
OUTRO LADO: Governo de SP diz que hoje está cumprindo lei; Ministério da Saúde não respondeu
Ao ser diagnosticada com câncer nos ossos, em dezembro de 2021, uma moradora do interior paulista descobriu os obstáculos à sua frente para tratar a doença. A começar pela máquina de radioterapia, na época inoperante no Hospital Estadual de Bauru (a 329 km da cidade de São Paulo), onde estava internada.
A paciente só conseguiu começar as sessões de radioterapia cerca de três meses depois, e só após intervenção do Ministério Público Federal (MPF), a quem recorreu.
A partir do drama daquela mulher, que morreu no início de 2023, a Procuradoria entrou na Justiça contra o Governo de São Paulo e contra o Ministério da Saúde em busca do cumprimento de uma lei que obriga o SUS (Sistema Único de Saúde) a iniciar tratamentos contra câncer em até 60 dias após o diagnóstico da doença, que deve ser feito em até 30 dias.
A Secretaria da Saúde da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz que atualmente todos os pacientes que estão sob a gestão da regulação estadual de vagas são encaminhados às consultas e tratamentos em até 60 dias.
Procurado três vezes por email e por telefone, o Ministério da Saúde, da gestão Lula (PT), não respondeu à reportagem.
A assessoria de Rodrigo Garcia (PSDB), que estava no governo quando a ação foi protocolada na Justiça, diz ter implantado o AME Oncologia. O programa, nas 61 unidades do estado, afirma, reduziu de 90 para 45 dias o tratamento no caso de câncer de intestino e pele, por exemplo. “Além disso, houve a implantação de serviços de radioterapia e quimioterapia em hospitais referências de cada região.”
Entre outros, a ação do MPF requer que a União adote, em 90 dias, providências para registro adequado de dados de pacientes diagnosticados com câncer. O mesmo prazo é dado para que o governo paulista imponha controle e transparência às filas para tratamento oncológico.
A ação judicial também cobra que sejam identificados e informados os nomes de todos os usuários do SUS que, desde a entrada em vigor da lei em 2012, morreram com diagnóstico de câncer após demora no início do tratamento.
Para cada um desses pacientes, o MPF quer que os governos paulista e federal sejam condenados a pagar de indenização por danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 100 mil.
A instituição exige indenização de pelo menos R$ 50 mil por usuário do SUS em São Paulo que não teve acesso a tratamento contra o câncer no prazo máximo de 60 dias e que União e estado paulista paguem no mínimo R$ 10 milhões de indenização, caso não consigam identificar todos os pacientes oncológicos cujos direitos ao tratamento foram desrespeitados.
No processo, o procurador da República Pedro Antonio de Oliveira Machado afirma que em 2019 cerca de 18,5 mil pacientes oncológicos no estado (18,6% do total de casos tratados) esperaram mais de 60 dias para iniciar o combate à doença e que não havia informações sobre quase 50 mil pessoas (45,22%).
O MPF diz não ter dados atualizados e que não se manifestará nesta fase do processo, que cobra mais transparência na divulgação de filas.
Segundo a Secretaria da Saúde paulista, em 1º de janeiro, quando começou a gestão Tarcísio, 1.536 pacientes oncológicos aguardavam na fila até oito meses —questionada sobre o número, a assessoria do ex-governador Rodrigo listou ações que reduziram o tempo de diagnóstico e de tratamento.
No início deste mês, a Folha mostrou que pacientes com diagnóstico de câncer que procuram a rede de saúde paulistana não são atendidos em 60 dias —a prefeitura diz que o tempo é de 59 dias. As quatro pessoas entrevistados só tiveram suas consultas marcadas após contato da reportagem, em instituições estaduais, e mesmo assim em tempo maior do que estipulado por lei.
FONTE: Folha de São Paulo | FOTO: Folhapress