Por Marline Negreiros, especial para o Portal Juristec

O ministro Marco Aurélio Bellizze, do Supremo Tribunal de Justiça, atendeu pedido da empresa JBS e suspendeu arbitragem movida por sócios minoritários contra os controladores da empresa. A decisão é inédita porque reconheceu um conflito positivo de competências de dois tribunais arbitrais constituídos para julgamento de questões que conectavam e que estão sediados no âmbito da mesma instituição arbitral.

Para explicar como funciona a arbitragem no Brasil e quais as implicações dessa decisão do STJ, o portal Juristec entrevistou o advogado Diogo Pignataro de Oliveira, sócio do escritório Dantas, Freire & Pignataro Advogados.

Confira a entrevista abaixo:

1 – Como funciona a arbitragem no Brasil?

A arbitragem é um método de solução de conflitos onde, tal qual no Poder Judiciário, um terceiro decidirá a questão por sentença, cujos efeitos são idênticos ao de uma sentença judicial, porém esse terceiro (que poderá ser uma única pessoa ou três conjuntamente) será escolhido pelas partes para cumprir essa missão de alta relevância, baseando-se, claro, na expertise dele, no seu currículo, no conhecimento técnico sobre a matéria, etc.

O funcionamento em si do procedimento é bem mais flexível do que o processo judicial, via de regra confidencial e sediado em alguma instituição arbitral que tem sua lista de árbitros, seus procedimentos básicos firmados e a estrutura física necessária (as chamadas Câmaras de Arbitragem, caso da CAM-FIERN que atualmente presido).

2 – O que significa e porque essa decisão é inédita?

Essa decisão recente do STJ, deixando de lado o contexto de envolver arbitragens que tem por “pano de fundo” questões reparatórias oriundas da operação Lava-Jato, é inédita porque reconheceu – e resolveu – um conflito positivo de competências entre dois Tribunais Arbitrais constituídos para julgamento de questões que conectavam e que estão sediados no âmbito da mesma instituição arbitral.

O STJ já havia o entendimento de que a solução de um conflito de competências entre dois Tribunais Arbitrais deveria ser resolvida por ele próprio, por interpretação dada a dispositivo constitucional (art. 105, I, “d”, CF) que lhe dá a prerrogativa de julgar os “conflitos de competência entre quaisquer tribunais”. Compreender que dentre os “tribunais” estão os arbitrais é referendar ainda mais a natureza jurisdicional da arbitral, verificando-se o ineditismo aqui em razão do fato de que esses Tribunais Arbitrais que se julgaram competentes e que geraram o conflito positivo, ambos, encontram-se dentro da mesma instituição arbitral.

3 – Baseado em que conceitos, o ministro considerou que o processo movido pela companhia prevalece sobre o dos minoritários?

São dois procedimentos arbitrais que estão em desenvolvimento perante a Câmara de Arbitragem do Mercado e que ao cabo têm, ambos, o mesmo objetivo: apurar as responsabilidades diante dos ilícitos enumerados pelos seus diretores nos acordos celebrados com o Ministério Público Federal. Um deles ingressado por alguns acionistas minoritárias contra os acionistas controladores, uma disputa entre os acionistas apenas, portanto; o segundo ingressado pela própria empresa, a JBS, contra os controladores e os administradores que teriam participado dos supostos atos ilícitos.

Inicialmente, o Ministro considerou que o titular do direito em questão seria a própria empresa, JBS, sendo os acionistas prejudicados indiretos. Assim sendo, a prevalência deveria ser dada – no conflito entre Tribunais – ao procedimento que tenha a JBS como parte, inclusive porque ela sendo titular do direito indenizatório, ela precisaria participar da escolha dos árbitros, da formulação dos pedidos, das alegações e, claro, atuar ativamente no processo.

Diogo Pignataro de Oliveira, sócio do escritório Dantas, Freire & Pignataro Advogados. Foto: Arquivo Pessoal

4 – Abre quais precedentes?

A meu ver, a decisão do STJ privilegia – mais uma vez – a compreensão já sedimentada por ele próprio de que, em se tratando de conflitos patrimoniais, a primazia deve ser da autonomia da vontade das partes e, consequentemente, das regras concebidas pela instituição arbitral que sedia o processo, uma vez que restou expressamente definido que o STJ estaria agindo em tal solução face a inexistência de previsão para tal conflito no Regulamento da Câmara em questão, bem como por ter a Câmara decidida expressamente não poder resolver o conflito positivo, ante o caráter jurisdicional do tema.

De um modo mais amplo, essa decisão, ainda que monocrática, se soma a tantas outras do próprio STJ que valorizam a escolha das partes pela jurisdição privada da arbitragem, cada vez mais entendida como uma via bastante apta e adequada para a solução não somente de diversos conflitos societários, como este, mas de conflitos patrimoniais em geral.