Ministro do STF partcipou do Fórum Esfera Brasil e defendeu “civilidade nas relações entre as pessoas” para a construção de uma sociedade democrática

O ministro do Superior Tribunal Federal (STF) Luiz Roberto Barroso afirmou neste sábado (26), após participação no Fórum Esfera Brasil, que é preciso voltar a ver “civilidade nas relações entre as pessoas” na construção de uma sociedade democrática.

“O normal da vida é respeitar o resultado das eleições. É preciso ter a percepção de que uma democracia não é feita apenas dos que vencem, ela é feita por todas as pessoas”, disse Barroso a jornalistas. “As pessoas precisam ser capazes de conversar, colocando ideias na mesa sem ofender outras pessoas. Mentir, precisa voltar a ser errado novamente.”

O ministro foi um dos convidados de um painel de debate sobre segurança jurídica e Constituição no segundo dia do seminário organizado pelo Grupo Esfera Brasil.

A mesa também contou com a presença do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luiz Felipe Salomão; do presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Alexandre Cordeiro, do advogado e membro da equipe de transição do governo eleito, Cristiano Zanin; e do advogado e membro da equipe de transição do governo Lula na área de justiça e segurança pública, Pierpaolo Botiini.

Na visão de Barroso, segurança jurídica pressupõe integridade. “A integridade tem duas regras iniciais básicas: primeiro no espaço público, que é não desviar dinheiro; Segundo, no espaço privado, não passar os outros para trás”, afirmou.

O ministro destacou ainda que, no Brasil, há duas áreas de “imensa” insegurança jurídica: a área tributária e a área trabalhista. “Na área tributária, nós temos o mais complexo sistema de tributos do mundo. Nenhum país gasta o tempo que se gasta no Brasil com o compliance tributário. Por isso, a simplificação deste sistema é imperativa, pois sem ela, não vai haver segurança jurídica e vamos estar sempre lidando com esses cadáveres tributários que existem no armário.”

Sobre a área trabalhista, Barroso disse que o Brasil só fica sabendo do custo dela depois que acaba, porque a litigiosidade em torno do tema no país é espantosa. “Fui advogado por 30 anos, advogado de um grande banco, e o presidente dizia procurar cumprir todas as regras trabalhistas, ter os melhores advogados, se preparar, cumprir tudo que era possível, seguir as orientações, mas, mesmo assim, tinha milhares de reclamações”, comentou.

“Um país, em que um empresário honesto tenta cumprir a legislação e não consegue, tem problema que precisamos enfrentar. De modo que considero que insegurança no Brasil, a questão tributária e trabalhista”.

Outro destaque do ministro do STF foi em relação à regulamentação da mídia. Ele falou haver uma revolução tecnológica em curso. “O resultado disso é a internet, e um dos produtos da internet são as mídias sociais, que também revolucionaram a comunicação social. Hoje em dia, a informação e o acesso ao espaço público se dá com frequência, sem a intermediação da imprensa profissional, que faziam um filtro ao que chegava ao espaço público”, disse Barroso.

“Tem que regular para proteger os direitos autorais, para proibir o abuso de poder econômico, para proteger a privacidade. E tem que regulamentar para impedir os comportamentos sem autenticidade, que é a amplificação falsa de notícias. E tem que regulamentar para não poder vender arma, para não poder ter pedofilia”, citou.

O ministro do STJ Luiz Felipe Salomão destacou que a segurança jurídica pode ter uma gama de visões diferentes. “Segurança jurídica é um dos fundamentos da existência do Poder Judiciário. Ele existe para conferir segurança judicial. Quando há um conflito de interesses, é o Judiciário que compõe para reestabelecer a paz social”, afirmou.

Salomão disse que o século 21 é o período em que o Judiciário deve ficar em destaque no mundo todo. “O século 19 foi o do Executivo. O século 20 do Legislativo. Mas, depois da Segunda Guerra, onde se verificou aquela tragédia, e também onde a força não resolveu os problemas, todo o Judiciário do mundo foi fortalecido. E a ideia de que o judiciário é o canal para resolver problemas também foi fortalecida.”

“Fundamentalmente, essa ideia de segurança, que é a base do Judiciário, existe para garantir segurança jurídica, para garantir direitos, para abrir portas para que o cidadão vá buscar as promessas que foram estabelecidas na Constituição e trouxeram esse protagonismo para o Judiciário”, ressaltou.

Alexandre Cordeiro, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), falou sobre a atuação do órgão na investigação sobre suposto abuso de poder econômico pela Petrobras, devido à volatilidade no preço dos combustíveis. De acordo com ele, esse tema mexe com o consumidor brasileiro e é um tema que interessa ao mundo inteiro. “O mundo vive uma crise energética, vive uma crise no petróleo, e isso realmente afeta todos. E acaba afetando a inflação indiretamente”, declarou.

O Cade tem um papel específico, e Cordeiro disse que não é o de controlar preço, mas, sim, de defender a concorrência, ou seja, reprimir os abusos de posição dominante, os carteis. “O caso Petrobrás não é um caso só, são vários casos no Cade. No momento em que se estava discutindo o combustível, existia uma teoria concorrencial por trás. A teoria concorrencial era justamente uma possibilidade de abuso de posição dominante da Petrobras, na instituição e na formação de seus preços”, relatou.

Segundo Cordeiro, o que se discute normalmente é se a Petrobras é monopolista, se pode cobrar o que quiser no combustível e como ficam as regras de mercado. “É, aí, a necessidade de investigar e entender como trazer isso para dentro do direito concorrencial e para dentro das competências institucionais.”

Lava Jato
O painel entrou também na discussão sobre a Lava Jato. O advogado e membro da equipe de transição do governo eleito, Cristiano Zanin, disse que, quando se fala de segurança jurídica, se fala de um sistema jurídico estável e previsível.

“A Lava Jato foi tudo, menos um sistema jurídico estável e previsível. Ao contrário, tivemos que ver um código criado em Curitiba, com regras fora daquilo que está previsto na nossa Constituição e legislação.”

De acordo com Zanin, essa experiência tem que servir de base para não haver mais situações como essa no Brasil. “Qualquer investimento e atividades praticadas por um cidadão, ou empresa, sempre vão ter como norte a previsibilidade, estabilidade, e não a criação de regrar específicas por um determinado juiz ou determinada autoridade do estado”, afirmou.

Na opinião do advogado, e membro da equipe de transição do governo Lula na área de justiça e segurança pública, Pierpaolo Botiini, quando se fala da operação Lava Jato, se fala de uma anormalidade. “O que a gente teve foi uma aplicação autoritária do direito penal, do processo penal, desvirtuamento da legislação em Curitiba, mas que, de alguma forma, foi encampada por setores da mídia, por tribunais e fez com que essas arbitrariedades acabassem tendo um efeito devastador sobre o mundo político e econômico e empresarial.”

Botiini ressaltou que é muito importante combater a corrupção no Brasil, pois se sabe que um país com altos níveis de corrupção não tem desenvolvimento econômico e social e que nenhuma política pública pode ser feita em um ambiente de corrupção. “Mas o combate à corrupção não pode se dar através das ilegalidades, em especial no direito penal. Quando se fala em direito penal, e é muito importante aqui que a gente discuta isso, estamos falando do Estado contra um indivíduo.”

FONTE: CNN Brasil | FOTO: EBC