Reportagem censurada desde agosto traz depoimentos de oito vítimas de abusos sexuais cometidos por humorista

Avançar sobre uma atriz, só de toalha e com o pênis ereto pedir sexo oral para outra, como recompensa por ter trazido a profissional para a Globo; levar as mãos de mulheres para seus genitais e dizer frases como “você faz parte das minhas fantasias sexuais” ou “como você está gostosa com essa roupa”.

De acordo com a revista Piaui, essas são algumas das descrições que constam nas acusações de oito mulheres, que se dizem vítimas de abuso sexual por Marcius Melhem, ex-chefe do departamento de humor da Globo.

Em nota, a defesa de Melhem afirma que a revista “publica apenas parte do processo, distorce a realidade e omite fatos e provas da defesa de Marcius Melhem”.

As afirmações foram publicadas em reportagem da revista nesta segunda, após ficar censurada por 172 dias, isto é, desde o dia 12 de agosto de 2021. A decisão havia sido tomada pela juíza Tula Corrêa de Mello, da 20ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, a pedido da defesa de Melhem por suposta violação do sigilo do processo judicial.

Em 31 de janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes derrubou a medida, considerando que a censura prévia à imprensa viola a Constituição.

Todas as mulheres, entre as quais a humorista Dani Calabresa tomou a frente, depuseram à promotora Gabriela Manssur, coordenadora da Ouvidoria Nacional do Ministério Público, seja em vídeo ou texto. Suas identidades estão sob sigilo.

Segundo os relatos descritos pela revista, o flat alugado pela Globo, que funcionava como redação do departamento de humor, é um dos lugares recorrentes onde ocorreram esses abusos, datados entre 2010 e 2019. Melhem receberia as atrizes só de cuecas, ou ainda com as calças abaixadas, ou sem calças. Uma relata ter sido chamada de “piranha”, outra que se lembra de ele apontar para o banheiro e dizer “vamos?”, em tom convidativo, propondo sexo.

Outra atriz citada pela reportagem menciona ainda a ocasião em que Melhem pediu para tomar um banho no flat dela antes de ir para uma festa. Uma amiga estaria por lá na ocasião, mas teve um contratempo. Nisso, o humorista teria saído do banheiro, com o pênis ereto, e tentado agarrar a vítima. Diante da resistência, soltou, mas fez menção ao episódio, em conversa por WhatsApp com a atriz, dando uma nova chance para que ela aceitasse a relação sexual.

A defesa de Melhem, em nota, afirma que a cena no flat descrita pela atriz não aconteceu dessa maneira.

“A revista omite que a atriz seguiu amiga de Marcius por muitos anos após o episódio, convidando seu suposto abusador para seu casamento e para ir à sua casa conhecer sua filha recém-nascida, para citar dois exemplos”, diz a nota. Ainda segundo a defesa de Melhem, a relação entre os dois só se “estremeceu cinco anos depois, quando ela não foi convidada para o programa ‘Fora de Hora'” e que uma troca de mensagens comprova que não houve nada de traumático na relação.

No início de novembro de 2021, ainda segundo a Piauí, Melhem falou também à Delegacia de Atendimento à Mulher, no centro do Rio de Janeiro, mas, na transcrição do depoimento, ele gasta apenas duas linhas —de um total de oito páginas— se referindo a esse último caso. Nega que tenha deixado o banheiro só de toalha e que tentou agarrar a atriz à força.

Quando questionado se recebia atrizes de “cuecas, com as calças abaixadas ou sem calças”, respondeu que isso ocorreu apenas uma vez e que “se tratava de brincadeira e também não tinha conotação sexual”. O termo “brincadeira”, aliás, é recorrente na sua defesa.

Os casos envolvem ainda o bar Vizinha 123, em Botafogo, onde testemunhas lembram quando Dani Calabresa foi assediada, ainda segundo a reportagem.

E, apesar das denúncias internas à Globo, a emissora e Melhem dizem que ele deixou a empresa “de comum acordo”. Ele estava afastado desde março de 2020. Após cinco meses no exterior, voltou ao país, mas não foi reincorporado à empresa.

A revista, no entanto, afirma que teve acesso a documentos que descrevem que o humorista foi punido com demissão após o departamento de compliance da emissora ter encontrado “alegações de práticas abusivas” graves.

Sem previsão de encerramento do caso, Melhem já teve depoimentos favoráveis de pelo menos cinco colegas, como as atrizes Flavia Reis, Patricia Pinho e Renata Castro Barbosa, e a diretora Alice Demier, do “Zorra”, e o humorista Welder Rodrigues.

Outras dez testemunhas deram relatos contra Melhem. Entre elas, os atores Marcelo Adnet, ex-marido de Dani Calabresa, George Sauma, Eduardo Sterblitch, a atriz Maria Clara Gueiros e o diretor Mauro Farias, que comandou o “Zorra” e o “Tá no Ar”.

FONTE: Folha Online com Revista Piaui | FOTO: Reprodução