O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, instaurou reclamação disciplinar contra a desembargadora Vânia Maria Cunha Mattos, do TRT da 4ª região, para apurar possível descumprimento de decisão do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu de ações trabalhistas envolvendo pejotização.

Segundo a representação, a magistrada teria concedido liminares em mandados de segurança contra decisões de juízos de 1ª instância. Essas decisões haviam determinado o sobrestamento de ações trabalhistas que discutem a “pejotização” – em estrito cumprimento à ordem do STF proferida no ARE 1.532.603.

Para Campbell, a atuação da desembargadora representa “evidente afronta ao sistema de precedentes e à autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal”, uma vez que teria contrariado diretamente medida cautelar concedida por Gilmar Mendes.

Tema 1.389

O ARE 1.532.603 foi submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 1.389) e discute três pontos centrais no Direito do Trabalho:

a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações que questionam a existência de fraude em contrato civil de prestação de serviços;
a legalidade da contratação de trabalhador autônomo ou por meio de pessoa jurídica, à luz do que foi decidido na ADPF 324; e
o ônus da prova quanto à alegação de fraude na contratação civil.
Diante do grande volume de processos sobre o tema e da “reiterada recusa da Justiça do Trabalho em aplicar a orientação desta Suprema Corte”, ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional da tramitação de todos os processos relacionados ao Tema 1.389 até o julgamento definitivo do recurso.

Gilmar destacou que a medida visa evitar decisões conflitantes, promover segurança jurídica e reduzir a sobrecarga no STF.

Ressaltou, ainda, que o reiterado descumprimento da orientação da Corte tem contribuído para a multiplicação de ações, transformando o Supremo, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas.

Posicionamento da desembargadora

Ao analisar mandados de segurança, a desembargadora Vânia Maria Cunha Mattos concedeu liminares para suspender os efeitos das decisões que determinavam a suspensão das ações, permitindo que os processos originais tramitassem normalmente.

Na fundamentação das decisões, a magistrada afirmou expressamente adotar posicionamento contrário ao do STF.

Para ela, a hipótese dos autos não se enquadraria na determinação de suspensão, por entender que “as partes das ações originárias não firmaram contrato escrito de prestação de serviços”. Acrescentou que a aplicação irrestrita da ordem da Suprema Corte poderia provocar o “esfacelamento da competência da Justiça do Trabalho”.

“No que diz respeito à suspensão dos processos até julgamento definitivo do Recurso Extraordinário RE 1.532.603 RG/PR (Tema 1.389 da repercussão geral), meu posicionamento é absolutamente contrário à decisão do STF, sob pena de esfacelamento da competência da Justiça do Trabalho em um curto espaço de tempo, até porque a Justiça do Trabalho é a única competente para reconhecer a existência ou não do vínculo de emprego entre o autor e a ré, nos termos do art. 114 da Constituição Federal e da Emenda Constitucional nº 45/2004 (…)”.

A desembargadora defendeu a competência constitucional da Justiça do Trabalho, ampliada pela EC 45/04, e ressaltou o papel social do Judiciário trabalhista na tutela de “camada mais sensível da sociedade, os empregados”. Ainda segundo ela, não caberia ao STF “suprimir lides da competência exclusiva da Justiça do Trabalho”.

Apuração disciplinar

Para o corregedor Nacional de Justiça, a decisão da magistrada evidentemente descumpre determinação emanada do STF.

O órgão expressou preocupação com o “reiterado descumprimento das decisões exaradas pelos Tribunais Superiores”, especialmente em casos de controle concentrado de constitucionalidade, repercussão geral e recursos representativos de controvérsia.

Essa conduta, segundo Campbell, compromete o sistema de precedentes e a eficiência processual. Ainda, ressaltou que o descumprimento de decisões vinculantes coloca em risco a autoridade institucional dos tribunais superiores, prejudica a previsibilidade do sistema judicial e impõe insegurança às partes.

Ponderou que a independência funcional do magistrado não é absoluta e pode ser relativizada para fins de responsabilização administrativa quando configurada violação a deveres funcionais.

Na hipótese analisada, entendeu que a conduta da desembargadora pode configurar ofensa à garantia de acesso à Justiça, negativa de jurisdição, abalo à credibilidade do Judiciário e incremento da morosidade processual.

Vislumbrou, ainda, possível violação a deveres previstos na Loman – lei orgânica da magistratura nacional – notadamente o de cumprir e fazer cumprir as disposições legais e os atos de ofício (art. 35, I) – e ao código de ética da magistratura, que exige atuação pautada em prudência, diligência (art. 1º) e fundamentação racionalmente justificada (art. 24).

Providências

Diante dos elementos apresentados, o ministro Mauro Campbell Marques determinou a notificação da desembargadora Vânia Maria Cunha Mattos para que se manifeste no prazo de 15 dias, nos termos do art. 14 da resolução CNJ 135/11.

A presidência do TRT da 4ª região também será oficiada para informar, em cinco dias, se há procedimento administrativo em curso sobre os fatos narrados.

Processo: 0003576-54.2025.2.00.0000

FONTE: Portal Migalhas | FOTO: Ana Araújo