
Compelidas pela necessidade de mitigar o aquecimento global, as nações reunidas em Quioto no Japão em 1.997 na Conferência das Partes – COP3 – criaram a possibilidade de certificação e registro junto à Organização das Nações Unidas de projetos cujo desiderato fosse a redução ou a captura de gases causadores do “efeito estufa”, logo, os créditos de carbono originários das aludidas mitigações ou capturas, partes integrantes dos denominados Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDL e obrigatoriamente frutos de projetos concebidos em países em desenvolvimento, poderiam ser comercializados nos países desenvolvidos, servindo, nesses moldes, de política de estímulo em favor daqueles à implementação de práticas preservacionistas enquanto para as nações mais ricas como porto seguro para o cumprimento das suas metas ambientais.
No Brasil o Tratado de Quioto foi introduzido no arcabouço jurídico tupiniquim pelo Decreto Legislativo nº. 144/02 e subsequentemente a sua vigência determinada pelo Decreto nº. 5.445/05.
De lá para cá, avanços legislativos outros devem ser pontuados, quais sejam, a Lei nº. 12.187/09 (Política Nacional sobre Mudança do Clima), Lei nº. 13.576/17 (RenovaBio), Decreto nº. 9.172/17 (Sistema de Registro Nacional de Emissões – Sirene), Decreto nº. 9.365/18 (Participação dos Pequenos Produtores de Biodiesel nos Leilões Públicos), Decreto nº. 9.888/19 (RenovaBio), Decreto nº. 10.846/21 (Programa Nacional de Crescimento Verde), Decreto nº. 11.003/22 (Incentivo ao Uso Sustentável do Biogás e do Biometano), Decreto nº. 11.075/22 (Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas) e Decreto nº. 11.141/22 (Comprovação das Metas Individuais pelas Distribuidoras), entretanto, nem sempre o legislado significada direito aplicado!
RenovaBio: Menos Propagandismo e Mais Pragmatismo
O RenovaBio é uma política de estado que reconhece a importância dos biocombustíveis para a matriz energética brasileira, quais sejam, o etanol anidro (aquele que é adicionado à gasolina para fins de comercialização), biodiesel (acrescido num percentual de 10% ao óleo diesel), biometano, bioquerosene de aviação e segunda geração.
Dessa forma, o biocombustível é o combustível de origem biológica e não fóssil, produzido a partir de uma biomassa, assim, da cana-de-açúcar, tendo no álcool anidro a nossa hipótese mais proeminente; soja; milho; beterraba; canola; girassol; dendê; matéria orgânica em processo de decomposição ou fermentação; etc.
O RenovaBio se escora em três alicerces, ou seja, em metas decenais de descarbonização, na certificação da produção de biocombustíveis e nos créditos gerados a partir da certificação dessa atividade produtiva, quais sejam, os CBIO’s.
Dessarte, o Governo Federal elabora metas de descarbonização que deverão ser anualmente atendidas pelas distribuidoras de combustíveis, as únicas partes verdadeiramente obrigadas no RenovaBio, que materializar-se-ão através da aquisição dos CBIO’s, cabendo à cada empresa um quantitativo proporcional a sua participação no mercado nacional, bem como a soma de todos os quinhões individuais deverá corresponder à meta anual pré-estabelecida.
Por sua vez, aos próprios produtores caberá certificar a sua produção e subsequentemente a esta serão atribuídas notas de eficiência energéticas-ambiental por empresas inspetoras credenciadas junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, em ato contínuo, os aludidos apontamentos multiplicados pelo volume de produção representará a quantidade de CBIO’s que cada produtor poderá emitir e comercializar com as distribuidoras de combustíveis.
Cada CBIO corresponde a uma tonelada equivalente (te) de gases causadores do efeito estufa – GEE que deixaram de ser emitidos, dessa forma, o próprio dióxido de carbono (CO₂) no caso da queima de combustíveis fósseis pelos veículos. Segundo o Ministério de Minas e Energia – MME, um CBIO corresponde à capacidade de sete árvores capturar gás carbônico, assim, para aquele Órgão até 2.029 o programa poderá ter evitado a emissão de GEE proporcional a capacidade de captura de cinco bilhões de árvores, o que é um quantum superior todas aquelas encontradas na Dinamarca, Irlanda, Bélgica, Países Baixos e Reino Unido conjuntamente.
Por fim, as metas anuais impostas às distribuidoras de combustíveis quanto à aquisição de CBIO’s em nada interferem ou atenuam os mandatos volumétricos de adição de biocombustíveis aos combustíveis por aquelas, logo, as misturas gasolina – álcool anidro e óleo diesel – biodiesel.
E Qual o Papel do Decreto nº. 11.075/22
O Decreto nº. 11.075/22 é até o presente momento a iniciativa legislativa que melhor sistematiza o mercado de créditos de carbono nacional, entretanto, muito pouco frente à verdadeira necessidade do setor, bem como desproporcional em apuro no trato da matéria se levarmos em consideração o tempo que dita medida era aguardada.
Contudo, apesar das críticas que possam ser veiculadas ao vergastado Decreto, este instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SINARE, onde por sua vez poderão ser registrados os créditos de carbono, que uma vez inscritos naquele Sistema passarão a ser denominados de “créditos certificados de emissões de carbono” por força de disposição legal inserta naquela norma.
Ao SINARE caberá a centralização das informações relativas às emissões, reduções, remoções e compensações de gases causadores do efeito estufa, bem como o registro de todos os atos de comércio como transferências, transações e aposentadorias dos créditos certificados de emissões de carbono.
O Decreto nº. 11.075/22 prevê a elaboração de Planos Setoriais de Mitigação de Mudanças Climáticas que irradiarão efeitos sobre diversos setores da economia, quais sejam, geração e distribuição de energia elétrica; no transporte público urbano e nos sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros; na indústria de transformação e na de bens de consumo duráveis; nas indústrias químicas fina e de base; na indústria de papel e celulose; na mineração; na indústria da construção civil; nos serviços de saúde; e na agropecuária (Lei nº. 12.187/09, artigo 11, parágrafo único), logo, qualquer desses não guarda correlação imediata com a distribuição de combustíveis.
As metas de redução não serão impostas de imediato, tendo o retro mencionado Decreto estabelecido um prazo de cento e oitenta dias, prorrogáveis por igual período, para a elaboração dos respectivos Planos Setoriais de Mitigação de Mudanças Climáticas e o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões funcionará como mecanismo de gestão ambiental para facilitar o cumprimento das medidas de minoração das emissões de gases causadores de efeito estufa que de certo advirão.
Destarte, é de fácil identificação pelas linhas acima que o Decreto nº. 11.075/22 não veio com o objetivo de esvaziar ou mesmo inviabilizar o RenovaBio, ao contrário, regulamentou a instituição de Planos Setoriais de Mitigação de Mudanças Climáticas para diversos setores da economia adversos à distribuição de combustíveis, bem como em nada poderá ser utilizado como entrave ao atual modelo de negociação dos CBIO’s, devendo esta seguir nos moldes previstos na Lei nº. 13.576/17 e no Decreto nº. 9.888/19, além das diversas Resoluções e Portarias do MME, Conselho Nacional de Política Energética – CNPE e ANP.
Noutro flanco, o que pode de fato fragilizar o RenovaBio é a flexibilização injustificada dos prazos para as distribuidoras de combustíveis comprovarem o cumprimento das metas anuais de aquisição dos CBIO’s, assim, como a dilatação de prazos capitaneada pelo Decreto nº. 11.141/22, ou seja, o prazo para a comprovação do atendimento da meta 2.022 que era até o dia 31 de dezembro do corrente ano e foi estendido até o dia 30 de setembro do próximo ano, enquanto aquelas relativas aos anos vindouros deverão ser comprovadas sempre até o dia 31 de março do ano subsequente.
Por fim, é curial que novas soluções sejam encontradas ao pretenso encarecimento dos CBIO’s, que em junho passado chegaram a ser negociados por duzentos e dois reais cada, que não seja a simples dilatação de prazos descrita no parágrafo anterior.