
Sancionada na esteira dos protestos de junho de 2013 que pediam combate à corrupção, a lei que criou o instrumento das delações premiadas passou por mudanças que ampliam o poder dos juízes e limitam a atuação do Ministério Público. A reportagem, de Reynaldo Turollo Jr., está no portal da Folha de S. Paulo.
As modificações que entram em vigor nesta quinta-feira (23) ocorreram com a aprovação no Congresso do pacote anticrime, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro. Pelo novo texto, o juiz ganha maior poder para examinar e validar novos acordos de delação. O instrumento tem sido uma das bases de atuação dos procuradores da Lava Jato.
A nova lei despertou debates. Há consenso de que a mudança foi substancial e dúvidas sobre como alguns trechos serão aplicados e divergências de interpretação entre advogados e procuradores. O Ministério Público Federal estuda questionar pontos do texto no STF (Supremo Tribunal Federal).
Parte das alterações inclui na lei dispositivos que refletem a jurisprudência do Supremo, como o que prevê que réus delatados se manifestem sempre depois dos delatores, seguindo decisão do plenário sobre a ordem das alegações finais (a última oportunidade para as partes apresentarem seus argumentos antes da sentença).
Outra parte das mudanças busca resolver questões em aberto no tribunal, antecipando-se à deliberação dos ministros.
O trecho que fala da homologação de novos acordos, que antes dizia que o juiz devia analisar apenas três aspectos formais —regularidade, legalidade e voluntariedade—, agora ficou mais detalhado e abrangente.
O juiz deverá verificar, entre outros pontos, se os benefícios acertados entre o Ministério Público (ou a polícia) e o delator, como o tipo de regime de cumprimento de pena, estão previstos na legislação.
Antes, não era raro procuradores inovarem com regimes de cumprimento de pena inexistentes, como domiciliar semiaberto diferenciado (trabalha de dia e vai para casa à noite) ou domiciliar aberto diferenciado (recolhimento nos finais de semana) —exemplos registrados na delação da Odebrecht.
ENTENDA AS MUDANÇAS NA LEI
Juiz ganha maior poder de exame
. Ao homologar acordo, juiz pode ir além da análise formal destes três aspectos: regularidade, legalidade e voluntariedade. Pode analisar se os benefícios acertados entre o Ministério Público e o delator são adequados e, na leitura de advogados, já pode adentrar no “mérito” da delação, verificando se há provas que corroborem os relatos e se eles trarão resultados
. Previsão de o juiz ouvir o delator sigilosamente antes de homologar um acordo passa a ser obrigatória. O aspecto da voluntariedade deve ser analisado especialmente nos casos em que o delator está ou esteve sob efeito de medidas cautelares, como prisão preventiva
. Só podem ser acordadas penas que existem na legislação. Antes, procuradores inovavam ao propor regimes não previstos —como o “domiciliar semiaberto diferenciado” (trabalha de dia e vai para casa à noite), registrado na delação da Odebrecht. Penas inexistentes serão anuladas
Valor da delação
. Lei consagra o que a jurisprudência do STF já dizia: delação é meio de obtenção de provas, e não prova
. Determinação de que ninguém pode ser condenado só com base na palavra de delatores foi mantida e ampliada: agora, não se pode receber denúncia (abrir ação penal) nem autorizar prisão, quebra de sigilo e busca e apreensão com base apenas em delação
Extensão da delação
. Suspeito que quiser fechar acordo não precisará mais narrar todos os crimes que souber, mas apenas aqueles “para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados”
Rescisão do acordo
. Lei passa a prever a rescisão da delação “em caso de omissão dolosa”. Será preciso que o Ministério Público consiga provar que o colaborador escondeu fatos intencionalmente
Conversas gravadas
. Todas as tratativas entre Ministério Público/polícia e delator e posteriormente os depoimentos deverão ser gravados. Ideia é evitar episódios como o da delação da JBS, que teve controvérsias sobre quem participou das tratativas e quando elas começaram
Ordem de fala
. Seguindo entendimento do STF, nova lei prevê que, em todas as fases do processo, o réu delatado terá direito de se manifestar depois do réu delator, para poder se defender das acusações.
FONTE: Folha de S. Paulo | Foto: Pedro França/Agência Senado/Fotos Públicas