
Sem constatar irregularidades no procedimento administrativo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, manteve, nesta segunda-feira (29/1), uma punição aplicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a uma promotora de Justiça do Distrito Federal por abuso do direito de petição.
A promotora Maria Elda Fernandes Melo ficou conhecida por empreender uma represália contra outros membros do Ministério Público do DF nos últimos anos, devido a atritos pessoais. Entre 2018 e 2020, ela apresentou diversas reclamações disciplinares contra quatro promotores do órgão distrital.
Mais tarde, ela foi punida com censura pelo CNMP. Os conselheiros consideraram que as reclamações foram apresentadas com o objetivo de causar tumulto e perseguir os colegas, o que caracteriza desvio de finalidade.
A pena de censura é uma crítica pública feita pelo órgão sobre a conduta de um servidor. Membros do MP punidos com essa infração ficam impedidos de obter promoções por um ano.
Ao STF, Melo alegou diversas irregularidades no processo administrativo disciplinar (PAD) ao qual respondeu no CNMP.
Mas Gilmar constatou “indícios suficientes de autoria e materialidade aptos a justificar o prosseguimento do feito e aprofundamento das dilações instrutórias”.
O ministro concordou com as conclusões do CNMP de que o direito de petição não pode ser exercido “com a finalidade de proferir ofensas pessoais, por mero capricho ou por meio de ações e incidentes temerários”.
Autoridade competente
Isso ocorreu no caso concreto devido à repetição de representação sobre fatos já em apuração, ao excesso de linguagem nas representações e ao volume de peticionamentos.
A reclamação disciplinar contra a promotora foi apresentada em 2019 pelo então corregedor-geral do MP-DF, mas foi arquivada pela Corregedoria Nacional do CNMP.
Em 2020, o Plenário do Conselho desarquivou o caso e incumbiu a portaria de instauração do PAD à relatora do recurso interno. Melo argumentou que tal portaria deveria ter ficado sob responsabilidade do corregedor nacional, relator do PAD.
Mas Gilmar explicou que nenhuma norma do CNMP exige que o corregedor nacional instaure o PAD (nem mesmo quando ele vota pelo arquivamento mas fica vencido).
Além disso, as portarias de todos os outros processos disciplinares instaurados após recurso contra arquivamento determinado pela Corregedoria Nacional são atribuídas aos relatores do recurso em questão.
Por fim, segundo o magistrado, indicou que o §2º do artigo 89 do Regimento Interno do CNMP, dá a entender que o relator pode expedir a portaria de instauração do PAD justamente quando o corregedor fica vencido na abertura do processo.
Indicação da sanção
A promotora também alegou que a portaria de instauração do PAD não poderia ter indicado a sanção a ser aplicada. Segundo ela, isso só poderia ser apresentado na fase de indiciamento.
Gilmar lembrou que, conforme o mesmo dispositivo do Regimento Interno do CNMP, a portaria deve conter “a previsão legal sancionadora”.
Na visão do relator, tal ideia busca “propiciar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa frente à imputação”. A regra também “não ofende a presunção de inocência, até porque sua capitulação não vincula o colegiado”.
O ministro ainda ressaltou que, de acordo com a jurisprudência do STF, “o acusado se defende dos fatos e não da classificação jurídica da sanção ou infração”.
Melo chegou a argumentar que o Regimento do CNMP não seria compatível com a Lei Complementar 75/1993. Mas o magistrado lembrou de decisão da 1ª Turma do STF que validou as normas dos Regimentos Internos do CNMP e do Conselho Nacional de Justiça com base na própria Constituição. “Não há que se falar em dissonância dessas normas com leis de igual hierarquia”, pontuou.
Gravidade da sanção
Outro argumento de Melo era que a pena de censura foi aplicada sem a devida fundamentação e sem a análise da possibilidade de uma sanção de advertência, que é mais branda.
Mas, para Gilmar, o fato de o conselheiro relator não ter proposto a pena mais branda “não evidencia, por si só, comportamento tendencioso, até porque foi explicitada a fundamentação balizadora da conclusão alcançada por aquele”.
O magistrado não viu “ausência de proporcionalidade ou de razoabilidade” em relação à sanção, pois considerou que ela foi “adequadamente motivada pelo CNMP com base no conjunto fático-probatório dos autos, na legislação, na doutrina e na jurisprudência dos tribunais pátrios, que acertadamente condenam o abuso do direito de petição”.
A Lei Complementar 75/1993 estabelece que a sanção de advertência deve ser aplicada nos casos de negligência no exercício das funções. Na visão de Gilmar, isso “não parece encontrar respaldo” nas condutas praticadas por Melo.
Segundo o ministro, a violação de deveres funcionais cometida pela promotora “está corretamente enquadrada na pena de censura”.
Histórico
Além da perseguição contra os colegas de MP-DF, a promotora de Justiça também já foi denunciada pelo Ministério Público Federal devido à prática de quatro crimes de denunciação caluniosa.
Em 2020, ela encaminhou uma nova leva de representações contra seus desafetos diretamente ao procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do MP junto ao TCU, que levou adiante as queixas. Mais tarde, Oliveira foi apontado pelo MP-DF como amigo de Maria Elda e virou alvo de sindicância no MPTCU.
A promotora também já tentou na Justiça a anulação e supressão de uma cartilha do CNMP sobre saúde mental, com o argumento de que houve promoção indevida da imagem dos responsáveis. No último ano, a 4ª Vara Federal Cível do DF negou os pedidos.
FONTE: Conjur | FOTO: EBC