
Carlos Magno Araújo, especial para Juristec | Fotos: Frankie Marcone
Mata-se um leão por dia, mas na essência o trabalho é de formiguinha. Nem por isso menos valorizado. Antes, pelo contrário. Se a área da tecnologia é uma selva, muito ainda a ser explorada – e preservada -, é preciso ser animal para se criar e sobreviver.
Há sete anos, a startup potiguar Processo Ágil surgiu para transformar os escritórios de advocacia no Rio Grande do Norte, trabalho que já alcança hoje outros estados nordestinos. Pode-se dizer que o segmento era mata virgem em termos de inovação.
A transformação a que se propõe a startup é focada na tecnologia, mas vai além. Mira nos negócios, no salto que os escritórios precisam realizar para alcançar mais eficiência.
Para ficar na metáfora do mundo animal, a Processo Ágil aplica soluções que não apenas aceleram os processos clássicos de rotina, como a captura eletrônica de processos, mas aprimoram os modelos de gestão, o que tem feito com que bancas que pareciam dinossauros, ou mastodontes, se renovem ágeis feito leopardos.
A mágica se dá a partir do desenvolvimento de softwares capazes de fazer com que os escritórios deixem de perder tempo com tarefas ditas burocráticas e invistam recursos no atendimento e na prospecção de clientes.
Na prática, significa menos tempo para tarefas manuais e burocráticas e mais atenção para a atividade fim.
A transformação aplicada pela Processo Ágil inclui aprimoramento constante para acompanhar as necessidades dos clientes e a criação e implantação de plataformas próprias, com monitoramento de resultados.
Mas não foi sempre assim. Quando nasceu, em 2011, a Processo Ágil era ainda Soft Urbano, o sistema de gestão criado especificamente para os escritórios de advocacia.
Na época, quando ainda não se falava em robôs e inteligência artificial, muito menos em lawtechs ou legatechs, a Soft Urbano foi pioneira no País a fazer a captura automática de processos, automatizando a busca nos tribunais das ações de que faziam parte os escritórios que atendia.
Quando novas atividades foram sendo acrescidas ao serviço oferecido, como a introdução de estratégias de rotina e gestão nos escritórios, e quando o trabalho iniciado no RN começou a ganhar aspecto regional, com a ampliação para outros estados nordestinos, em 2015, surgiu a necessidade de mudar o nome.
E a maneira mais fácil de comunicar, foi destacando o objetivo: tornar os processos mais ágeis. Hoje a Soft Urbano é o software que cuida da captura automática de processo e faz a gestão completa dos escritórios de advocacia.
E a Processo Ágil, que abarcou a Soft Urbano, desenvolve plataformas e estratégias e oferece consultorias para tornar mais ágil a rotina dos escritórios e acompanhar com os clientes os resultados.
Viver a dor para encontrar a solução

À frente da área de estratégia comercial e de prospecção de clientes da Processo Ágil, o CSO Thales Fagner conta que a startup surgiu a fim de resolver um problema que ele próprio conheceu como estagiário de Direito num escritório em Natal.
À época, fins de 2010, ele recebia pilhas de cópias em papel de publicações do Diário Oficial da Justiça, trazidas diariamente por um motoqueiro, para então separar os processos ligados ao escritório e verificar o andamento de cada um no judiciário.
Com o incentivo do dono do escritório, que também procurava soluções ágeis, Thales, então com 21 anos, ajudou a desenvolver um sistema que, com base no nome do advogado, era possível entrar nos canais da Justiça e saber exatamente quantos processos do escritório havia e ainda acompanhar seu andamento.
Logo em seguida, já aperfeiçoando a ideia inicial, foi desenvolvido um robô que entrava no sistema da Justiça, recortava as publicações de interesse do escritório e fazia a distribuição por e-mail. O robô também capturava a tramitação de cada processo, em larga escala.
“A gente pegava, além da tramitação, a capa do processo, com o nome das partes, o número do processo, a vara, a instância, o status, o assunto, a data, enfim uma série de informações antes buscadas manualmente”, lembra Thales.
Percebeu-se, então, que o problema que o escritório sofria era comum aos outros. Daí não foi difícil enxergar, na alternativa que haviam desenvolvido, uma possibilidade de negócio.
Para se ter ideia de como isso avançou, hoje a Processo Ágil dispara, em quatro horas, de 5 mil a 6 mil e-mails, todo dia, para seus clientes, levando para cada um a situação dos processos de seu interesse. Oferece ainda os atos internos administrativos dos tribunais, o que não costuma ser publicado no Diário Oficial.
Além de Thales Fagner, integram a Processo Ágil quatro sócios : Wagner Chaves (CEO), o presidente executivo ou diretor geral; Tibério César (CTO), o diretor de Tecnologia; e Bruno Daniel (SDE) e Alexandre Tasca (SDE), os engenheiros desenvolvedores das plataformas.
Para deslanchar, a técnica da teia de aranha

Na segunda fase, o desenvolvimento de uma plataforma de gestão, foram incluídos novos módulos para melhorar a administração dos escritórios, para organizar a clientela, para organizar as agendas, para disparar notificações, para armazenar arquivos em nuvem e para organizar a rotina financeira. “Isso tudo vai muito além do atendimento jurídico, nós passamos a oferecer em nossa plataforma uma rotina para os negócios”.
O entendimento de Thales é que só a tecnologia, embora fundamental, não é suficiente para melhorar a produtividade dos escritórios. Mais do que isso, eles carecem, ainda, de processos de gestão que reúnam um olhar empreendedor, observa o executivo. “Por isso passamos a desenvolver fluxos de trabalhos com nossos clientes”.
Embora a solução soasse perfeita para os escritórios de advocacia, não foi fácil, no primeiro momento, levar a iniciativa aos potenciais clientes. Se por um lado pesava a eficácia da solução criada, por outro a pouca idade dos empreendedores surgia como impeditivo.
Thales então recorreu aos livros que havia lido sobre marketing e negócios, sobretudo os que tratavam da dinâmica da teia de aranha, e assumiu o trabalho de formiguinha. Pessoalmente, bateu de porta em porta oferecendo a novidade.
Quando, enfim, sua plataforma foi contratada e implantada, perguntou e em seguida propôs ao cliente: “você gostou? está satisfeito com o que oferecemos? Então me indique a cinco clientes”.
Assim, a Soft Urbano e depois a Processo Ágil deslancharam. A explicação, segundo Thales, é só uma: “nossa plataforma está focada na solução de problemas”.
Essa “corrente” até hoje rende. Desde que a startup foi criada a taxa de crescimento gira em torno de 40% ao ano. “Jamais precisamos fazer anúncios ou campanhas porque nosso crescimento se dá o tempo inteiro praticamente por indicação”, festeja ele.
Hoje, além do Rio Grande do Norte, a Processo Ágil está na Paraíba, Pernambuco, Ceará e Piauí – e continua se expandindo para outros estados nordestinos, o foco da startup, que não pensa no mercado do centro-sul do país.
“Notamos que ainda temos muito a fazer na região”, diz. “Nós procuramos atuar em cima das dores do cliente, mapeando as suas frustrações, as suas dificuldades e criando pacotes a fim de curar estas dores”.
Thales explica que a Processo Ágil desenvolveu um produto específico de consultoria em que mapeia a estratégia comercial dos escritórios e a direciona para o que o mercado está necessitando. “Eu procuro elevar a qualidade dos escritórios de advocacia com os quais trabalho, desenvolvendo sistemas próprios, para que eles concorram em alto nível”, resume.
Em crescimento, startup vive a fase de tração

A Soft Urbano, que ao se expandir para o Nordeste, se transformou em Processo Ágil, é uma startup graduada.
Significa que não segue apenas os princípios básicos dessas empresas que surgiram com foco na aplicação da tecnologia, mas participou de todo o processo de criação e montagem de uma startup.
Ao surgir, em 2012, quando ganhou um edital da Fundação de Pesquisa do RN, o Instituto Metrópole Digital, hoje o grande propulsor dos negócios digitais em solo potiguar, ainda estava começando.
Quando o instituto começou a funcionar, a Soft Urbano foi a segunda empresa acelerada e incubada no IMD, que pertence à Universidade Federal do RN. Atravessou todas as fases comuns para a instalação de uma startup – curiosidade, ideia, oportunidade, operação, hipóteses, crescimento e consolidação – e obteve todas as credenciais e certificações para entrar nesse ecossistema.
“Hoje a gente está no período de tração, que é aumentar o volume de negócios, porque já temos investidores injetando dinheiro, temos produto escalável, tecnologia replicável, infraestrutura replicável, nossos próprios datacenters, representatividade e respeito do mercado”, descreve Thales.
“Passamos por todas as etapas, como sobreviver aos três anos, enfrentar período de crise e entrar na curva de tração”, explica. “Hoje as pessoas me vêem como vendedor de solução”.
A propósito, o “break even” da Processo Ágil, conhecido como ponto de equilíbrio do negócio entre receitas e despesas foi alcançado já em 2015.
A equipe da Processo Ágil conta hoje com 14 pessoas, nos setores administrativo-financeiro, de implantação, de desenvolvimento, comercial e infraestrutura, incluindo os quatro sócios e o responsável pela área de Customer Success (CS), que cuida da satisfação do cliente, mas esse número costuma ser flutuante.

É que em alguns projetos, primeiro a equipe planeja e programa para só em seguida contratar mais gente para a execução. “Percebemos que isso gera uma economia absurda”, diz Thales, que, aos 28 anos, cursou três faculdades – Direito, Contabilidade e Engenharia de Petróleo – mas não concluiu nenhuma. “Fui me interessando e cursando para aprender a falar de igual para igual com meus clientes”.
A Processo Ágil atende em torno de 2 mil advogados em todo o Nordeste, que atuam nos cerca de 800 escritórios contratados.
A expectativa de ampliação ainda é grande porque, de acordo com os cálculos do empresário, o Norte e o Nordeste concentram em torno de 200 mil advogados e, ainda pela estimativa, cerca de 90% não dispõem de sistema de gestão e das soluções oferecidas pelo Processo Ágil.
Além disso, calcula-se que, por semestre, são formados e lançados ao mercado, somente no RN, 3 mil novos bacharéis em Direito. Considerando-se que em torno de 10% conseguem ser aprovados no exame da OAB tem-se, ainda assim, uma quantidade considerável.
“Costumo dizer que tecnologia não é ideia, é modelo de negócio”, raciocina Thales Fagner. “Porque se você tiver a ideia e não tiver um modelo de negócio bem apurado, não será o suficiente”.