.
A defesa do condenado pediu a revisão da sentença com base em contradições nos depoimentos da vítima. Em uma das versões da história, ela teria nove anos. Em outra, sete.
Também há divergência em relação a quando a vítima teria revelado o crime. Em um depoimento, isso teria acontecido três anos e seis meses após o abuso. Em outro, ela teria revelado cerca de cinco meses depois.
Além disso, novas provas da inocência do réu foram apresentadas. Registros do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) mostram que ele não possuía um ônibus à época em que o crime teria acontecido. E um documento da empresa de transporte na qual ele trabalhava informou que os empregados não ficam com os veículos de trabalho fora de seus expedientes.
Por fim, uma missionária que atendeu a vítima prestou depoimento dizendo que a criança teria afirmado ser mentira o abuso. De acordo com esse relato, a criança explicou que falou aquilo porque queria morar com a mãe e não com os avós.
Obscuridades dos fatos
O relator do caso, desembargador João Domingos Küster Puppi, ressaltou a existência de contradições e “obscuridades” na história: “A única prova existente é a palavra da vítima, uma vez que o crime teria ocorrido quando ela estava sozinha com o réu, dentro de um ônibus. Assim, seria necessário que os fatos narrados por ela fossem totalmente coerentes, não havendo qualquer margem para dúvida”.
“Nesses crimes a palavra da vítima é fundamental, mas no caso em tela, verifica-se que a palavra da vítima é vaga, e não há quaisquer outras provas de que o abuso tenha ocorrido. Ante o fato de existir dúvida não há como condenar o réu pelo crime. Pois, não é tolerável presumir culpa para firmar juízos de culpabilidade, se assim for, estar-se-á condenando com base em ilações, em meras conjecturas, o que é inadmissível à luz do princípio ‘in dubio pro reo’. Conclui-se, portanto, que o conjunto probatório é dúbio e incongruente. O esteio probatório se mostra insuficiente à distinção da materialidade delituosa e também a autoria pelo crime de estupro de vulnerável. Assim, não vislumbro a existência de provas seguras para ensejar a condenação do apelado.”
Votaram com o relator os desembargadores José Américo Penteado de Carvalho, Mario Nini Azzolini, Humberto Gonçalves Brito e Antonio Carlos Choma.
O advogado Vitor Pereira Pacheco representou o acusado na ação. “A decisão resultou de um trabalho que se iniciou com uma investigação defensiva que objetivou a coleta de novas provas. Alistamos novas testemunhas e uma série de documentos angariados em entidades públicas e privadas”, disse em nota à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Processo: 0060352- 63.2024.8.16.0000
FONTE: Conjur | FOTO: Reprodução/Caroline Martins