TERRAS RARAS: NEM TERRAS NEM RARAS

Parafraseando o Professor Simon Rosental[1] as impropriamente denominadas de terras raras são na verdade minerais encontrados em abundância no meio ambiente, logo, diferindo da conceituação de crosta terrestre (terra) que nada mais é que a camada mais externa do nosso Planeta com composição mineral formada em sua maioria por oxigênio, silício, alumínio, magnésio, potássio, sílica, entre outros.

O grupo mineral terras raras é composto por dezessete ou quinze elementos químicos, a depender da classificação adotada[2], e são classificados como da família dos lantanídeos, exceptuando-se o ítrio e o escândio, e cujas densidades são subdividas em leves, médios e pesados.

De usos diversos, a sua pretensa raridade está muito mais alicerçada na complexidade da sua extração do que à primeira vista na errônea pequena quantidade de suas jazidas, já que catalogadas podem ser citados como maiores detentores de ditos recursos naturais a China (quarenta e quatro milhões de toneladas), Brasil (vinte e um milhões de toneladas), Rússia (doze milhões de toneladas), Índia (seis vírgula nove milhões de toneladas), etc.

Dessa forma, ditos recursos minerais são geralmente encontrados como partes integrantes de outros minérios, principalmente, a bastnaesita, o ion adsorption clays, a monazita, a xenotima e a apatita, assim, o túlio que é o mineral terras raras menos abundante é tão comum quanto o bismuto e mais farto em ambiente natural do que o arsênio, cádmio, mercúrio e selênio.

De extração complexa haja vista o seu natural consórcio com outros minerais de características químicas assemelhadas, os principais detentores de desenvolvimento tecnológico para o beneficiamento das terras raras são os Estados Unidos, China, Índia, Japão, França e Áustria, possuindo os três primeiros além de tecnologia as suas próprias jazidas.

A China com cerca de quarenta e oito vírgula quatro por cento (48,4%) das terras raras conhecidas no Mundo e um procedimento avançado de extração e beneficiamento daqueles minerais, bem como ainda uma baixíssima preocupação com as questões ambientais, deverá manter a sua hegemonia quanto à produção mundial, porquanto o seu sistema produtivo garante a oferta de mais de cem produtos originários de ditos minérios.

Por fim, apesar de deter algo em torno de um quinto das reservas catalogadas no Mundo, qual seja,  vinte e um milhões de toneladas de um total de aproximadamente noventa milhões de toneladas, o Brasil contribui com a produção mundial com apenas oitenta toneladas (80t, 2023) de um total de trezentos e setenta e cinco vírgula nove mil toneladas (375.900t, 2023), logo, com apenas zero vírgula zero dois por cento (0,02%) aproximadamente, tendo o seu ainda incipiente mercado consumidor interno abastecido pelas importações chinesas, cujos agressivos preços desestimulam o desenvolvimento de uma produção nacional de terras raras.

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[1] Capítulo sobre Terras Raras no livro Rochas & Minerais Industriais, Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), 2005, 2ª edição em 2008.
[2] Cério, európio, lantânio, neodímio, disprósio, ítrio, lutécio, itérbio, túlio, gadolínio, praseodímio, érbio, sumário, térbio, hólmio (+ escândio e o promécio).

Usos e Aplicações: O Porquê de Tamanha Evidência

 Recentemente, a gestão Donald Trump, em mais uma de suas iniciativas pouco realistas de implementar o slogan de sua campanha presidencial make America great again, noticiou a pactuação com o governo da Ucrânia de um acordo de compensação financeira pelos investimentos pecuniários americanos no esforço de guerra ucraniano que escorar-se-á no seu direito de lavra de terras raras naquela   Nação,  naturalmente informações difundidas com o grau de superficialidade que permeia a atual geopolítica estadunidense e exploração que, caso venha a ocorrer, desenvolver-se-á ao sul do denominado “maciço cristalino ucraniano”, cujo controle de fato hodiernamente está com a Rússia após a sua invasão àquele País.

Classificados pela Agência Geológica dos EUA como “cruciais para a economia e para a segurança nacional dos Estados Unidos”, os americanos detêm altas capacidades produtiva e tecnológica, entretanto, uma pequena reserva mineral de terras raras (um vírgula nove milhão de toneladas), logo, ampliar as suas fronteiras exploratórias é fundamental para competir em paridade de condições com a China nos campos tecnológico e bélico, como poderá ser visto um pouco mais à frente.

As terras raras são minerais com excepcionais características magnéticas e de condutividade, cujo uso industrial dar-se em decorrência de serem eficientes emissores de luz (lâmpadas leds, telas de computadores, televisores em cores e celulares, por exemplo); marcadores ópticos (autenticidade de documentos por intermédio de luminescência); tratamentos superficiais de materiais metálicos (proteção contra desgaste, ferrugem ou oxidação); catalisadores automotivos; siderurgia (agente dessulfurante); catalisadores para craqueamento de petróleo em refinarias; ressonância magnética nuclear; cristais geradores de laser; supercondutores; turbinas eólicas; placas solares; baterias de automóveis eletrificados; indústria bélica (mísseis); etc.

Dessa forma, existem estudos que apontam que até 2034 a demanda mundial por terras raras deverá crescer em até seis vezes, sendo possível justificar dito aumento de demanda pelas expectativas de aumento da frota de veículos eletrificados, porquanto estes demandas em até seis vezes mais estes insumos minerais do que os carros convencionais, nessa senda, automóveis eletrificados exigem em sua composição até seis vezes mais terras raras do que um automóvel convencional, outrossim, o natural crescimento das fontes alternativas de energia solar e eólica também são indutores do crescimento da demanda por ditos minerais.

E Qual o Papel do Brasil Nesta Discussão

Como visto acima, o Brasil ocupa a privilegiada segunda posição no ranking das maiores reservas de terras raraconhecidas, entretanto, o expressivo quantitativo destes recursos naturais não significa proeminência na sua participação de mercado, logo, com um parque tecnológico ainda tímido se levarmos em consideração as dimensões continentais do País, bem como a capacidade de consumo do nosso povo, além da maioria dos equipamentos que compõem as matrizes energéticas solar e eólica serem produzidos em outros países, o pouco que é utilizado pelo mercado interno é integralmente adquirido dos chineses.

Dessarte, a capacidade produtiva brasileira corresponde em números das trezentas e setenta e cinco vírgula nove mil toneladas (375.900t, em 2023) de terras raras produzidas no Mundo apenas oitenta toneladas (80t, em 2023) foram produzidas no Brasil, o que corresponde a aproximadamente zero vírgula zero dois por cento (0,02%) da produção mundial.

Entretanto, apesar do desproporcional contexto acima descrito nem sempre o Brasil teve tão simplório papel na cadeia produtiva mundial de terras raras, dessa forma, a extração nacional historicamente foi alicerçada em maior medida num mineral denominado de monazita, qual seja, mineral encontrado em placers marinhos, tais como areias de praia, paleopraia (sob a forma de cordões paralelos às praias atuais, distantes a centenas de metros destas e onde eram praias há milhões de anos), e deltas de rios, dos quais também são obtidos os elementos radioativos tório e urânio.

Graças as suas características luminescentes, a monazita (nitrato de tório) foi utilizada pelos serviços de iluminação pública a gás entre o final do século XIX e o começo do século XX, enquanto durante a Segunda Guerra Mundial a extração daquela (urânio) foi novamente impulsionada agora pela indústria militar.

Outrossim, a produção brasileira de terras raras foi também impulsionada no final da década de 1940 pela instalação do parque fabril da ORQUIMA – Indústrias Químicas Reunidas S/A, situada na Cidade de São Paulo/SP, e cuja exploração era fundada na monazita a partir da sua planta na UPRA – Usina de Praia, pertencente à Sociedade Comercial de Minérios Ltda. (SULBA), no Município de São Francisco de Itabapoana/RJ. As características radioativas da monazita ensejaram a estatização das operações da SULBA no ano de 1960 pela CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear, bem como a assunção de parte da própria ORQUIMA por intermédio do mesmo ato governamental.

É importante ressaltar que o tratamento químico da monazita foi implantado pela ORQUIMA a partir dos melhores padrões tecnológicos encontrados no Mundo, logo, desenvolvimento tecnológico amparado em pesquisa científica de excelente padrão, que foi responsável por inovações que foram capazes de lançar no mercado diversos produtos inovadores para a época.

Após a malsinada estatização, as operações que advieram da ORQUIMA na USAM – Usina Santo Amaro tangenciaram entre avanços e retrocessos que foram responsáveis por determinar o apequenamento da extração e beneficiamento das terras raras pelo Brasil, o que sem sombras de dúvida ajuda a explicar um pouco como a falta de políticas públicas para o setor foram responsáveis pelo atraso nacional na exploração de importantíssima riqueza mineral.

Por fim, em face da guerra tecnológica hodiernamente capitaneada pelas principais nações do Mundo, com enfoque na queda de braços entre Estados Unidos e China, dificilmente o Brasil superará anos de atraso decorrentes de políticas públicas equivocadas, logo, somente restar-nos-á, caso sejamos hábeis, funcionarmos como exportador de matéria-prima sob a égide de cooperação técnica para fins de desenvolvimento tecnológico nacional.

FOTO: Alan Thomas Pexels