
A 14ª câmara Cível do TJ/MG condenou uma faculdade ao pagamento de R$ 20 mil por danos morais por expulsar aluna do curso de Direito que havia trocado um beijo com outra estudante. O colegiado reconheceu que a sanção teve motivação homofóbica e foi aplicada sem o devido processo administrativo, em violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
O relator, desembargador Nicolau Lupianhes Neto, ressaltou que “é preciso não apenas erradicar práticas homofóbicas, mas também adotar condutas positivas, visando educar e orientar a comunidade sobre as diversas concepções de gênero e sexualidade. (…) Ademais, o STJ tem reiteradamente afirmado que os direitos relativos à igualdade e ao tratamento isonômico implicam o direito a ser diferente, vedando-se qualquer discriminação”.
Entenda o caso
A aluna, regularmente matriculada no curso de Direito, foi sumariamente expulsa após ter beijado outra aluna, com consentimento, no banheiro da faculdade. A sanção foi aplicada sem a instauração de processo administrativo disciplinar, como exigido pelo regimento interno da própria instituição.
A estudante afirmou que a medida teve motivação homofóbica, uma vez que casais heterossexuais com frequência expressavam afeto nas dependências da faculdade sem qualquer sanção. Testemunhos de ex-colegas confirmaram tratamento diferenciado por parte da instituição. Segundo os relatos, manifestações de afeto entre casais heterossexuais, como beijos e abraços nos corredores da instituição, eram toleradas, enquanto o comportamento da aluna foi duramente punido.
A faculdade, por sua vez, defendeu a legalidade do ato punitivo, com base em norma interna que permite desligamento por ofensa moral grave.
Violação da direitos fundamentais
O relator, desembargador Nicolau Lupianhes Neto, destacou que tanto a CF quanto tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário repudiam qualquer forma de discriminação, incluindo a baseada na orientação sexual.
“A necessidade de se privilegiar o pluralismo social, com o consequente respeito aos casais homoafetivos, é reforçada por diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.(…) tanto a CF, quanto a consolidada jurisprudência dos tribunais Superiores buscam afastar toda e qualquer discriminação e preconceito relacionados à orientação sexual, coibindo práticas que atentem contra a liberdade de autodeterminação das pessoas, em especial da comunidade LGBTQIA+.”
Também enfatizou que a conduta da aluna – um beijo consentido – não poderia, sob nenhuma ótica razoável, ser classificada como ofensa moral grave.
“Observo que os depoimentos colhidos durante a instrução processual são claros ao demonstrar que casais heterossexuais não sofreram as mesmas sanções por comportamentos semelhantes, ao contrário do que alegado pelo juízo primevo, configurando tratamento discriminatório contra a apelante devido à sua orientação sexual. Assim, a expulsão, sob o pretexto de manutenção da ordem e dos bons costumes, revela-se como ato de homofobia, violando os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.”
O desembargador também levou em consideração o laudo psicológico, que indicou necessidade de acompanhamento psiquiátrico emergencial diante do impacto da expulsão. O documento indicou sintomas de ansiedade, depressão e insônia, além de medo de retaliações na cidade natal da estudante.
Diante do conjunto das provas, o tribunal fixou a indenização por danos morais em R$ 20 mil, reconhecendo a conduta da instituição como discriminatória, desproporcional e ofensiva à dignidade da pessoa humana.
Processo: 1.0000.24.149537-3/001
FONTE: Migalhas | FOTO: Reprodução (Imagem Ilustrativa)