Apesar do aumento da produtividade de tribunais, parcela mais vulnerável da população ainda encontra barreiras ao tentar acessar a Justiça

Os tribunais brasileiros vivenciavam diferentes estágios de virtualização quando, a partir de março de 2020, a pandemia da Covid-19 impôs uma nova dinâmica de funcionamento que impactou a rotina de magistrados, promotores, advogados, defensores públicos e de milhares de brasileiros.

Especialistas destacam que a virtualização trouxe pontos positivos, como maior rapidez de tramitação e melhores índices de produtividade.

Porém uma parcela deles ressalta que também há aspectos negativos que precisam ser observados, como risco de violação de direitos fundamentais e menor acesso à Justiça pelos mais vulneráveis.

Um levantamento feito pela Folha Online, mostra que a maior parte das cortes estaduais (56%) adotou o sistema de audiências virtuais neste período, enquanto outras tiveram experiências anteriores com o modelo.

Com a suspensão inicial das atividades do Judiciário de março a abril, o número de audiências na primeira instância da Justiça Estadual antes e depois da pandemia diminuiu em todos os tribunais. No cenário nacional, a queda foi de 61%, passando de cerca de 6,2 milhões em 2019 para 2,4 milhões.

Em relação a processos julgados na mesma esfera, de acordo com números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), houve uma redução de cerca de 22% no país. Pernambuco e Paraná registraram aumento de processos resolvidos.

Passados quase dois anos, falta uma legislação sobre o tema, que tem sido regulado por meio de resoluções do CNJ e dos próprios tribunais.

Também nesse período, sob a gestão do ministro Luiz Fux, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), o CNJ lançou o programa Justiça 4.0, que tem entre suas propostas a implementação do Juízo 100% digital –que prevê a tramitação de processos de forma exclusivamente eletrônica a partir do consentimento dos envolvidos.

Atualmente, os tribunais brasileiros usam programas para audiências virtuais e sistemas para serviços de Justiça diferentes.

São pelo menos 11 sistemas para processos eletrônicos e 9 programas de vídeoconferência. O objetivo do CNJ, explica Shuenquener, é unificar todo o sistema judiciário brasileiro sob uma única plataforma que tenha ao mesmo tempo vídeoconferência e serviços de Justiça.

A avaliação é que essa transição para uma plataforma única nacional requer cautela, devido à desigualdade digital no país.

Dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio) de 2019, do IBGE, mostram que cerca de 40 milhões de brasileiros com mais de 10 anos ainda não têm acesso à internet.

Em 2022, a maioria dos tribunais deve seguir usando o sistema híbrido, de maneira que casos sensíveis como audiências de custódia e júri popular possam ser julgados presencialmente.

De acordo com o 2º Mapa das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital no Brasil, feito pela Anadep (associação dos defensores públicos) e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) cerca de 58 milhões de pessoas não têm acesso à Justiça devido à falta de defensores públicos.

Quando o assunto é produtividade, o presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Manoel Murrieta, diz que houve um crescimento surpreendente na produção processual com as ferramentas digitais, mas que é preciso observar a situação de regiões com baixa inclusão digital.

Murrieta afirma que o problema também aparece nas audiências de custódia, que demandam interação maior para que o juiz tenha certeza que não houve violação de direitos.

A percepção no Judiciário paulista é a de que, mesmo na esfera penal, houve avanços.

A juíza Jovanessa afirma que foram criadas 684 salas virtuais desde o início da pandemia nas 179 unidades prisionais do estado, o que permitiu a realização de mais de 162 mil audiências, sem necessidade de requisitar transporte para longas distâncias.

O uso das audiências virtuais nos processos penais é um dos pontos criticados por defensores públicos e instituições de direitos humanos que afirmam que a prática contribuiu para a subnotificação de denúncias de violações.

A segurança de mulheres vítimas de violência doméstica, por exemplo, é um fator de preocupação nas audiências virtuais, diz Rivana Ricarte, presidente da Anadep (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos).

“Como garantir que a mulher esteja segura em uma audiência virtual em casa e que seu agressor não estará do outro lado da tela, na mesma casa?”, diz a defensora, que também destaca problemas em casos de audiências com pessoas com deficiência ou menores de idade infratores.

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FONTE: Folha Online | FOTO: Rubens Cavallari/Folhapress