
O estudo encontrou 292 acórdãos sobre o tema em segundo grau nos Tribunais de Justiça do país
Nos últimos cinco anos, 19% das sentenças arbitrais questionadas no Judiciário foram anuladas. É o que aponta levantamento feito pela empresa de pesquisa em doutrina e jurisprudência Arbipedia. A notícia é do Conjur.
O estudo encontrou 292 acórdãos sobre o tema em segundo grau nos Tribunais de Justiça do país. Dessas decisões, 236 mantiveram a sentença arbitral e 56 anularam seu resultado.
A pesquisa revelou ainda aumento no número de decisões em ações anulatórias em segundo grau nos últimos dois anos: em 2019 e 2020 o número de acórdãos foi quase 90% superior à média dos três anos anteriores.
A presidente da Arbipedia, Manoela Ardenghi, explica que em que hipóteses é possível contestar uma sentença arbitral no Judiciário.
“O controle de validade da sentença arbitral faz parte do sistema da arbitragem, conforme o artigo 32 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996). Dependendo da causa dessa nulidade, ainda é possível ao Judiciário determinar o processamento de uma nova arbitragem, para que se corrija o erro. Isso ocorre para que o processamento da arbitragem permaneça de acordo com a vontade contratual das partes”, afirma.
A pesquisadora ressalta que a jurisprudência é majoritária no sentido de que, não verificadas as hipóteses de nulidade previstas no artigo 32 da Lei de Arbitragem, onde se elencam problemas processuais, como temas relativos ao árbitro ou à convenção de arbitragem, o mérito não pode ser revisto. “Assim, destaca-se que o Poder Judiciário vem validando e reforçando o cenário da arbitragem no Brasil, sendo as anulações de sentenças arbitrais as exceções.”
Para o ex-desembargador e advogado Carlos Albetto Garbi, “esse percentual de anulação das decisões arbitrais não é aceitável”.
“Não se pode comparar as decisões arbitrais com as sentenças judiciais. As decisões arbitrais são imunes à revisão pelo Judiciário. Não há uma segunda instância. Quando se reconhece a sua nulidade é porque ocorreu um vício grave no processo, que não deveria ocorrer. Arrisco a dizer que esse percentual teria sido maior não fosse alguma resistência encontrada no Judiciário a intervir na arbitragem, resistência que a estatística revela que está sendo vencida, de forma que poderemos registrar um número maior de anulações.”
Segundo ele, o controle judicial das sentenças arbitrais deve ser visto como fortalecimento da arbitragem no Brasil, porque assegura à parte, diante de um vício no processo, a possibilidade real de anulação da decisão.
A proporção de anulações é a mesma já constatada nos tribunais superiores. Segundo pesquisa feita pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) em 2016 sobre acórdãos proferidos por tribunais superiores a respeito de ações anulatórias arbitrais, de 11 ações anulatórias de sentença arbitral levadas ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, duas resultaram em anulação (18%). Nos dois casos, foi mantida a decisão proferida pela Justiça em segunda instância. No caso de homologação de sentenças estrangeiras, foram analisadas 49 decisões, das quais apenas duas concluíram que a sentença arbitral era “atécnica” (4% do total).
Dados recentes relativos à Justiça inglesa chegaram a um índice de anulações mais baixo. Relatório da Justiça Comercial inglesa revela que no biênio 2018-2019 foram apreciados 73 processos questionando procedimentos arbitrais com base em alegações de ilegalidade ou irregularidade. Apenas três pedidos foram considerados procedentes (4%).
O estudo da Arbipedia não chegou a conclusões sobre as causas mais comuns de anulação das sentenças arbitrais no Brasil, mas especialistas da área costumam apontar a escolha dos árbitros como principal foco de tensão entre as partes e a suspeição como motivo mais recorrente de questionamento e anulação.
Uma hipótese comum de anulação de procedimentos arbitrais no Brasil também são os contratos consumeristas ou de adesão, muito usados na área imobiliária. Mas esse efeito teve peso reduzido na pesquisa Arbipedia, uma vez que nesses casos o questionamento ocorre normalmente na fase de execução.
“A jurisprudência dos tribunais costuma considerar nula de pleno direito a cláusula compromissória inserida nos contratos de consumo por força do artigo 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor, se o consumidor não concordar ativamente com a instauração da arbitragem”, diz Manoela Ardenghi.
Casos notórios
Recentemente, casos notórios de anulação judicial colocaram o tema em evidência no país. Em abril deste ano, a 7ª Vara Cível Federal de São Paulo suspendeu decisões proferidas em dois procedimentos arbitrais que poderiam custar R$ 166 bilhões aos cofres da União. A ação foi movida contra decisões da Câmara de Arbitragem Brasileira da B3, nas quais acionistas minoritários responsabilizavam a União por danos relativos à operação “lava jato”. O entendimento é de que o ente público, no caso, não se sujeitaria à arbitragem.
Em março deste ano a 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados a Arbitragem de São Paulo suspendeu decisão arbitral proferida em fevereiro pela International Chamber of Commerce em disputa entre os grupos J&F e Paper Excellence sobre a produtora de celulose Eldorado. As alegações levadas pela J&F à Justiça eram três: suspeição do árbitro (omissão de conflito de interesse); espionagem industrial (hackeamento de mensagens); e exacerbação de poder (sentença arbitral extrapolou os termos do contrato).
A pesquisa realizada pela Arbipedia considera apenas uma parcela dos questionamentos judiciais contra procedimentos arbitrais, uma vez que analisa apenas decisões em segundo grau, e dentro desse universo, apenas acórdãos em ações anulatórias. O trabalho não considera outras modalidades de questionamento de arbitragem, como ações na fase de execução e anulações parciais de sentenças arbitrais.
O número de processos encontrado pela pesquisa representa também a fração do total de procedimentos arbitrais judicializada e levada a segundo grau. Segundo levantamento produzido pela advogada e professora especialista em arbitragem Selma Lemes, em apenas oito das principais câmaras arbitrais do país foram iniciados em 2019 um total de 289 procedimentos arbitrais, totalizando 967 processos em curso.
FONTE: Conjur | FOTO: Pixabay