Por unanimidade, a 9ª câmara Cível do TJ/GO permitiu a tramitação, em Goiânia, de ação de divórcio cumulada com guarda e alimentos, mesmo com o menor – filho do casal – residindo com o pai nos Estados Unidos.

O colegiado seguiu o voto do relator, desembargador Luiz Eduardo de Sousa, que reconheceu a possibilidade de flexibilização da regra de competência prevista no art. 147, I, do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança.

O caso

Os genitores se casaram em 2002 e tiveram dois filhos. A família viveu boa parte do tempo em missão religiosa, alternando residência entre o Brasil e os Estados Unidos.

Em 2023, a mãe retornou ao Brasil, enquanto o pai permaneceu com o filho de 16 anos nos Estados Unidos, onde o adolescente prossegue seus estudos.

Após manifestar o desejo de se separar, a mãe decidiu permanecer em território nacional, enquanto o pai assumiu a guarda de fato do filho, que expressou vontade de continuar residindo nos EUA.

A ação foi ajuizada pela mãe na 7ª vara de Família de Goiânia, mas o juízo de primeiro grau declarou a incompetência absoluta para processar e julgar os pedidos relativos à guarda, convivência e alimentos do menor, sob o fundamento de que ele reside com o pai no exterior.

Inconformado, o pai interpôs agravo de instrumento, pleiteando a flexibilização da regra de competência, a fim de que a demanda fosse processada no Brasil.

Alegou que, diante da tramitação eletrônica e da possibilidade de realização de audiências virtuais, não haveria qualquer prejuízo processual às partes ou ao adolescente.

No recurso, também requereu a fixação de alimentos provisórios no valor de 30% do salário mínimo, a guarda provisória do filho e a regulamentação da convivência provisória com a genitora.

Quanto à convivência, sugeriu que fosse exercida durante as férias escolares, por 15 dias a um mês, com a mãe arcando com os custos da vinda do filho ao Brasil, ou, alternativamente, exercendo a convivência diretamente nos Estados Unidos, mediante acordo entre as partes.

Flexibilização

Ao votar, o relator observou que, embora o art. 147, I, do ECA estabeleça a competência do foro do domicílio do guardião, essa regra pode ser relativizada em situações excepcionais, nos termos da súmula 383 do STJ.

Ressaltou que a CF (art. 227) e o próprio ECA (art. 4º) priorizam o direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente. Assim, a aplicação do princípio do melhor interesse do menor justifica a flexibilização da regra de competência.

O julgador apontou que a aplicação rígida da norma poderia comprometer a proteção efetiva dos direitos do menor.

“A aplicação do princípio do melhor interesse do menor justifica a flexibilização da regra de competência, especialmente quando sua observância estrita possa comprometer a efetiva proteção dos direitos da criança ou do adolescente”, registrou.

Segundo o acórdão, as peculiaridades do caso – como a guarda de fato exercida no exterior, a facilidade de atos processuais remotos e a permanência da genitora no Brasil – tornam viável e mais adequada a tramitação do processo em Goiânia, sem prejuízo à ampla defesa ou ao contraditório.

“Entrementes, considerando a peculiaridade do caso, imperioso considerar que o processamento da demanda no domicílio da ré no Brasil resguarda os interesses do menor, lembrando que a tramitação do processo de forma eletrônica, bem como a possibilidade de realização dos atos processuais por videoconferência possibilita a efetiva participação de ambas as partes.”

O TJ/GO não analisou os pedidos de mérito relativos à guarda, alimentos e convivência, por considerar que isso configuraria supressão de instância, já que tais questões ainda não haviam sido apreciadas pelo juízo de origem.

O acórdão limitou-se a reformar a decisão de incompetência e determinar o recebimento da petição inicial na 7ª vara de Família de Goiânia.

Processo: 5090013-04.2025.8.09.0051

FONTE: Migalhas | FOTO: Pixabay