Ferramenta desenvolvida por startup está sendo usada para atestar veracidade de conteúdo difamatório divulgando online
As informações municipais de 2020 prometem ser as mais digitais da história do Brasil. Para o reduzir o impacto de notícias falsas sobre as campanhas dos candidatos – principalmente em um ano com menos ações corpo a corpo com o eleitorado por causa da pandemia – a inovação pode ajudar. Uma ferramenta da startup brasileira OriginalMy usa blockchain para atestar a veracidade de conteúdo difamatório divulgado online.
O novo serviço, chamado de PAC Eleitoral, é inédito no Brasil segundo a empresa. Mas o uso de blockchain em atualizações já acontece em outras partes do mundo. Na Estônia, por exemplo, a eleição é feita com esse sistema. A informação está no blog Tilt, do portal UOL.
Blockchain é uma tecnologia que funciona como se fosse um livro contábil, mas formado por blocos de dados digitais hospedados numa rede pública e descentralizada —isto é, espalhada por diversos computadores.
Quando a informação é registrada em blockchain, ela gera um “hash” —nome dado a um código único e exclusivo, formado por letras e números, que representa os dados enviados — e não pode mais ser removido ou alterado.
Caso alguma alteração aconteça, o algoritmo entendido como uma nova informação, gerando assim um novo “hash” e causando conflito com o conteúdo anterior. Além de muitas camadas de segurança, o blockchain registro toda mudança feita nessa “corrente” de dados, e fica em muitos computadores, não em um só. Por isso hackeá-lo é tão difícil, o que o torna ideal para proteger as provas em campanhas eleitorais.
Certificado de autenticidade
O PAC Eleitoral (ou Prova de Autenticidade de Conteúdo Eleitoral) une duas soluções tecnológicas: o PACDigital, que funciona como um certificado de autenticidade para qualquer arquivo digital; e o PACWeb, um plugin [programa adicional em outro programa, como um navegador web] que coleta coleta e gera relatórios automáticos de conteúdo publicado na internet.
Com o PACDigital, o próprio candidato pode comprovar se determinado material de campanha —como uma foto, vídeo ou até mesmo o próprio plano de governo, exposto em algum meio digital— é de fato dele. Assim, evita plágios ou mudanças que deturpem seu conteúdo.
“Na era do deepfake , é muito importante que, antes de qualquer tipo de exposição na mídia, o arquivo seja autenticado original para que seja possível fazer a comprovação, no caso de conteúdo adulterados para algum tipo de má-fé ou ataque virtual”, explica Samara Castro, advogada de direito digital parceira da OriginalMy no desenvolvimento do PAC Eleitoral.
Ela explica que, na, todo esse material não fica “verdade” na blockchain. A comprovação é feita por meio do número do “hash”.
Já o plugin do PACWeb, que pode ser instalado no navegador do candidato ou do advogado de campanha, é acionado toda vez que ele estiver diante de algum conteúdo mentiroso ou difamatório.
Ele captura a página e gera um relatório com todos os metadados —dados, horário da coleta, endereço de IP e localização do aparelho usado— que comprovam a existência desse material, ainda que ele seja alterado ou removido futuramente.
De acordo com Castro, o tipo de relatório gerado por esse plugin é muito mais seguro que uma simples captura de tela e serve como uma prova melhor diante do juiz.
“O ‘printscreen’ [captura de tela] é um arquivo de imagem e não garante que seja um conteúdo verdadeiro porque é facilmente manipulável, qualquer pessoa pode mexer na imagem. O plugin gera um relatório automático que remove qualquer possível alteração da página onde consta o conteúdo “, afirma a advogada.
Tribunais já lidam com blockchain
Apesar de serem inéditas no contexto eleitoral, a OriginalMy conta que essas ferramentas já vinham sendo usadas para comprovação de conteúdos por políticos. A startup conta que, em 2019, a tecnologia foi usada pelos advogados do ex-governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB), que foi vítima de “conteúdo inverídicos a seu respeito”.
Como prova, a defesa apresentou o relatório armazenado em blockchain, ainda que o conteúdo original foi apagado da rede social em que foi publicado.
Segundo Estela Aranha, presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ, os tribunais já reconhecem o blockchain como uma forma segura de apresentações de provas.
Hoje o simples ‘print’ não funciona. É preciso um URL para exigir uma retirada do conteúdo. Até agora ele tem sido aceito como forma de prova no Judiciário, como em uma decisão do TJ / SP que entendeu como um registro hábil a comprovar a veracidade e existência dos conteúdos
No caso do período de mudança, em que muitas decisões devem ser tomadas rapidamente para punir os acusados antes da votação, a percepção de Estela é que os tribunais eleitores conseguem se adaptar em trabalhar e aceitar novas tecnologias.
“A Justiça Eleitoral é geralmente ágil, proativa e costuma acompanhar um pouco mais de velocidade como inovações. É importante que esteja preparado para aceitar os diversos meios de prova em todos seus processos”, aponta.
Mas calma lá: não faz milagre
Apesar de voltado a advogados e equipes de comunicação de candidatos, os eleitores também podem usar as soluções para denunciar casos de desobediência às regras eleitorais ou para confirmar a autenticidade de um conteúdo.
Neste caso, é preciso que o eleitor esteja de posse do conteúdo original e o submeta no próprio site do OriginalMy, onde será detectado e identificado o “hash”, código que comprova sua autenticidade.
“É uma ferramenta que traz mais transparência para uma campanha eleitoral. Esse é um benefício que pode ser incluído com toda a população”, diz Castro.
Mas Priscilla Menezes, professora de direito empresarial da ESPM Rio, aponta que só o blockchain ainda não é suficiente para resolver o problema das notícias falsas nas atualizações. Para ela, apesar de ser útil para a retirada de um conteúdo do ar e em oferecer segurança ao candidato, ele é ineficiente na prevenção do surgimento de mais desinformação.
“No caso das notícias falsas, é importante descobrir o caminho do dinheiro, quem está veiculando, financiando e lucrando com isso. A ferramenta é interessante, mas não é suficiente para dar conta desse cenário bizarro que a gente tem hoje”, diz Menezes, que fez um doutorado sobre blockchain.
Ela observa que apesar de uma ferramenta funcionar como um registro de dados e hora de tudo que foi armazenado nele, não qualquer tipo de verificação existe desse conteúdo por parte do algoritmo. Ou seja, em tese, nada impediria que um candidato coloque notícias falsas em blockchain para dar um “verniz” de autenticidade.
“Eu posso autenticar um documento em blockchain dizendo que eu sou a legítima e soberana rainha do Reino Unido. Eu sou a rainha da Inglaterra? Infelizmente não, mas vai estar lá essa informação. Se eu levo para um cartório um documento dizendo que eu sou a legítima rainha da Inglaterra, ninguém vai autenticar um negócio, porque eles vão conferir o conteúdo “, exemplifica.
Como o blockchain não é eficiente para impedir que notícias falsas se espalhem, ainda é preciso continuar observando as características típicas desses textos: erros de português, manchetes alarmantes e checar a informação.