
A aplicação da Teoria da Aparência (quando são válidos atos jurídicos com base em situação aparente, ainda que não seja a realidade) só é possível para afastar vício em negociação que foi feita por pessoa que firmou o ato de boa-fé.
A fundamentação é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que manteve decisão da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que declarou a inexistência de débitos referentes a contratos firmados entre o espólio de um fazendeiro e uma empresa. No caso, a empresa ajuizou execução para receber valores correspondentes à venda de 175 mil sacas de milho, que valem cerca de R$ 5,8 milhões.
Consta no processo que, depois de ter firmada a venda e não receber os valores, a empresa ajuizou execução contra os herdeiros. O espólio, então, ajuizou embargos de declaração, alegando que o negócio foi firmado por uma pessoa que não tinha poder para tal, e que uma procuração falsa foi utilizada.
Em primeiro grau, o juiz restringiu a dívida e reconheceu a exigibilidade de apenas 59 mil sacas, equivalentes a cerca de R$ 1,4 milhão, mas condenou a empresa a pagamento de R$ 50 mil por danos morais, em razão da inclusão dos herdeiros em cadastro de inadimplentes. Depois, o tribunal mato-grossense anulou todo o contrato, mantendo a indenização.
Liquidez necessária
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso, rejeitou as alegações da empresa de cerceamento de defesa e de negativa da prestação jurisdicional. Ele também rechaçou a hipótese de enriquecimento sem causa, alegando que as instâncias ordinárias não comprovaram que houve recebimento de parte das milhares de sacas de milho, e afirmou que a execução pressupõe existência de título “hígido e devidamente dotado de liquidez”.
“Não se pode perder de vista que as execuções fundadas em título extrajudicial pressupõem a existência de um título hígido e devidamente dotado dos atributos de liquidez, certeza e exigibilidade, sendo inviável impingir força executiva a contratos celebrados com quem não tinha poderes para representar o espólio e com o uso de instrumento de procuração reconhecidamente falso”, escreveu o ministro.
Sobre a Teoria da Aparência, citada pela empresa, o ministro afirmou que, ainda que tenha participado de negociações no passado, o ex-empregado que assinou a venda (com procuração falsa) não tem legitimidade para selar qualquer tipo de negócio em nome de terceiros. As decisões de primeiro e segundo graus, diz Cueva, delinearam que o ex-empregado não agiu de boa-fé quando assinou a venda.
“No âmbito desta Corte Superior existem, de fato, inúmeros julgados que admitem a aplicação da Teoria da Aparência para afastar eventual vício existente em negociação realizada por pessoa que se apresenta como habilitada para tanto, mas todos eles deixam expressa a condição de ter o terceiro firmado o ato de boa-fé.”
Cueva votou por manter a inexigibilidade de toda a dívida, tendo em vista que o contrato é nulo, e manteve a indenização por dano moral em razão da inclusão indevida em cadastro de inadimplentes. A decisão foi unânime.
REsp 2.084.236
FONTE: Conjur | FOTO: STJ