
A desigualdade na composição das Câmaras Empresariais no Poder Judiciário foi objeto de recente manifestação de um conselheiro do CNJ. Na oportunidade, Guilherme Feliciano, relator do caso em pauta, alertou sobre o problema e propôs revisão normativa voltada à promoção da equidade de gênero nos órgãos colegiados especializados dos tribunais.
No caso concreto, a autora – desembargadora do TJ/SP – pleiteava vaga em uma das Câmaras Empresariais com fundamento em ação afirmativa de gênero. Contudo, às vésperas do julgamento, apresentou pedido de desistência, homologado pelo relator, com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito.
Andamento do caso
O pedido analisado questionava os critérios utilizados para preenchimento das vagas nas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial da Corte paulista.
A requerente sustentava que o atual modelo de provimento, baseado em eleição interna pelo Órgão Especial – composto majoritariamente por homens -, favorece a exclusão de mulheres desses colegiados especializados, reforçando barreiras históricas à sua ascensão institucional.
A petição defendia que a próxima vaga aberta nessas câmaras fosse destinada à autora como forma de ação afirmativa, com base no chamado “merecimento equiparado”.
A argumentação invocava dispositivos constitucionais, normas internacionais (como a Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW), a resolução CNJ 540/23 e o próprio regimento interno do TJ/SP.
Também foi questionada a legalidade do edital 8/25, publicado pelo TJ/SP, que previa o preenchimento de vaga na 1ª câmara Empresarial por meio de eleição.
Segundo a autora, o procedimento violava o regimento, uma vez que a câmara deveria ser considerada permanente, hipótese que exigiria provimento por promoção, remoção ou permuta – e não por eleição.
O TJ/SP, por sua vez, sustentou que as Câmaras Empresariais têm natureza temporária, o que legitimaria o uso do critério de eleição previsto no §2º do art. 34 do regimento interno.
Argumentou, ainda, que as resoluções do CNJ aplicam-se ao acesso à magistratura de 2º grau, e não à organização interna das câmaras. Acrescentou que a requerente não se inscreveu no edital impugnado, tampouco figurava em lista de merecimento ou pleiteava remoção, o que inviabilizaria o acolhimento do pedido.
Em decisão anterior, o relator já havia indeferido a tutela de urgência requerida, observando que, mesmo que a tese prevalecesse, a vaga seria preenchida por antiguidade – e não pela autora, que estaria em terceiro lugar entre os inscritos. Destacou, ainda, que sua ausência no certame impedia eventual reconhecimento de direito subjetivo à nomeação.
A desistência do pedido foi formalizada e homologada pelo relator, que determinou a extinção do processo sem resolução de mérito.
Ainda assim, ele aproveitou a decisão para levantar pontos estruturais e recomendar o aprofundamento do debate sobre a adoção de ações afirmativas no preenchimento de colegiados especializados.
Alerta estrutural
Apesar da desistência, o conselheiro destacou que o caso concreto reflete uma realidade institucional mais ampla.
Segundo ele, há indícios de estruturas burocráticas que perpetuam estereótipos de gênero e limitam o acesso de mulheres a espaços de poder.
“Julgo pertinente registrar que o quadro geral apresentado neste feito sugere a possibilidade de arranjos burocráticos que caminharão tendencialmente para ensejos de discriminação estrutural – e não apenas no TJ/SP, mas potencialmente em vários outros tribunais do país -, reforçando estereótipos ancestrais da sociedade brasileira […] dificultando sobremodo o acesso de mulheres aos mais diversos espaços, inclusive pelo prejulgamento de suas aptidões temáticas.”
Feliciano também pontuou que a exclusão feminina nas Câmaras Empresariais decorre de fatores indiretos, como o critério de eleição – realizado por um colegiado de maioria masculina – em vez da adoção de critérios objetivos como antiguidade ou merecimento.
Apesar de reconhecer avanços no TJ/SP – primeiro tribunal estadual a implementar a lista exclusiva feminina prevista na Resolução CNJ 525 -, o relator afirmou que as normas atuais ainda não enfrentam de forma suficiente o problema.
“Trata-se, antes, de um problema estrutural localizado – órgãos fracionários aos quais se pode aceder fora dos critérios do art. 93, II, da CRFB – que as Resoluções CNJ n. 255 (com a redação da Res. CNJ n. 540/2023) e n. 525 não equacionaram.”
Entre as sugestões apresentadas, propôs a adoção de listas femininas exclusivas para eleições em órgãos fracionários que permaneçam com composição exclusivamente masculina por longos períodos.
Ao final, recomendou que a Presidência do CNJ leve o tema ao Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, coordenado pela conselheira Renata Gil.
Processo: 0006852-30.2024.2.00.0000
FONTE: Migalhas | FOTO: Ana Araújo/Agência CNJ