Por João Paulo Melo, Advogado

Estamos vivendo tempos estranhos! Pandemia, guerra, violência, polarização política, são alguns dos males que enfrentamos nos dias de hoje.

O Estado tem sido acionado para responder algumas dessas questões, no entanto, a sensação que me passa é que o sistema jurídico desenhado está completamente desatualizado. Não há ferramentas para contornar esses problemas.

Para não me estender muito, quero chamar atenção para um grave problema do sistema: um flagrante desequilíbrio entre os poderes.

Na minha visão, temos um legislativo que legisla e “executa” a destinação de verbas orçamentárias; um executivo que executa com limitações suas atribuições e um Judiciário superdimensionado pelo flagrante ativismo dos seus membros, que, diariamente, extrapola suas atribuições de julgar de acordo com a Constituição e com as leis.

Pois bem, o objetivo do texto não está em criticar a realidade, mas de propor uma discussão/reflexão sobre mecanismos que resolvam ou pelo menos minimizem esse problema.

Um dos pilares do sistema jurídico está no princípio dos freios e contrapesos (check and balance). A tripartição dos poderes está fundada na ideia de que um Poder tem o papel de frear o(s) outro(s), evitando assim, a supressão desse instrumento racional de divisão dos poderes, tão caro ao Estado Democrático de Direito.

Tradicionalmente, o Poder Executivo é o responsável pelo temor do excesso, da usurpação dos poderes. Como detentor das forças armadas e do orçamento, é ele, historicamente, o responsável por ser freado pelos demais poderes. O sistema já acolhe essa situação e dispõe de mecanismos efetivos que resolvem o problema.

Nos Estados democráticos, o legislativo, poder difuso e representante direto do povo, é o órgão que, em tese, detém mais poder porque responsável por desenhar e redesenhar o próprio sistema.

O Poder Judiciário, historicamente, nunca foi freado. No seu nascedouro era nominado apenas como responsável pela aplicação da lei, criada pelo legislativo, nada mais. O sistema, por exemplo, nunca teorizou situações de excesso do Poder Judiciário. Esse é a questão.

Abstraindo as paixões, as emoções e as situações de processo judicial, que dispõe de recursos e mecanismos internos de controle, o questionamento é: como o sistema frearia um excesso vindo do STF?

Não queremos abordar apenas a situação em que um Ministro comete crime de responsabilidade e, portanto, pode ser objeto de impeachment, já que essa hipótese está prevista no ordenamento jurídico.

A questão que se coloca não é essa. Não queremos personalizar o caso. O sistema não prevê limites para os julgamentos do STF. Em tese, esse poder é a última palavra. No sistema tradicional esse desenho funcionava bem, já que o órgão exercia autocontenção e apenas aplicava a Constituição e a lei criada pelo Poder Legislativo.

No início da minha trajetória acadêmica, cheguei a estudar o mandado de injunção, instrumento constitucional destinado a eliminar a omissão legislativa. À época, me recordo bem, a discussão era que o STF ao julgar essa ação constitucional estava muito tímido, porquanto a jurisprudência predominante dizia apenas que ele deveria comunicar ao legislativo o estado de mora constitucional. Nada mais.

No cenário atual, a situação é completamente diferente. Todos os dias, atos do executivo e do legislativo são levados ao crivo do STF. O processo legislativo e os atos do Executivo hoje contam com o STF participando ativamente, em qualquer assunto.

Há atuação excessiva do STF? Qual o seu limite? Como freá-lo? Entendo que essas são questões que devem ser necessariamente discutidas por todos.

Por óbvio, não tenho respostas para o tema tão complexo. Meu papel aqui está apenas em fustigar a discussão de algo que me incomoda enquanto cidadão.

João Paulo Melo é advogado, sócio da Melo & Araújo Advogados Associados e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte