Aumento da taxa de juros, inflação alta e diminuição do consumo online com o arrefecimento da pandemia estão entre as causas do derretimento

Algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, as chamadas big techs, não sentirão saudade do ano que está se encerrando. Em 2022, gigantes como Google, Facebook, Apple, Amazon e Netflix – que compõem o grupo conhecido como FAANG – perderam, somadas, US$ 7,5 trilhões (quase R$ 40 trilhões) em valor de mercado, de acordo com um levantamento da rede americana CNBC.

Em um ano, essas companhias viram suas ações desabar. Se, no fim de 2021, o índice da Nasdaq, onde estão listadas as maiores empresas de tecnologia do mundo, havia atingido o valor mais alto da sua história, alavancando os papéis das big techs, hoje o cenário é completamente distinto.

Desde novembro de 2021, a Nasdaq acumula perdas de quase 30%, puxada para baixo pelas ações de Meta (empresa controladora do Facebook), Apple e Amazon, que caíram, respectivamente, 68%, 12% e 50%.

Na terça-feira (27/12), os papéis da Apple atingiram o patamar mais baixo desde junho do ano passado, negociadas a US$ 130 (R$ 685,50). Considerando apenas 2022, o tombo é de 30,42%.

Derretimento dos papéis na B3
Na B3, a Bolsa de Valores brasileira, o cenário é semelhante. Até quarta-feira (28/12), as ações da Meta eram cotadas a R$ 21,53. No dia 28 de dezembro de 2021, elas valiam R$ 69,65 (uma queda de 69%) .

Ainda na B3, as ações da Amazon desabaram de R$ 48,21 para R$ 21,54 no mesmo intervalo de um ano, o que corresponde a um recuo de cerca de 55,3%.

Dona do Google, a Alphabet não escapou do derretimento das big techs na Bolsa, de um ano para cá. Os papéis da empresa caíram de R$ 69 para R$ 37,81, (-45,2%). A Apple, por sua vez, viu as suas ações despencarem de R$ 50,31 para R$ 33,05 (-34,3%).

Por fim, os papéis da Netflix na B3 foram de R$ 68,40 para R$ 29,01 (-57,5%).

O que explica a derrocada
Segundo economistas ouvidos pela reportagem do Metrópoles, uma combinação de fatores ajuda a explicar o tombo das ações das big techs, entre 2021 e 2022. Entre eles, está o movimento global de aumento das taxas de juros da economia.

A alta do custo do crédito torna mais atraentes investimentos em bônus do Tesouro dos Estados Unidos. Com isso, boa parte do fluxo de capitais é redirecionado para esses ativos, considerados mais seguros. A consequência desse movimento é o esfriamento da economia e a diminuição do lucro das empresas. O lucro menor implica a desvalorização das suas ações.

Para Jader Lazarini, analista CNPI do TradeMap, o tombo das big techs é proporcional ao crescimento que tiveram na última década. “Essas empresas cresceram, nos últimos 10 anos, com dinheiro muito fácil, muito barato, e aceleraram esse processo durante a pandemia, quando a taxa de juros estava baixa na maior parte do mundo, inclusive no Brasil. A derrocada é proporcional quando os juros sobem, já que elas tiveram essa expansão anterior muito acelerada”, afirma.

Some-se à redução da atividade econômica o aumento da inflação, causado pela alta do preço do petróleo, principalmente, que impacta diretamente todas as cadeias de produção. O resultado é que as pessoas tendem a gastar menos com itens não tão essenciais.

Houve uma queda expressiva, por exemplo, na venda de celulares, notebooks e tablets. Em todo o mundo, as remessas de smartphones caíram 9% no trimestre encerrado em setembro, segundo a empresa de pesquisa de mercado Canalys. Em novembro, a Apple reduziu sua estimativa de produção de aparelhos iPhone 14 em 3 milhões, na comparação com a projeção feita no início do ano.

Com o arrefecimento da Covid-19, a explosão do consumo online diminuiu, o que também prejudicou o mercado de tecnologia. Foi justamente o boom durante a pandemia que provocou o crescimento exponencial dessas empresas. Ao que tudo indica, ele não era sustentável no médio e longo prazos.

“O exagero nas declarações na mídia e redes sociais e o peso de influencers e casas de análise que fizeram recomendações efusivas serviram de combustível para o aumento dos preços das ações em um cenário de euforia, excesso de liquidez e apetite por risco”, avalia Isac Costa, professor do Ibmec e especialista em tecnologia.

“A queda das ações do setor de tecnologia foi maior porque sua valorização anterior foi mais exagerada que a dos demais setores. Assim, o choque de realidade na convergência entre valor de mercado e fundamentos econômicos foi mais intenso”, explica.

Segundo Costa, as big techs também têm sofrido com a atuação mais incisiva dos órgãos reguladores nos Estados Unidos e na Europa. “Elas têm passado por alguns reveses específicos, desde ações concorrenciais, como nos casos de Facebook, Google e Apple, até questões como o aumento do custo de mão de obra e a elevada rotatividade de funcionários”, afirma.

“O cenário pós-pandemia trouxe à tona a flutuação na produtividade dos funcionários e a tensão quanto ao retorno ou não aos escritórios. O caso do Twitter ilustra esse debate”, completa Costa. Neste ano, a empresa adquirida por Elon Musk demitiu metade de seus 7,5 mil funcionários e ele passou a exigir o trabalho presencial.

O tamanho da crise
Em 2022, as big techs tiveram de fazer demissões em massa e cortar departamentos, mergulhando em uma crise jamais enfrentada.

Em novembro, a Meta demitiu mais de 11 mil funcionários, o que correspondia a 13% da força de trabalho da companhia comandada por Mark Zuckerberg. Em outubro, a companhia registrou queda de 50% em seu lucro trimestral. As ações da controladora do Facebook caíram mais de 72% neste ano. A Alphabet fechou o terceiro trimestre com um lucro líquido de US$ 13,9 bilhões. Parece bom, mas o resultado representa uma perda de receita de 26,5%, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Na segunda semana de novembro, foi a vez de a Amazon dar início à demissão de 10 mil funcionários em cargos corporativos e de tecnologia. Foi o maior corte de empregos da história da companhia, que já havia anunciado o congelamento de novas contratações algumas semanas antes. A empresa amargou um prejuízo de US$ 3 bilhões entre janeiro e setembro deste ano.

Para completar, Meta e Alphabet perderam a supremacia do mercado de publicidade digital dos EUA. Os dois gigantes não terão uma participação majoritária pela primeira vez desde 2014, de acordo com um levantamento feito pelo grupo de pesquisas Insider Intelligence. A participação do duopólio deve recuar 2,5 pontos percentuais, caindo para 48,4% ao final de 2022. Será a quinta queda anual consecutiva dos dois grupos, que chegaram a deter 54,7% do mercado de publicidade digital americano, em 2017.

“A Meta e o Google vivem de publicidade. Com a incerteza econômica e a inflação alta, as empresas têm de segurar as despesas — e a publicidade é um dos segmentos em que elas podem enxugar mais os gastos”, diz o analista Jader Lazarini. “Do ponto de vista operacional, portanto, essas companhias podem continuar sofrendo no ano que vem”.

FONTE: Metrópoles | FOTO: EBC