Atualmente é inegável a influência e necessidade, do que aqui chamaremos de: uma evidência baseada em dados. Advogados, promotores, defensores, magistrados, logo apressam-se a analisar com mais conforto jurisprudências, acordos, ações, protocolos e pareceres técnicos que tenham a frase “dados apontam que …”. É um respiro fortuito para uma defesa, sentença ou denúncia embasada. Mas, de fato, quando vou falar sobre judicialização da saúde, quais os dados são referenciais para uma boa fundamentação e qual a estrutura de análise de dados presentes hoje no poder judiciário sobre o tema?

Antes de responder a essa pergunta, é importante destacar que segue outra questão ainda mais profunda: de que maneira os dados judiciais são gerados, em quais regimes algorítmicos que os arquivos fartos de planilhas com infindáveis linhas e colunas, se baseiam? Qual o contraponto apresentado hoje pelo Estado, a um conjunto de dados que pouco respondem sobre quaisquer questões? Ou ainda, baseada em que formas de obtenção, coleta e organização desses registros, o poder judiciário infoma sobre alguma coisa nesse campo?

Vamos ilustrar um pequeno exemplo:  Se quisermos saber sobre quantos casos de câncer de mama há no Brasil por ano, como faço? Sabe-se, que sobre esses dados há uma pesquisa anual. Ela é ativa e operatória vinda de um dos maiores institutos de câncer do país, o INCA, que informa que há cerca de pouco mais de 66 mil de novos casos por ano deste agravo, e que em média há 61 novos casos por 100 mil habitantes. Desta maneira eu posso comparar esse dado, com os relatórios de notificação do SUS, em sistemas como SISCOLO, SISMAMA e o SISCAN, abertos e tabulados, com agrupamentos sistêmicos dos dados com referenciamento do agravo, como tipo, região, idade do paciente, sexo, tipo de tratamento, etc. Aqui temos dado, contexto do dado, as formas de obtenção, os tipos de preenchimento e, portanto, um dado comparável e auditável.  E no caso da Justiça, como sabemos ao certo qual o estado da arte da judicialização de câncer de mama, no Nordeste, por exemplo, durante a pandemia, que tipos de tratamento foram solicitados, qual a idade dos solicitantes, quanto tempo para a primeira decisão?

Pois é, não sabemos! Relatórios quantitativos sobre performances do magistrado, das comarcas, temas e categorias dos processos identificados, tempos processuais, índices de performance do tribunal, talvez até relatórios dos Núcleos Técnicos com os tipos de medicamentos ou fármacos mais judicializados, a muito custo e com muita pesquisa, podem existir, mas para quais agravos e que tipo de tratamento, ainda é uma incógnita. Vale ressaltar que esses relatórios são requeridos, realizados e celebrados pelo CNJ, e devem ser mesmo, porque o conselho faz enorme esforço para trabalhar com business inteligence e trazer a justiça em números.

A questão que se coloca está em outra dimensão: a primeira é que não se conhece as condições de realização desses relatórios e de que maneira os dados são obtidos, como são centralizados, tratados e por quais protocolos informacionais ou de tradução semântica passam. Segundo, a justiça em números pouco responde a maioria dos problemas judiciais, porque não tratam das narrativas como fonte de informação, mas apenas dos espaços de preenchimento como indicadores de dados quantitativos lineares.

Temos um céu nebuloso. As condições de preenchimento do dado não são verificáveis, a auto declaração do cadastro das ações judiciais não são automaticamente auditáveis, as edições de preenchimento nos sistemas de informação do judiciário não passam por controle de versão e fluxo, dentre tantos outros problemas. Assim, parece que diante de sistemas de cadastros de processos judiciais arcaicos, tenta-se gerar relatórios espetaculares que infelizmente, pouco respondem. Não há, no nosso judiciário, elementos de comparação do registro, ou sistemas de inteligência automatizados checáveis e/ou algoritmos íntegros validados e abertos que demonstrem as condições de ocorrência do dado.

Assim, o problema do dado e da informação persiste. Saber que “Rituximabe” é um dos medicamentos mais judicializados, pouco contribui se não é possível ter acesso as condições pelas quais esse dado ocorre e, portanto, saber se ele foi mais acionado judicialmente para linfomas ou para artrites é fundamental para compreender os tipos de tratamento. Mas não se sabe!

Quando os algoritmos de recomendação entram na nossa vida eles sabem com mais de 80% de certeza que você tem real interesse sobre aquele produto, serviço ou pessoal, porque ele tem acesso ao contexto de aparecimento do dado, como e quando ocorre, e mais, compara e traduz bancos de dados diferentes e complexos. Quando compro um remédio, cruzam-se dados de valores, local, tipo de remédio, planos de saúde, tipos de tratamentos possíveis, dentre dezenas de outros dados. No caso da justiça, temos um banco de dados integral, com as mesmas categorias, simples, com variáveis controláveis e mesmo assim parece ser difícil extrair informação precisa.

Infelizmente esse fenômeno aponta que para compreender a extensão do Direito à saúde na atuação dos processos, o poder judiciário precisa discutir as situações de ocorrência e, desenvolver bancos de dados abertos mais analíticos e menos quantitativos. Ter acesso ao dado quando ocorre seria muito bem-vindos, por que falar sobre judicialização da saúde é, sobretudo, falar sobre suas condições de ocorrência. Enquanto isso não ocorre, há espeerança de vermos o sol por trás dessa nebulosidade.