
Pelos advogados Thais Menezes, Luiz Mantovani e Fernanda Neiva
A temática nos exige pensamento crítico e um olhar humano e detalhista sofre o sofrimento alheio, ou a tão popular empatia de se colocar no lugar do outro. Antes de falarmos que a culpa por este tipo de prática é deste ou daquele agente, precisamos enfrentar de frente a dura realidade legislativa da Execução Penal, seara árida e ainda nebulosa.
A Lei Nº 7.210 de 1984, lei que regula a execução penal pátria ainda foi criada sob os porões de um regime ditatorial sob a tutela do então Presidente João Figueiredo, a lei criada antes da redemocratização, não foi banhada pelos raios balsâmicos da Constituição cidadã de 1988 permanecendo em lado obscuro e pouco visitado por nossos legisladores, porque para uns, o direito do preso não interessa, afinal, preso não vota e para outros, os problemas do cárcere simbolizam oportunidades de ganhos volumosos, razão pela qual, pouco ou nenhum investimento é destinado seriamente as mudanças de humanização do sistema.
Ao falarmos em tortura, nossas mentes se transportam de imediato para um cenário hollywoodiano, daquele homem sentado em uma cadeira sendo eletrocutado ou tendo partes do corpo arrancadas, mas a tortura física é mero exaurimento de algo muito maior e mais profundo que é a tortura diária dos alimentos estragados postos a consumo, alimentos que muitas vezes não daríamos aos animais, a quebra da alto estima e do valor de cada ser humano também são contestados no cárcere, humilhações diárias e tentativas de submeter o preso a um estado de submissão deplorável muitas vezes exigindo que o apenado renuncie a sua própria individualidade como homem ou mulher para evitar a punição discricionária que hoje é colocada nas mãos de servidores em sua maioria despreparados para exercer esse mister.
As Comissões Técnicas de Classificação, as chamadas CTCs que são reprimendas aos presos pelo cometimento de uma falta disciplinar grave, é completamente subvertida e transmutada em algo que seria impensável em qualquer democracia civilizada do mundo. O servidor ou como atualmente é nominado, policial penal não detém o condão de ampliar a sentença judicial prolatada pelo juízo, todavia, um poder talvez ainda maior e mais perigoso é dado a estes servidores, o poder de AGRAVAR o cumprimento da pena, banalizando e utilizando como instrumento de vingança social um instituto jurídico sério como a CTC para prejudicar a progressão de regime de presos que estes servidores acreditam não deveriam usufruir.
A falta disciplinar é aplicada por uma inspetora (integrante da polícia penal), esta mesma servidora também é testemunha do fato que será julgado por um colegiado de cinco indivíduos que normalmente na prática são três que também compõe a policia penal, ou seja, é o resquício de um Estado Inquisidor, herança dos tempos passados, quando um mesmo Órgão exercia todas as funções jurisdicionais, alguns, talvez você que lê agora este artigo, dirão que, essa colocação não se aplica porque a falta grave é reanalizada pelo poder judiciário, porém, a realidade em muito difere da utopia de um processo justo com contraditório forte e presença de ampla defesa, a decisão da esfera administrativa, via de regra é corroborada pelo judiciário, até para que não haja uma desvalorização da instância administrativa causando seu esvaziamento e posteriormente invalidando tal instância. As decisões em juízo quanto à faltas graves somente são alteradas quando gritantemente ilegais.
O caso é que, precisamos com urgência de uma reforma legislativa profunda no cenário da Execução Penal que não deixe a cargo de um Decreto Estadual e de Portarias de um Órgão decisões de suma importância no cumprimento de pena que hoje é visto como a parte mais desprivilegiada do Direito, o governo fala em segurança pública, a polícia fala em enxugar gelo, mas não se pode falar em segurança pública sem falar em dignidade no cárcere, pois ambos estão umbilicalmente ligadas, se existe dignidade carcerária e o apenado é direcionado para uma real reforma de caráter e lapidado profissional e intelectualmente para seu regresso à sociedade, então, a polícia não mais enxugaria gelo e o sistema hoje quebrado e desmoralizado socialmente, seria exemplo de construção de uma sociedade livre, igualitária e democrática. Mas com olhos no presente, talvez esta realidade habite juntamente com a realidade de Platão em sua República, no universo das utopias.
Live debate sobre maus-tratos no cárcere
E nesta quinta-feira (24), a Associação Nacional de Advocacia Criminal (Anacrim) vai realizar uma live no Instagram, perfil @fernandaneivaadv, para debater o tema “Maus-tratos no cárcere” às 20h. Participam do bate-papo as advogadas Thaís Menezes, vice-presidente da vice presidente da Comissão de Assuntos Direitos Humanos da Anacrim RJ, e Fernanda Neiva, presidente da Comissão Penitenciários da Anacrim e o advogado criminalista Luiz Mantovani.