Para a ministra Assusete Magalhães, presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (Cogepac) do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a interpretação estabelecida no julgamento de um precedente qualificado leva à “formação de pauta de conduta para a sociedade e o Estado, propiciando que as relações então conflituosas passem a contar com soluções que não mais precisam ser judicializadas”.

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Nesta entrevista, ao analisar os 15 anos de existência dos recursos repetitivos no STJ, a ministra fala sobre os impactos da Lei 11.672/2008 e as mudanças no papel da corte após a sua entrada em vigor. Segundo ela, a lei privilegiou a vocação constitucional da corte.

Passados 15 anos do início da vigência da Lei 11.672/2008, que avaliação a senhora faz da experiência com o recurso repetitivo?

Assusete Magalhães – O Superior Tribunal de Justiça é vocacionado, pela Constituição Federal, para atuar como corte de precedentes, competindo-lhe dar a última palavra sobre a interpretação das leis federais em todo o território nacional, contribuindo para a sua uniforme aplicação.​​​​​​​​​

Nesse contexto, a maior importância da Lei 11.672/2008 foi estabelecer uma metodologia que privilegia a atuação do STJ em sua vocação constitucional, com a formação de precedentes qualificados de força expansiva, a definir a atuação do Poder Judiciário e da sociedade brasileira, ensejando entrega de prestação jurisdicional eficiente, célere, isonômica e segura juridicamente.

A Lei dos Recursos Repetitivos gerou relevantes impactos no STJ e em todo o sistema de Justiça brasileiro. Primeiramente, destaco o aspecto quantitativo, apresentando um relevante dado exemplificativo, ou seja, o de que, entre 2008 e 2023, somente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deixou de enviar ao STJ cerca de 678 mil recursos especiais e agravos em recursos especiais, segundo informações fornecidas pela corte paulista à Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas. Esse quantitativo é maior do que o recebimento de REsps e AREsps pelo STJ no período de dois anos!

Por outro lado, ressalto o aspecto qualitativo da atuação do STJ e seu impacto nas demais instâncias judiciais. Sabe-se que o volume processual, em questões repetitivas, pode ensejar quebra de isonomia, quando casos semelhantes acabam sendo decididos de forma diferente, principalmente porque o recurso especial possui requisitos específicos de admissibilidade. Nesse sentido, por conta do acesso mais restrito à instância especial, há a possibilidade de decisões conflitantes.

Assim, o recurso repetitivo impacta positivamente todo o sistema de Justiça, pois a definição de um caso paradigma norteará a atuação das demais instâncias judiciais, propiciando que, para casos idênticos ou semelhantes, se adote a mesma solução jurídica, sem a necessidade de tramitação de todos os processos em várias instâncias, com risco de decisões conflitantes.

Como o STJ se adaptou para lidar com o instituto do repetitivo e como vem se saindo nessa missão?

Assusete Magalhães – O STJ, ciente da importância de se conciliar a atuação judicial e administrativa para potencializar a utilização dos recursos repetitivos, investiu na formação, organização e divulgação dos recursos repetitivos. Logo no início da sistemática, em 2008, iniciou a catalogação dos assuntos em temas repetitivos, metodologia depois aperfeiçoada com a utilização da tecnologia, para possibilitar a busca organizada das questões submetidas a julgamento e das respectivas teses.

O avanço nesse campo foi tão grande que refletiu em iniciativas de propostas de emendas regimentais – principalmente as emendas 24 e 26 –, com alteração de procedimentos e com investimentos em ferramentas de inteligência artificial, como, por exemplo, o Projeto Athos, que auxilia o STJ na identificação que questões repetitivas.

Em paralelo a isso, houve a criação do Núcleo de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos, posteriormente sucedido, na gestão dos repetitivos, pelo Núcleo de Gerenciamento de Precedentes, atual Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas, unidade sob a supervisão da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, idealizada pelo saudoso ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que a presidiu desde a primeira formação até seu falecimento, em abril último.

Entendo que a atuação proativa do STJ, em atividades judiciais e administrativas, foi a principal medida para que a corte conseguisse os resultados atuais com os recursos repetitivos. O impacto na corte foi extremamente positivo, sendo possível registrar, inclusive, que o trabalho de gestão dos recursos repetitivos realizado pelo STJ foi utilizado pelo Conselho Nacional de Justiça para regulamentar a prática em todos os tribunais do país, com a organização e divulgação dos precedentes locais (IRDRs e IACs, por exemplo).

Além de propiciar solução mais rápida e isonômica para os processos, que outras contribuições o recurso repetitivo trouxe para a sociedade?

Assusete Magalhães – A Lei dos Recursos Repetitivos não impacta somente a esfera judicial, havendo, pelo contrário, importantes reflexos além dos tribunais e das varas judiciais. Com a declaração da interpretação da norma jurídica pelo STJ, em um precedente qualificado, firmado em recurso repetitivo, haverá a formação de pauta de conduta para a sociedade e o Estado, propiciando que as relações então conflituosas passem a contar com soluções que não mais precisam ser judicializadas.

Cito, como principal exemplo disso, os resultados do exitoso acordo de cooperação técnica que o STJ firmou com a Advocacia-Geral da União em 2020 [veja tabela abaixo], por meio do qual foi possível a desistência de processos e a não interposição de recursos. E nisso a atuação do STJ, com os recursos repetitivos, teve um papel muito relevante, pois parte desse resultado decorre da maior previsibilidade da atuação da corte em julgados repetitivos.
A prática do recurso repetitivo possui papel relevante na atuação do STJ, das demais instâncias judiciais e da sociedade. Tenho certeza de que os recursos repetitivos foram e continuam sendo importantíssimos para a vocação constitucional do Superior Tribunal de Justiça e toda a experiência adquirida com sua prática, nesses 15 anos, será fundamental para a atuação da corte com o instituto da relevância da questão de direito federal infraconstitucional, criado pela Emenda Constitucional 125/2022, pendente de regulamentação, e que muito fortalecerá a missão constitucional do STJ.

FONTE: STJ | FOTO: STJ