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Digitalização da sociedade, juros baixos e realocação de recursos fizeram volume de investimentos em inovação dobrar em 2021

Enquanto os investidores viam uma queda abrupta do mercado acontecer em março de 2020, com a chegada do coronavírus no Brasil, um setor pouco era afetado: de inovação. Naquele mês, a Bolsa brasileira acionou três vezes o circuit breaker, que interrompe as negociações quando a queda do índice Ibovespa supera 10%. Em duas semenas, as 285 empresas listadas perderam R$ 1 trilhão em valor de mercado. No primeiro trimestre de 2020, a Bolsa caiu 16,4%. A informação é da Folha Online.

Já o investimento em startups cresceu 57,6% no mesmo período. Embora tenha sofrido uma queda no trimestre seguinte, recuperou-se até dezembro e, em 2021, soma US$ 6,9 bilhões, quase o dobro do registrado em todo o ano passado. Juros baixos e digitalização da sociedade, acelerada na pandemia, explicam a aceleração vertiginosa dos investimentos em startups no Brasil nos últimos quatro anos.

A crise econômica gerada pelo coronavírus forçou empresas a buscar soluções para acelerar processsos digitais de forma a reduzir custos. Ao mesmo tempo, bancos centrais de todo o mundo reduziram taxas básicas de juros como forma de estimular a economia. No Brasil, a Selic chegou à mínima histórica de 2% ao ano e assim ficou por cinco meses. Os Estados Unidos seguem com o índice zerado.

Além de diminuir o custo da dívida pública, taxas de juros menores estimulam o investidor a se voltar para o mercado real, que, com rendimentos maiores, fica muito mais vantajoso. Desta vez, o setor de tecnologia, estimulado pela pandemia, foi beneficiado. No entanto, a Selic voltou a subir. Já está a a 7,75% ao ano, e espera-se que termine o ano a 9,25%.

“Assim como as empresas de tecnologia são as primeiras a se beneficiarem em um momento de baixa de juros, elas são as primeiras a sofrer na hora da alta também”, diz Gustavo Araujo, presidente-executivo do Distrito, plataforma de inovação focada em startups.

O apetite do mercado pode ter gerado um princípio de minibolha financeira com precificações sem lastro na realidade, dizem especialistas. “Em média, um cliente ativo de um banco digital vale US$ 1.000. Agora, se você pegar o valuation [avaliação do valor da empresa] de um Banco Inter [um banco digital], por exemplo, o cliente ativo vale US$ 10 mil. Isso é o princípio do desastre. Em algum momento alguém vai fazer essa conta. Mas enquanto tiver mais gente querendo comprar ação do que vender, o preço vai subir”, afirma Araújo.

Após a onda de investimentos, empreendedores menos experientes podem ficar com as consequências negativas.

Em 2020, ano em que as startups descobriram a Bolsa de Valores brasileira, o site de vendas Enjoei estreou no mercado de ações. Suas ações foram precificadas a R$ 10,25 no lançamento, em novembro. Na segunda-feira (1º), apesar da alta de 10% no dia, fecharam a R$ 4, acumulando uma queda de 57,07% desde que a empresa entrou na Bolsa.

“O mercado de tecnologia é formado por uma progressão de bolhas. Sempre tem momentos de euforia, quando as empresas são altamente valorizadas, e então a realização [de lucro], quando a bolha estoura”, diz Araújo.

Startups financeiras

O problema é que parte das empresas estão sendo avaliadas a partir do valor investido, sem considerar a capacidade de execução e operação do negócio, afirma Bruna Losada, especialista em empreendedorismo e finanças. Ela chama esse processo de “valuation às avessas”.

“Nós estamos definindo o valuation por pura alocação de capital. Começam a pensar assim: ‘eu tenho R$ 10 milhões, preciso investir em alguém e vou pegar 10% dessa empresa. Se R$ 10 milhões valem 10%, então o valuation total é R$ 100 milhões’. É uma precificação definida a despeito do real valor do negócio”, explica.

Em termos de soberania e desenvolvimento nacional, opina, o Brasil só tem a ganhar com essa alta. O que a preocupa é a falta de conhecimento do risco em relação ao investimento em startups.

“Se você entende o risco que você está correndo, tudo bem, é uma decisão pessoal de cada um. Mas hoje os agentes não têm uma plena compreensão disso.”

Ela traça uma comparação com a crise da bolha.com, que se formou com a promessa da internet e estourou no final da década de 1990, matando negócios não sustentáveis na época. Os que sobraram são as grandes companhias que hoje dominam o mercado de tecnologia, como Google, Amazon e Microsoft.

“Toda bolha começa a surgir diante de uma novidade que é pouco compreendida, que gera um quê de sexy”, afirma. “Mas essa discussão é mais complexa do que um simples ‘tem bolha ou não tem bolha’.”

FONTE: Folha Online | FOTO: Pixabay