
Decisão reconhece possibilidade de bloqueio de patrimônio lícito e de medida atingir terceiros, quando há confusão patrimonial com investigados
A Corte Superior do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que, em caso de condenação em que houver confusão patrimonial entre investigados, as medidas cautelares patrimoniais podem abarcar bens adquiridos de forma lícita e de familiares que não estejam sendo investigados ou não tenham sido denunciados. Com a decisão, na Ação Penal 980, fica mantida a medida cautelar que bloqueou R$ 277 milhões em bens e valores do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), e de outros investigados na Operação Vostok. A decisão da Corte Especial segue posicionamento do Ministério Púbico Federal (MPF), em parecer assinado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo.
Reinaldo Azambuja foi denunciado pelo MPF em outubro de 2020, pela prática de crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Outros denunciados foram os empresários Joesley e Wesley Batista, da JBS, o ex-secretário de Fazenda do MS e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Márcio Campos Monteiro, além de mais 20 pessoas. O esquema de corrupção envolveu o pagamento de pelo menos R$ 67 milhões em propina a Azambuja, em troca de benefícios e isenções fiscais concedidos à JBS, num total que ultrapassa os R$ 200 milhões.
Para garantir o ressarcimento aos cofres públicos, o MPF requereu e o STJ determinou o bloqueio de bens dos envolvidos, no valor total de R$ 277 milhões. A defesa do governador questionou a medida cautelar e pediu a liberação dos recursos, sob o argumento de que a medida atingiria pessoas que não haviam sido denunciadas pelo MPF, limitando suas vidas civil e empresarial. A defesa alega também que não estaria demonstrada a origem ilícita dos valores bloqueados.
No parecer, Lindôra Araújo defendeu a cautelar. Ela afirma que o bloqueio atingiu bens da Agropecuária Taquaruçu, empresa cujo capital social pertence em sua quase totalidade (99%) a Reinaldo Azambuja. Para ela, ao dividir o 1% restante com pessoas não investigadas, o governador tentou usar a empresa familiar para “promover uma blindagem, como também uma verdadeira confusão patrimonial para dificultar a efetividade de medidas assecuratórias”. De acordo com a subprocuradora-geral, quando há mistura patrimonial entre investigados e não investigados criada para dificultar a persecução penal, como foi o caso, não há outro caminho a não ser o bloqueio de parcela de patrimônio capaz de reparar o dano causado.
A subprocuradora-geral lembrou também que não há impedimento para que o bloqueio alcance patrimônio lícito, já que seu objetivo é garantir a reparação de danos, pagamento de prestações pecuniárias e multas decorrentes das infrações penais (art. 4º, §2º, da Lei de Lavagem de Capitais). Há ainda a possibilidade de condenação por danos morais coletivos – como previsto no artigo, 91, inciso I, do Código Penal – principalmente quando se trata de crime contra a Administração Pública. Lindôra alerta que a atividade econômica da Agropecuária Taquaruçu não está inviabilizada pelo bloqueio, pois decisões judiciais já liberaram valores para garantir que fosse desempenhada.
Além de se posicionar contra o mérito, a subprocuradora-geral manifestou-se pelo não conhecimento do recurso, pois os argumentos são idênticos aos apresentados anteriormente. “Admitir sucessivos agravos discutindo a mesma matéria não só vai de encontro à unirrecorribilidade, como também possibilita eventuais decisões contraditórias, embora, no caso do primeiro agravo, tenha havido pedido de desistência”, afirma Lindôra.
Na decisão, o STJ reafirmou que “a constrição pode atingir patrimônio de pessoas jurídicas e familiares não denunciados, inclusive o cônjuge casado sob o regime de comunhão universal de bens, o que se mostra necessário, adequado e proporcional quando houver confusão patrimonial, de incorporação de bens ao patrimônio de empresa familiar e transferência de outros bens familiares”. A decisão também considerou que a indisponibilidade de bens – prevista no artigo 4º, § 4º da Lei 9.163/1998 – permite constrição de quaisquer bens, direitos ou valores para reparar dano recorrente de crime ou para pagamento de prestação pecuniária, penas de multas e custas processuais, sem que seja necessário verificar se a origem é lícita ou ilícita ou se a aquisição ocorreu antes ou após a infração penal.
FONTE: MPF | FOTO: José Cruz (Agência Brasil)