
Especialista reflete sobre o movimento interdisciplinar Análise Econômica do Direito (AED), que se propõe a otimizar as pesquisas científicas tanto na área jurídica como na área econômica
Fillipe Azevedo Rodrigues, Doutor em Educação e Mestre em Direito
Tradicionalmente, ao pronunciar-se a palavra lei, tem-se em mente que se trata de um assunto atinente ao Direito, área do conhecimento cujo objeto supracientífico de análise, também chamado de direito (atenção para a inicial minúscula), é de difícil conceituação.
Essa correlação comum entre a área jurídica do conhecimento (Direito) e a lei se deve ao fato de que lei e direito são sinônimos em certos contextos semânticos. Muito em função do tradicionalismo jurídico arraigado à Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, além das bases fundadas pelo positivismo jurídico de Herbert Hart e Norberto Bobbio, os quais atribuíram ao Direito a autonomia científica pela noção filosófica prescritiva do dever-ser.
Contudo, apesar do bem sucedido corte epistemológico promovido por Kelsen, as discussões quanto ao conteúdo semântico do direito permaneceram tanto no meio jurídico quanto em outras ciências, a exemplo da Sociologia Jurídica, da História do Direito e, sobretudo, da Economia, na linha da proposta deste trabalho.
Para a Economia, uma das leis – ou um dos direitos – mais irrefutáveis do universo é a lei das consequências não intencionais, da qual se extrai o enunciado a seguir: “as pessoas respondem a incentivos, embora não necessariamente de maneiras previsíveis”.
Esses incentivos existem porque as incontáveis necessidades das pessoas expandem-se indefinidamente, ao passo que os recursos para as atender são finitos ou, melhor dizendo, escassos. Por isso, com vistas a satisfazer suas demandas, cada um costuma reagir positivamente aos melhores incentivos e negativamente aos incentivos contrários a seus interesses, haja vista a escassez e iminência de conflito com interesses antagônicos de outros sujeitos em sociedade.
Como ciência social aplicada, a Economia se presta ao estudo da melhor alocação possível dos recursos escassos entre usos alternativos e fins competitivos, dentro de um habitat socializante. Em outras palavras, Fábio Nusdeo entende que “a atividade econômica é, pois, aquela aplicada na escolha de recursos para o atendimento das necessidades humanas. Em uma palavra: é a administração da escassez”.
A priori, a intercomunicação entre Economia e Direito fica evidente, ainda que restrita ao aspecto propedêutico ou sendo uma área o objeto da outra, tal qual a disciplina jurídica Direito Econômico, cujo objeto de análise é a regulação da ordem econômica ou do(s) mercado(s), através de regras e princípios jurídicos.
Já para a Economia, os institutos jurídico-normativos são deveras relevantes, pois consistem nas arestas da atividade econômica – os limites, nos quais, os agentes econômicos devem pautar suas reações aos incentivos existentes. Por essa razão, a reciprocidade que há entre Economia e Direito pode ser reduzida, inicialmente, à seguinte explanação de Fábio Nusdeo sobre o assunto: “quanto mais escassos os bens e aguçados os interesses sobre eles, maior a quantidade e diversidade de normas se fazem necessárias para o equilíbrio de tais interesses”.
Em que pese à profunda confluência dos assuntos econômicos e jurídicos, o diálogo entre as áreas ainda está muito aquém do ideal, muitas vezes em função do desconhecimento e do desinteresse mútuo pelo que se passa nos distintos departamentos acadêmicos. O divórcio científico apenas prejudica a qualidade das pesquisas, cujas conclusões, amparadas sobre frágeis referenciais teóricos da ciência diversa, não repercutem positivamente como deveriam para o mundo real. Mesmo assim, além do pouco que já foi feito, há muito que pesquisar em aberto, sem dúvida a partir de um diálogo interdisciplinar mais profícuo.
Assim, é importante transcrever o esclarecimento aos juristas, feito por Ivo Gico Júnior:
quando falamos em economia nossa pré-compreensão nos leva automaticamente a pensar em dinheiro, mercados, emprego, inflação, juros etc. Assim, por exemplo, são consideradas questões econômicas perguntas do tipo: qual é o efeito da taxa de juros sobre o nível do emprego? Por que empresas nacionais pregam a criação de barreiras tarifárias para seus produtos? (…). Por outro lado, não são tradicionalmente consideradas econômicas perguntas do tipo: por que estupradores costumam atacar entre 5h e 8h30 da manhã ou à noite? Por que os quintais de locais comerciais são geralmente sujos, enquanto as fachadas normalmente são limpas? (…) Por que em Brasília os motoristas param para que um pedestre atravesse na faixa, mas em outros locais do Brasil isso não ocorre? Por que os advogados passaram a juntar cópia integral dos autos para instruir um agravo de instrumento quando a lei pede apenas algumas peças específicas? (…). Para a surpresa de alguns essa perguntas são tão econômicas quanto as primeiras e muitas delas têm sido objeto de estudos por economistas ou cientistas sociais empregando o método econômico.
Entre as questões suscitadas por Ivo Gico Júnior, há em comum a existência de decisões dos agentes envolvidos, afinal, se estão em jogo escolhas, todas as condutas sob análise podem se sujeitar à abordagem metodológica econômica. Em suma, conforme já foi dito, a lei considerada, por economistas, como a mais importante para seus estudos é a reação dos indivíduos a incentivos – jurídicos, amorosos, éticos, biológicos et cetera –, isto é, a diuturna tomada de decisões, típica do comportamento humano.
Isso, porque a premissa utilitarista apontada consiste em considerar que a maioria das pessoas é racional, agindo tal qual homo economicus à procura da satisfação de seus interesses particulares.
É evidente que tais modelos maximizadores operam com margens de erro, pois o comportamento previsível do indivíduo está suscetível ao fluxo de vários outros aspectos sociais e culturais, a exemplo da religião e da ética, entretanto isso não suprime seu valor e sua funcionalidade no aspecto macrocomportamental.
Ao maximizar uma situação concreta da qual se extraem várias alternativas de reação, o indivíduo, como agente econômico, toma uma decisão por aquilo que melhor lhe satisfaz com o menor esforço – ou custo – possível, trata-se de um julgamento de eficiência. Afinal, nessa ponderação, levam-se em conta, para obtenção do resultado, os custos que o precedem.
Pois bem, pode-se entender também a Economia como um método de investigação que “estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que possuem usos alternativos”. Assim sendo, consoante o exposto por Ivo Gico Júnior, a “abordagem econômica serve para compreender toda e qualquer decisão individual ou coletiva que verse sobre recursos escassos, seja ela tomada no âmbito do mercado ou não. Toda atividade humana relevante, nessa concepção, é passível de análise econômica”.
Assim como a ciência do Direito não está restrita às concepções mais convencionais do direito, a Economia, como método científico, não se confunde nem muito menos se propõe apenas ao estudo da atividade humana a que normalmente se chama de economia ou de mercado.
Feitas essas considerações, o movimento interdisciplinar Análise Econômica do Direito (AED), também tratado como Direito e Economia – denominação traduzida do inglês Law and Economics –, propõe-se a otimizar as pesquisas científicas pertinentes tanto à área jurídica como à área econômica.
Entre os vários autores dedicados ao assunto, Steven Levitt e Stephen Dubner mencionam, em especial, o conceito de Gary Becker sobre a utilidade da abordagem econômica e de suas aplicações nos fatos sociais e jurídicos, conforme trecho transcrito a seguir:
Becker sugeriu que a abordagem econômica não é matéria acadêmica nem meio para explicar ‘a economia’, mas, sim, a decisão de observar e analisar o mundo de maneira um tanto diferente. É uma forma sistemática de descrever como as pessoas decidem e como mudam de opinião; como escolhem alguém a quem amar e com quem casar, e talvez alguém para odiar e até matar; como, ao deparar com uma pilha de dinheiro, alguém a saqueará, a deixará intocada ou até a aumentará com o próprio dinheiro; por que, não raro, se tem medo de alguma coisa e se anseia por outra apenas um pouco diferente; por que se pune certo tipo de comportamento e se recompensa outro semelhante.
A partir desses estudos, consolidou-se a AED como “toda tendência crítica do realismo jurídico norte-americano, fundamentada na utilização da teoria Econômica para análise do Direito”, isso de um ponto de vista amplo. Já em sentido estrito, essa nova concepção representou um novo papel instrumental-metodológico da Teoria Econômica aplicada ao âmbito jurídico, servindo-o de bases analíticas e interpretativas para seus diversos ramos, pautando-se sempre pela eficácia da norma.
Para Robert Cooter e Thomas Ulen, além de uma teoria científica comportamental, a Economia “fornece um padrão normativo útil para avaliar o direito e as políticas públicas. As leis não são apenas argumentos arcanos, técnicos; elas são instrumentos para atingir objetivos sociais importantes”. O parâmetro de eficiência, portanto, é sobremaneira relevante já que o alcance dos resultados com o menor custo possível é de interesse público e privado.
Sem embargo, por ser fruto de um processo de abertura metodológica interdisciplinar, a AED apresenta perspectivas variadas de abordagem, que transitam, por exemplo, pelas Ciências Sociais e pelas Ciências Políticas.
A maior parte das correntes funda-se, aprioristicamente, na Teoria da Escolha Racional, que consiste em entender o comportamento humano a partir de paradigmas funcionais. Isto é, diante de um conjunto de opções dadas por uma situação concreta, o indivíduo maximizador de seu bem-estar decide por uma delas, após ponderar os custos de oportunidade (trades off) e os demais custos intrínsecos à escolha em conjunto com os benefícios que dela obterá.
Uma escolha deriva, pois, de uma vontade individual e serve para satisfazê-la, razão pela qual se afirma que o comportamento humano costuma ter uma função precedida e motivada pela vontade do indivíduo maximizador.
A fim de melhor esclarecer o assunto, trata-se de conceitos fundamentais aplicados à Microeconomia, dos quais se extrai a assertiva: “toda escolha pressupõe um custo”. A esse inevitável preço a ser pago se denomina custo de oportunidade.
De tal modo que, exempli gratia, caso você decida ler este trabalho, deixa de praticar outras atividades como estar com amigos, namorar, assistir televisão, exercitar-se ou dormir. Os benefícios extraídos de cada uma dessas atividades é o custo de oportunidade pago por ler este artigo. Observe que a existência de um custo não se confunde, necessariamente, com um valor pecuniário.
Os indivíduos comportam-se em função da maximização daquilo a que atribuem o valor de utilidade; o comportamento previsível e típico da escolha racional é o que leva as empresas a maximizarem lucros, assim como o Fisco maximiza a arrecadação, o ativista ambiental maximiza a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e o assaltante maximiza os benefícios oriundos do objeto roubado.
Além disso, em Economia, a ponderação algébrica dessas escolhas maximizantes se chama função de utilidade, que deve ser associada às restrições no processo de escolha, denominadas de restrição de viabilidade. Em síntese, “diz-se que o consumidor que vai às compras maximiza a utilidade dependendo de sua restrição orçamentária”.
Os modelos econômicos, desenvolvidos nos parâmetros ideais de mercado, assim como as leis da Física, operam com margens de variância, pois o comportamento previsível do indivíduo maximizador está suscetível ao fluxo de diversos outros aspectos sociais e culturais, a custos de transação, bem como às chamadas falhas de mercado, entre as quais cabe destaque às assimetrias de informação e às externalidades.
Apesar de o desvio comportamental por multicausas separarem o Mercado ideal da realidade factual, a construção utilitarista do homo economicus e a Teoria da Escolha Racional não perdem seu valor e sua funcionalidade no aspecto macrocomportamental, pois, assim como os modelos físicos são desenvolvidos em CNTP, os modelos econômicos são bem sucedidos utilizando-se do critério de mercado.
Cabe destacar, aqui, a teoria dos jogos como uma abordagem jus econômica da tomada de decisões em situações de interação entre indivíduos.
Nessa linha, respondendo às objeções quanto à influência das variáveis externas no mercado, Levitt e Dubner são precisos em tratá-las como exceções à regra (mercado). Veja-se: “Essas objeções são válidas e verdadeiras. Porém, embora toda regra tenha exceções, também é bom conhecer a norma. Em um mundo complexo, onde as pessoas podem ser atípicas, de infinitas maneiras, é muito importante identificar padrões”.
Dito isso, concluem: “saber o que acontece em média é bom ponto de partida. Assim agindo, blindamo-nos contra a tendência de desenvolver nosso raciocínio – nossas decisões diárias, nossas leis, nossa governança – com base em exceções e anomalias, em vez de com fundamento na realidade”.
Pois bem, a AED, tendo em vista o seu caráter interdisciplinar, aperfeiçoa os modelos econômicos comportamentais ao não prescindir de posteriores verificações empíricas, bem como ao considerar a influência crucial das instituições – onde se inserem as regras e princípios jurídicos – no (des)equilíbrio do mercado.
Fillipe Azevedo Rodrigues é Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal. Atua como Assessor Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN), Líder do Grupo de Pesquisa em Ciências Criminais (GPCrim) e Vice-Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da UnP. Integra também, na condição de investigador, o Instituto Jurídico Portucalense, Portugal. Possui Graduação em Direito e Mestrado em Direito Constitucional, ambos pela UFRN. Leciona nos cursos de Graduação em Direito da UnP e da UFRN, bem como colabora nas pós-graduações em diversas instituições públicas e privadas. É Formador de Magistrados – para educação presencial e à distância – habilitado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) do Superior Tribunal de Justiça (STJ).Tem experiência nas áreas de Direito, Economia e Educação. Autor dos Livros Análise Econômica da Expansão do Direito Penal (2014 e 2021) e Lavagem de Dinheiro e Crime Organizado (2016), publicados pela Editora Del Rey, Belo Horizonte.